Nunca fui uma criança de brigar na escola. Na verdade, nunca troquei socos com ninguém na minha vida. Minhas demandas sempre foram resolvidas por meio da boca e não das mãos. Entretanto, vi muitos colegas resolverem suas diferenças “no braço”, como se diz por aí. Quando a discussão não chegava a tanto, as ameaças e palavrões eram ouvidos a boa distância. Para piorar, quase nunca a solução vinha rapidamente. Ninguém queria deixar a última palavra para o adversário. Isso fazia com que problemas bobos se arrastassem por um bom tempo em uma discussão inútil e totalmente desrespeitosa.
Contudo, um fator era capaz de amainar os ânimos e até encerrar uma briga acalorada: a ameaça de recorrer ao irmão mais velho. A discussão se mantinha em igualdade até que a possibilidade de alguém mais forte e motivado pela proteção do irmão mais novo tornava o atrito um grande risco para a outra parte. Esta, temendo ter de enfrentar alguém cuja força e tamanho fariam com que uma “surra” fosse inevitável, normalmente mostrava-se desinteressada por continuar a demanda e tratava de por fim ao embate a tempo de se livrar do pior. No final das contas, a ameaça da intervenção de um irmão mais velho servia como um agente pacificador.
Algo parecido ocorreu com o escritor do Salmo 2. Trata-se de um rei de Israel que Atos 4.25,26 identifica como o rei Davi. A situação que ele vivia, nesse momento, era o risco de uma revolta de nações (vv.1,2) que estavam sob seu domínio em uma espécie de motim (v.3). A possibilidade de elas criarem uma liga militar trazia um grande risco para o rei, chamado aqui de “seu ungido” (desde o início da monarquia em Israel, esse termo, meshîhô, é usado para se referir a reis ou futuros reis – 1Sm 12.3-5; 16.6; Sl 20.6; 28.8). A revolta dos amonitas e de povos contratados para combaterem os israelitas (2Sm 10.6) é um possível pano de fundo histórico para a composição desse salmo.
Porém, enquanto tais povos se uniam e conspiravam contra Davi (vv.1-3), aquilo que era um risco real para Israel era motivo de risos para Deus (v.4). Como um “irmão mais velho” mais forte que os outros, Deus “ri” (yischaq) e “caçoa” (yil‘ag) dos inimigos do seu protegido. Tal reação se deve ao disparate entre a capacidade dos inimigos de Davi de feri-lo e a capacidade do Senhor de protegê-lo. A diferença é tão grande que a ousadia dos ofensores causa risos em lugar de pânico. O próprio Deus demonstra o motivo de serem inúteis os planos dos povos dizendo: “Eu ungi meu rei sobre Sião, meu monte santo” (wa’anî nasaktî malkî ‘al-tsîyôn har-qodshî). Desse modo, levantar-se contra o rei de Israel era se levantar contra Deus que o colocou lá. Não é possível enfrentar um oponente como Deus.
O Senhor, então, reafirma sua benevolência para com Davi chamando-o de filho (v.7), prometendo-lhe o domínio sobre outras nações (v.8) e poder suficiente para regê-las (v.9). O rei, confiado na força do “irmão mais velho”, alerta os reis adversários a serem cautelosos (v.10) e se colocarem na posição de servos do Senhor (v.11), desistindo de atacar seu filho (v.12). Esta é, segundo Davi, a disposição e a atitude que garantirá a “felicidade” desses reis e de seus súditos.
Apesar da útil e completa lição que temos ao olhar para o texto sob esse prisma, o Novo Testamento dá uma visão mais ampla do sentido desse salmo. Vários escritores neotestamentários associam o Salmo 2 a Jesus como um cumprimento profético do que Davi escreveu. Em At 4.25,26, Pedro cita o trecho do salmo que diz “por que se enfureceram os gentios e os povos imaginaram coisas vãs? Levantaram-se os reis da terra e as autoridades ajuntaram-se à uma contra o Senhor e contra o seu Ungido” e faz uma aplicação do texto se referindo a Herodes, Pilatos, gentios e israelitas que se uniram contra Jesus (At 4.27,28). Paulo e o autor de Hebreus relacionam o texto “tu és meu Filho, eu, hoje, te gerei” a Jesus (At 13.33; Hb 1.5; 5.5). Além disso, menções no Salmo 2 sobre o seu reinado em Sião sobre as nações que são sua herança, seu cetro de ferro, sua ira vindoura e a felicidade para os que nele se refugiam são referências que se cumprem melhor em Cristo que no próprio rei Davi, escritor do salmo.
Quando se vê o Salmo 2 desse ângulo, novas lições para hoje nos surgem. Aprendemos que as maquinações do mundo contra o Messias são tão inertes que causam risos no Senhor. Independente dos rumos da História e do poder dos homens, o Senhor Jesus é aquele que há de reinar e possuir toda a terra. Apesar de parecer que os maus nunca são punidos, a mão do Rei pesará sobre os perversos trazendo-lhes condenação. E, mais: não importa o quanto o mundo é cruel conosco, Jesus, nosso “irmão mais velho”, é nosso refúgio e o provedor de uma vida “bem-aventurada”.
Portanto, seja sempre pacífico e cordato. Mas, lembre-se bem, se o mundo e as circunstâncias da vida lhe atacarem e quiserem “sair no braço” com você, conte sempre com o “irmão mais velho”, o Senhor Jesus, para lhe proteger e guiar, fazendo cessar as ameaças ou intervindo nelas para proteger seus “irmãozinhos mais novos” por quem deu sua vida na cruz.
Pr. Thomas Tronco
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