sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Igrejas Emergentes (Parte 2)


A crítica bíblica aos modelos de igreja emergente aponta três erros básicos presentes na raiz de suas propostas. Esses erros são pilares sobre os quais todo o pensamento emergente é construído. Se tais pilares forem removidos, o edifício inteiro cairá. Ora, essa demolição é muito fácil. Na verdade, um leve sopro da verdade é suficiente para fazer esses pilares de Isopor vir abaixo.

O primeiro erro que subjaz o pensamento dos defensores da chamada igreja emergente é a crença na falácia de que as conversões a Cristo ocorrem como resultado de táticas e artifícios humanos. Os líderes das igrejas emergentes, ainda que digam não estar comprometidos com nenhum “rótulo” doutrinário, na verdade são ferrenhos defensores da teologia arminiana, segundo a qual o homem tem em si a livre capacidade de “tomar uma decisão por Cristo”. A partir dessa concepção, o trabalho desses ministros se transforma na elaboração incessante de estratégias de convencimento. Seus esforços se voltam, assim, para a criação ou descoberta de técnicas que sejam mais eficazes na atração do não crente. O pastor da igreja emergente sonha, portanto, em encontrar métodos que sejam capazes de persuadir o incrédulo a usar seu “livre arbítrio” de modo certo, recepcionando afinal o cristianismo.

Essas noções, contudo, estão muito longe do ensino bíblico. Para começar, é preciso lembrar que, segundo o Novo Testamento, o incrédulo é um cadáver espiritual, insensível às coisas do Senhor e incapaz de desejá-las (Rm 3.10,11). Por isso, a conversão do pecador nunca tem como causa primária a vontade do homem, mas sim a de Deus (Jo 1.13; 6.65; Tg 1.18). Prosseguindo na análise bíblica, descobre-se que, sendo o homem tão insensível às coisas espirituais, somente Deus tem o poder de atraí-lo (Jo 6.44), sendo inútil o uso de táticas humanas para isso.

Aliás, é bom lembrar que o Senhor atrai o pecador perdido, não por intermédio de iscas artificiais, mas pela atuação sobrenatural do Espírito Santo que convence de forma eficaz a mente entorpecida (Jo 16.8; At 16.14). Como o Espírito faz isso? Usando estratégias de marketing? Não! Ele usa a pregação da Palavra, já que Deus determinou que somente por meio dela a salvação fosse operada (Rm 10.17; 1Co 1.21; 1Pe 1.23).

A Bíblia ensina ainda que, dada a condição deplorável do homem, é o próprio Deus quem, afinal, lhe concede a fé. Na verdade, o texto sagrado ressalta que ninguém pode crer em Cristo sem que isso lhe seja concedido pelo Pai (Jo 6.65; At 11.18; Rm 8.30; 9.18; Ef 2.8; Hb 12.2).

Assim, à luz das Escrituras, os diversos pregadores pós-modernos que anelam despertar no incrédulo o desejo por Cristo com atrativos artificiais são como a criança que tenta acordar o cãozinho morto mostrando-lhe o prato de ração. A pobre criança, ao agir assim, mostra que não compreendeu as suas próprias limitações, nem a ineficácia da ração, nem tampouco o estado horrível em que se encontra o cachorrinho.

(Continua)

Pr. Marcos Granconato
Soli Deo gloria

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

O Maior de Todos os Contrastes

Em minha família, somos três irmãos: dois homens e uma mulher. Meu irmão mais novo é alguém muito alegre e animado, assim como eu mesmo costumo ser. Mas há um fator interessante entre nós: somos, no geral, extremamente diferentes. Nossos gostos são diferentes. Nossos hábitos nem sequer se parecem. Nossas habilidades são distintas. Fizemos cursos superiores de áreas opostas. Nossas amizades nunca se dariam bem entre si. Até nossa aparência difere, de modo que as pessoas que nos conhecem há pouco tempo nem imaginam que somos irmãos. É difícil acreditar que fomos gerados no mesmo ventre e educados no mesmo lar. Apesar de tanta diferença, nos damos bem porque ainda guardamos muitas semelhanças e compartilhamos de muitos valores.

Por maiores que sejam os contrastes entre meu irmão e mim, há um muito maior. No Salmo 36, o rei Davi evidencia os contrastes entre o homem ímpio e o Deus santo. Muitos são os contrastes nesse texto e eles podem ser identificados sob diversas ópticas. Um deles é o disparate entre a ausência de bem no injusto e a fartura das qualidades divinas e das bênçãos vindas de Deus. Se precisássemos traduzir isso em termos de metragem, mediríamos o pecador na escala de milímetros, enquanto o Senhor seria representado na escala dos quilômetros.

O primeiro desses contrastes se dá no campo da confiabilidade. O homem que não segue Deus não é alguém em quem se possa confiar. Seus padrões morais e éticos não são guiados pela verdade e pela retidão. Há nele ausência de um caráter justo (v.1), pois “não há temor de Deus diante dos seus olhos” (’ên-pahad ’elohîm leneged ‘ênayw). Assim, não há limites nem escrúpulos naquilo que faz, visto não ter medo de ser julgado por alguém superior aos homens. Diante de tal ausência, Deus superabunda em termos de confiança para os que o seguem (v.6), pois “aos céus chegam a tua fidelidade, ó Senhor; a tua confiabilidade chega até as estrelas” (yehwâ behashamayim hasdeka ’emûnateka ‘ad-shehaqîm). Se pensarmos bem, não há como medir os atributos do Deus ilimitado. Assim, quando o salmista cita os céus e as estrelas, não é para oferecer uma medida ou um alcance exato, mas para exaltar a “fartura” de tais atributos. É a comparação entre a ausência de veracidade no homem amigo do pecado e a abundância da confiabilidade do Senhor. É uma imagem que vislumbra a pequena estatura de um homem comparado à distância entre o chão e as estrelas. É um contraste e tanto!

O segundo contraste está na área da justiça. O ímpio se sente bem com seus procedimentos injustos. O v.2 diz que “ele lisonjeia a si mesmo aos seus olhos” (hehelîq ’elayw be‘ênayw). Significa que ele se parabeniza ao contemplar o seu pecado, a sua culpa e a sua ausência de justiça. Destilar sua maldade sobre os outros não lhe causa rubor nem lhe afeta a consciência. Antes, faz com que se vanglorie disso. Por outro lado, Deus transborda de justiça (v.6): “A tua justiça é como as montanhas de Deus; o teu juízo é como um oceano muito profundo” (tsidqateka keharrê-’el mishpateka tehôm ravvâ). Mais uma vez, a grande dimensão das montanhas e a profundidade e tamanho dos mares representam o proceder justo do Senhor. Aliás, não há ninguém mais justo que ele. Sua justiça nem sequer pode ser mensurada.

O terceiro se dá no relacionamento. Relacionar-se com os injustos é difícil e perigoso pela ausência da benignidade, ou seja, a disposição de promover o bem alheio. Falando do homem ímpio, Davi afirma que (v.3) “as palavras da sua boca são falsidade e traição” (divrê-pîn ’awen ûmirmâ). Conviver com pessoas assim é um grande risco, pois, não somente não são confiáveis, como também tramam males contra o próximo. Enquanto apertam as mãos das pessoas, pensam em como causar-lhes dano para promover o benefício pessoal. Suas palavras são boas aos ouvidos, mas suas tramas abrem uma cova para quem os acolhe. Os homens ao redor devem se afastar dos injustos a fim de se protegerem. De modo diametralmente oposto, a proximidade do Senhor é o que protege seus filhos. Sobre Deus, diz o salmista (v.7): “Os filhos do homem se protegem à sombra das tuas asas” (benê adam betsel kenafeika yehesayûn). Como um grande pássaro, mais forte e poderoso que os predadores, o Senhor protege aqueles que o buscam. Essa proteção é efetiva e tem como razão a “benignidade” do Senhor. Ele não vira o rosto para quem o busca. Antes, se relaciona com eles em meio à bondade. Ele oferece um relacionamento extremamente saudável para seus servos, assim como um pai ao se relacionar com os filhos ou como uma ave que abraça e protege seus filhotes.

O quarto contraste surge na área do auxílio. Se pensarmos em termos de ações positivas e benéficas em relação a outras pessoas, nosso modelo nunca pode ser o homem injusto, pois (v.3) “ele renunciou ao entendimento e à prática do bem” (hadal lehaskîl lehêtîv). O senso comum do bem não está nesse homem. Ele age como se ignorasse os conceitos relacionados a fazer o bem aos outros. Ninguém pode esperar dele um auxílio verdadeiro e desinteressado, pois tais atos são desconhecidos para ele. Por outro lado, se os servos do Senhor necessitam do auxílio divino (v.8), “eles se saciam de gordura da tua casa” (yirweyun middeshen). Essa é a imagem de um homem faminto sendo alimentado por um anfitrião generoso. O benfeitor oferece comida em abundância; nada falta. Além disso, trata-se de uma comida nutritiva que sustenta o faminto – deve-se levar em consideração que, nos dias do salmista, a gordura, diferente de hoje, não era vista sob uma óptica negativa, como produtora de doenças, mas como uma parte importante da alimentação. Assim, Deus age como um benfeitor que supre as necessidades dos aflitos de modo generoso e abundante. Esse fato é corroborado na sequência do texto: “Tu lhes dá de beber da torrente das tuas delícias” (nahal ‘adaneyka tashqem). O auxílio divino é farto e fruto da sua bondade. 

O último contraste está no caráter. O v.4 diz que o perverso “trama o mal” (’awen yahshov). Entretanto, essa não é a causa do seu caráter perverso, mas o efeito dele. O motivo de esse homem agir assim é que “ele não recusa a maldade” (ra‘ lo’ yim’am). A perversidade faz parte dele. Seu caráter é assim e, por isso, ele nunca se tolhe das más ações, nem se refreia. Tal homem vive escravizado nas trevas do pecado. Deus é o oposto disso, pois, segundo o salmista (v.9), “em ti está a fonte da vida; na tua luz nós vemos a luz” (‘immeka meqôr hayyiym be’ôreka nir’eh-’ôr). O caráter de Deus é santo, justo e amoroso, o que é representado, pelo salmista, por meio da ideia de “luz”. Pela observação da natureza divina relevada nas Escrituras, o servo do Senhor tem seu caminho iluminado e sabe por onde andar com segurança. Ele, mirando no Deus santo e vivo, é preenchido com a verdadeira vida. Tudo isso com sobra e abundância.

A aplicação desses tão grandes contrastes vem na forma de uma oração do salmista ao Senhor. Ele, que parece ter desistido de confiar na força e na sabedoria humana, talvez cansado de sofrer tantas decepções, roga a Deus (v.10): “Alongue a tua bondade aos que te conhecem e a tua justiça aos que são retos de coração” (meshok hasdeka leyode‘eyka wetsidqotka leyishrê-lev). A confiança de Davi está na manutenção diária e abundante da bondade do Senhor para com seus servos. Não poderia haver um contraste mais vantajoso para os que creem em Deus e lhe são seguidores. Se o homem não é confiável, o Senhor é a fonte de toda a confiança. Se o homem trama armadilhas, Deus protege seus filhos delas. Se os pecadores são maus, Deus é o exemplo máximo da bondade. A pergunta que fica é: “O que você quer? Seguir os caminhos secos e tortos dos incrédulos, ou saborear a vida e a santidade que vem de Deus a da sua Palavra?”

Pr. Thomas Tronco

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

A Dor de quem Espera

O primeiro de semestre de 2010 foi um tempo muito difícil para mim. No final de janeiro, comecei a sentir certo formigamento na perna direita e, alguns dias depois, dores nas costas. Como esses sintomas não melhoravam, procurei o pronto-socorro de um hospital e ali foi diagnosticado meu problema: hérnia de disco. Eu nem sabia que doença era essa até então. Enquanto eu aguardava o dia da consulta com um neurologista, as dores aumentaram abruptamente fazendo-me sofrer demais. Eu nunca havia sentido dores tão lancinantes. Mesmo deitado e sob o efeito das medicações, o sofrimento era enorme. Em poucos dias, tive de ser internado.

Mesmo nos melhores dias, era com o auxílio de uma bengala que eu caminhava. Nos maus momentos, era inevitável terminar o dia no hospital. Na pior ocorrência da dor, fui atendido e transportado pelo corpo de bombeiros, recebendo, no hospital, uma das medicações mais fortes que existem. Foram cerca de três meses de dores intensas e visitas ao hospital. Hoje, apenas administro um problema que já não me aflige tanto. O interessante é que, bem no começo, um amigo, que sofreu do mesmo mal, me disse: “Tenha paciência! As dores fortes vão passar, mas demora um pouco para que isso ocorra. Mas, não desanime, pois a crise vai passar”. Ele tinha razão e eu sabia disso desde a primeira vez em que me falou tais palavras. Não duvidei dele em nenhum momento. Entretanto, a espera, apesar da certeza, foi dolorida e me trouxe um enorme sofrimento.

Davi, o grande salmista, atravessou uma situação parecida, não exatamente de doença, mas em termos de sofrimento incessante. O Salmo 35, diferente do anterior, nos mostra Davi em um momento de angústia, sem, contudo, ver a resposta de Deus às suas orações. O problema não era a falta de esperança do salmista. Ele, na verdade, demonstra ter certeza de que Deus o livrará. Entretanto, não havia chegado o momento de ser aliviado da tristeza e do perigo. Isso fez com que o salmo apresentasse três situações de sofrimento duradouro e o devido encorajamento aos servos de Deus por meio da esperança do livramento no momento correto, escolhido assim pelo Senhor.

A primeira das situações que são frequentemente duradouras e que causam pesar nos servos de Deus é a oposição dos adversários (vv.1-10). Nos vv.1-3 Davi pede a Deus que lhe proteja dos inimigos na medida necessária a fim de livrá-lo e de punir os que lhe atacam sem motivo. Uma pergunta importante de se fazer diante disso é “quem são eles?”. Davi não cita seus nomes ou títulos. Em vez disso, Davi descreve-os em sua atividade opositora. A confiança do salmista no v.4 dá início a tal descrição. Diz ele: “Baterão em retirada e serão derrotados aqueles que planejam o meu mal” (yissogû ’ahor weyahperû hoshvê ra‘atî). Trata-se de pessoas que arquitetavam modos de prejudicar Davi. A sutileza e a periculosidade de tais projetos são transmitidas pelo salmista (v.7) ao escrever sobre o objetivo dos adversários contra ele: “Pois sem motivos esconderam armadilhas para mim” (kî-hinnam tamnû-lî). Traiçoeiramente, os adversários de Davi pensavam em modos de fazê-lo cair em uma armadilha. É a figura de uma caçada em que os opositores fazem o papel de predadores. Assim como caçadores de verdade, eles armam emboscadas para pegar de surpresa a vítima indefesa. É uma atitude desonesta e maldosa. A vítima, além de não poder se defender da armadilha, nem imagina que ela existe, pois tudo é feito às escuras, já que Davi, falando do inimigo (v.8), se refere às “suas redes às quais esconderam” (rishtô ’asher-taman). É a mesma ideia da caça, com ênfase na traição oculta.

A segunda situação é a falsidade das pessoas próximas (vv.11-18). Quem dera os inimigos fossem seus únicos motivos de desgosto! Davi, agora, apresenta o sofrimento pessoal que teve como fonte pessoas a quem ele chamou (v.11) de “testemunhas da injustiça” ou de “testemunhas da violência” (‘edê hamas). Até aí, não há surpresas. Contudo, o v.12 introduz um elemento que, sim, nos surpreende. Tratava-se de pessoas a quem Davi havia beneficiado. Em troca, eles foram traidores e malévolos: “Eles me retribuem o mal em lugar do bem” (yeshallemûnî ra‘â tahat tôvâ). É revoltante! Davi foi bondoso com tais homens que, agora, são testemunhas mentirosas e malvadas contra ele. Isso piora quando Davi explica melhor seu procedimento bondoso para com eles no passado (v.14): “Eu agia como se eles fossem amigos ou irmãos para mim” (kereah-ke’â lî hithallaktî). Muita gente tem companheiros tão chegados que são como familiares. Assim eram tais homens para Davi. Apesar disso, diz o salmista (v.15): “Mas, na minha queda, eles se alegraram e se ajuntaram; se ajuntaram contra mim” (ûbetsal‘î samhû wene’esafû ne’esfû ‘alay). Dá até para ouvir o grupo reunido rindo de Davi e expondo como cada um trabalhou em prol da sua queda quando ele de nada desconfiava. São risos que dão nojo nos homens justos. Olhar para esse tipo de ajuntamento injusto e traidor realmente desanima qualquer um.

A terceira é a provocação arrogante (vv.19-28). Nesse ponto, Davi ora ao Senhor pedindo que os impeça de agir conforme o mal que pretendem. É sob esse prisma que percebemos suas atitudes. Davi diz (v.19) que tais homens “piscam os olhos” (yiqretsû-‘ayin). A palavra traduzida por “piscar” tem uma forte conotação de uma atitude maliciosa. Trata-se de um sinal com os olhos que transmite arrogância e maldade contra seu alvo. Eles também zombavam e tripudiavam a respeito da situação difícil de Davi (v.21): “Alargam suas bocas contra mim dizendo: Aha! Aha!” (wayyarhîvû ‘alay pîhem ’omrû he’â he’â). A interjeição aha é uma onomatopeia – figura de linguagem que expressa sons como “pocotó” ou tique-taque – que simboliza “risos” ou “gargalhadas”. Representa a exultação aberta por verem o mal do salmista. O sonho desses homens era ver chegar o dia em que pudessem alegremente dizer (v.25): “Nós o aniquilamos” (billa‘anûhû). Temos de ser sinceros: é difícil conviver com uma situação como essa. Quanto tempo suportaríamos maus tratos e provocações assim? Em quanto tempo desistiríamos de tudo ou abandonaríamos o bem partindo para a briga com homens maus, ingratos e arrogantes como os tais?

Entretanto, apesar do estado duradouro desses males, Davi revela seu sofrimento, mas não seu abandono da esperança de ver dias melhores modelados pelas mãos do Senhor eterno. O salmista, que ainda não viu seu livramento, nem a derrocada dos inimigos, não tem dúvida de que ocorrerão. Ele conhece o Senhor e sabe que tipo de cuidado amoroso ele tem para com os seus. Assim, mesmo que o tempo de Deus não coincida sempre com a pressa do servo de se ver imediatamente livre das pressões, Davi sabe que chegará o dia em que o Senhor o livrará e lhe dará a alegria que se esvaiu diante das circunstâncias. Essa esperança faz com que o salmista declare, do meio do turbilhão, como será seu regozijo naquele dia (v.9): “E a minha alma se alegrará no Senhor e regozijará na sua salvação” (wenafshî tagîl bayhwâ tasîs bîshû‘atô). É muito interessante ver como, ao mesmo tempo, tal certeza produz uma esperança futura e um consolo presente. Por causa dessa esperança é que, depois de sofrer por tanto tempo, Davi persiste em se manter na justiça e no serviço do Senhor, inclusive, louvando-o por meio desse salmo.

Como Davi não foi o único a carregar problemas duradouros, essa mensagem é de especial aplicação e atualidade para nós mesmos. Nós também nos cansamos de sofrer injustiça. Também ficamos desanimados ao tratar bem pessoas que nos retribuem com o mal. Infelizmente, também somos, por vezes, alvo das chacotas e das provocações arrogantes de outros. Pois é exatamente nesses momentos que nossa fé no Senhor deve ser redobrada e nos fazer lembrar de tudo que ele nos fez e das coisas que ainda nos fará. É nessas horas que a esperança cristã nos deve dar novo fôlego e, por pura fé, nos fazer regozijar no Senhor pela libertação que ele ainda não produziu. Independente dos detalhes dos planos de Deus para nós, sabemos que o resumo deles é que ele cuidará dos nossos dias com todo seu amor até nos receber no eterno lar, onde jamais sofreremos injustiça ou qualquer outro tipo de mal. Portanto, lembre-se: “Tenha paciência! As dores fortes vão passar. E mesmo que demorem um pouco para que isso ocorra, não desanime, pois a crise vai passar”.

Pr. Thomas Tronco

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Igrejas Emergentes (Parte 1)

Há algum tempo escrevi dois artigos sobre igrejas pós-modernas, dizendo que elas apresentam basicamente quatro marcas: hermenêutica relativista, discurso conciliador, ênfase excessiva na liberdade humana e afrouxamento ético/moral (clique aqui para ler as pastorais: parte 1, parte 2). As quatro marcas das igrejas pós-modernas apresentadas ali, porém, de forma alguma abrangem a totalidade das características dessas igrejas. Sim, há outras manifestações do pensamento pós-moderno no meio evangélico e uma delas que muito tem chamado a atenção nos últimos anos é o movimento denominado “igreja emergente”.

É muito difícil encerrar esse movimento numa definição, pois as diversas igrejas associadas a ele têm diferentes ênfases e variadas maneiras de expressão, todas se apresentando como comunidades cristãs emergentes. Porém, um conceito genérico talvez seja possível nos seguintes termos: igrejas emergentes são igrejas pós-modernas engajadas na busca de formas práticas de funcionamento que sejam aceitáveis e atraentes para os homens de hoje.

A pergunta crucial, pois, do “movimento igreja emergente” é: como a igreja pode se tornar relevante e atraente para a sociedade atual pós-moderna? Uma vez que as respostas a essa questão variam muito, o conceito de igreja emergente tem abrangido diferentes modelos eclesiásticos que vão desde o total abandono de qualquer padrão tradicional ou formal de culto até a adoção de práticas e símbolos intensamente místicos e rigidamente litúrgicos.

Podem-se dividir as igrejas emergentes em quatro classes distintas:

1. Conformistas – As igrejas emergentes conformistas entendem que o homem pós-moderno busca formas mais livres de religiosidade, sentindo aversão por qualquer expressão formal ou tradicional de adoração, posto que liturgias assim, segundo entendem, refletem uma mentalidade estreita e rígida demais. Por isso, os cultos e as atividades das igrejas emergentes conformistas buscam reproduzir formas seculares de entretenimento, especialmente shows musicais, danças e “baladas” nos quais recursos visuais e eletrônicos de ponta são empregados (globos espelhados, gelo seco, canhões de luz, etc.). Os cristãos emergentes conformistas entendem que nenhum descrente permanecerá numa igreja se, ao chegar, encontrar os irmãos em oração ao som suave de um prelúdio. Daí a necessidade de medidas práticas que sejam sensíveis às expectativas do incrédulo pós-moderno. Evidentemente, essa preocupação também se reflete na pregação. Geralmente, os pastores dessas igrejas evitam falar sobre pecado, condenação, cruz e arrependimento em seus discursos. Esses assuntos,no entender deles, espantariam os descrentes da atualidade. 

2. Místicas – As igrejas emergentes místicas se opõem frontalmente às conformistas no que diz respeito ao modo como o culto deve ser. Segundo seus representantes, o homem pós-moderno está cansado de espetáculos e shows com efeitos especiais. Essas coisas, dizem, estão à disposição das pessoas em qualquer lugar e o tempo todo. Por isso, no tocante à religião, o mundo pós-moderno nutre uma expectativa mais espiritual, que deve ser acompanhada de símbolos e práticas místicas. Adotando essa visão, algumas igrejas evangélicas americanas têm usado cruzes, incenso, velas, colunas e altares de oração em seus cultos, produzindo um ambiente sombrio semelhante ao das antigas catedrais católicas. No entender dos líderes dessas igrejas, essas coisas servem como atrativo para o homem pós-moderno que anseia por experiências espirituais intensas.
 
3. Pluripartidárias – Esse modelo de igreja emergente focaliza o fato de que, para a mente pós-moderna, há muitas verdades sendo todas igualmente válidas. Transportando esse raciocínio para o funcionamento da igreja, tais instituições oferecem aos seus frequentadores uma espécie de self service teológico. Assim, em suas escolas de ensino doutrinário, há classes para calvinistas, para liberais, para pentecostais e para várias outras vertentes. As igrejas emergentes pluripartidárias dizem não se identificar exclusivamente com nenhum desses modelos, recusando qualquer rótulo. Seus líderes entendem que toda concepção doutrinária é válida e deve ser respeitada. Segundo eles, a visão oposta só serve para criar divisões que atrapalham o crescimento da igreja e a consecução dos seus objetivos.

4. Ultrainformais – Igrejas emergentes ultrainformais apegam-se à desconfiança que o homem pós-moderno nutre contra o caráter das instituições em geral. Seus expoentes ensinam que as igrejas nos moldes institucionais criam barreiras para o evangelho ao tentar impor sobre as pessoas a visão de um só indivíduo ou de uma pequena minoria que, aliás, se beneficia da estrutura formal estabelecida. Reagindo a isso, as igrejas emergentes ultrainformais recusam tudo que ameace institucionalizar o grupo. Por isso, por via de regra, defendem a realização de cultos nos lares (nunca em templos ou edifícios religiosos), opõem-se a todo tipo de hierarquia eclesiástica, desprezam formalidades litúrgicas (o culto busca ser uma celebração livre, criativa e artística em que todos participam de forma espontânea), evitam filiar-se a qualquer denominação religiosa e recusam-se até mesmo a criar um rol de membros. Os representantes desses grupos afirmam que seu modelo é o único verdadeiramente neotestamentário e recorrem a textos como Atos 2.46,47 para tentar provar o que dizem.   

É claro que há igrejas emergentes que, na medida do possível, combinam características de duas ou mais das diferentes classes mencionadas. Todas, porém, têm algo em comum: obter sucesso na atração dos descrentes de hoje, propondo formas de religiosidade que lhes satisfaçam as expectativas, jamais se insurgindo contra as raízes de sua cosmovisão secular.

(Continua)

Pr. Marcos Granconato
Soli Deo gloria

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Um Relacionamento de Duas Vias

Sempre gostei muito de bichos. Durante toda minha vida convivi com as mais diversas espécies de animais. Apesar do meu gosto especial por gatos, pássaros e peixes, nenhum deles se compara ao meu gosto pelos cães. Tenho dois cães da raça rottweiller, o macho chamado Tímios e a fêmea, Malcah. Apesar do terror que os cães dessa raça causam nos visitantes e nas pessoas que passam na rua – esse é um dos propósitos deles –, essa não é toda a verdade sobre os rottweillers. Trata-se de cães extremamente obedientes, inteligentes e, acredite, dóceis – pelo menos com os donos. Não costumam ser traiçoeiros e, a meu ver, são os cães mais bonitos que eu já vi, com um porte inigualável.

Apesar dessas qualidades, há algo que me surpreende todas as vezes em que penso nisso: a amizade que os cães mantêm com seus donos. Meus cães, principalmente o macho, por ser mais velho, age com extrema fidelidade e carinho para comigo. Faz de tudo para me agradar e para estar sempre por perto. Mesmo quando estou dentro de casa, ele procura, ao redor da casa, o lugar mais próximo de mim e só se levanta dali quando vou para outro cômodo. Ele me protege e me faz companhia o tempo todo. Por outro lado, eu o alimento, dou banho, zelo pela sua saúde e procuro passar tempo com ele. Nesses momentos, tenho a impressão de fazê-lo muito feliz. No final das contas, é um ótimo relacionamento, bom para ambas as partes. Eu chamaria tal convivência de “relacionamento de duas vias”, pois cada um supre necessidades do outro.

Há um outro tipo de relacionamento bilateral que supera qualquer outro e é, de fato, inigualável: o relacionamento entre Deus e seus servos. Uma diferença marcante desse relacionamento é que Deus não tem qualquer necessidade a ser suprida pelos homens. Se ele se relaciona conosco, não é porque precise de nós, mas porque decidiu fazê-lo. Apesar disso, como um relacionamento bilateral, está presente a atuação de cada parte conforme suas responsabilidades e capacidades. O que não pode – ou não deve – ser realizado de um lado, encontra no outro alguém que faz o que lhe cabe no convívio mútuo. O Salmo 34, escrito por Davi, apresenta atividades realizadas tanto por Deus como por seus servos no relacionamento que mantêm mediante a graça divina.

Pelo lado de Deus, a primeira das atividades voltadas aos servos é atender as orações. Ao notar que o início do salmo o situa depois de uma libertação do escritor em uma circunstância em que fica clara a atuação de Deus, compreende-se melhor o ponto em questão. Quando era provável e quase inevitável que Davi morresse nas mãos dos filisteus, ele diz (v.4): “Busquei o Senhor e ele me atendeu” (darashtî ’et-yehwâ we‘ananî). Enquanto os filisteus mantinham uma posição de cautela em relação a Davi, o rei acreditou realmente, contra as expectativas, que se tratava de um homem louco e poupou-lhe a vida. Diante do histórico guerreiro e vitorioso do salmista, a credulidade do rei filisteu ou nos parece tolice, ou nos convence da atuação divina na proteção do servo. Em outras palavras, a resposta de oração garantiu a vida do salmista quando o máximo que ele podia fazer era fingir ser doido diante dos inimigos.

A segunda atividade é proteger os servos. O v.7, muito conhecido e pouco compreendido pelos cristãos, diz: “O anjo do Senhor acampa ao redor dos que o temem” (honeh mal’ak- yehwâ saviv lîre’ayw). Não se trata de “anjos”, mas do próprio Senhor em pessoa protegendo os servos como uma sentinela que marcha em volta daquilo que está a proteger. A expressão “anjo do Senhor” frequentemente se refere à pessoa de Deus (Gn 16.10; Ex 3.2). Ainda que os anjos sirvam, sob as ordens do Senhor, aos homens que temem a Deus (Sl 91.11; Hb 1.14), o soberano não se tolhe de guardá-los pessoalmente.

A terceira atividade é opor-se aos injustos. Boa parte do sofrimento dos servos de Deus tem como fonte homens que, em sua injustiça, os exploram e oprimem. Ainda que o julgamento definitivo da maldade venha a ocorrer somente no final da história terrena, Deus costuma intervir a favor dos seus filhos quando sofrem diante dos maus. Enquanto protege os seus, o v.16 revela que “a face do Senhor está contra os que praticam o mal” (penê yehwâ be‘osê ra‘). O Senhor toma as dores dos servos e se posta contra os ímpios.

A última é manter comunhão. Diferente do pensamento agnóstico que postula que Deus se afastou da criação, Davi afirma que Deus permanece junto aos seus (v.18): “O Senhor é próximo dos quebrantados de coração” (qarov yehwâ lenishberê-lev). Tal proximidade é o que mantém a comunhão entre eles. Deus não apenas se deixa encontrar como se faz sentir ao redor dos que, arrependidos dos pecados e dependentes da graça e misericórdia do Senhor, entregam-lhe o coração.

Já, pelo lado dos servos, a primeira das atividades visando ao bom relacionamento com o Senhor é louvar a Deus. Em agradecimento a tamanha bondade, Davi – que havia sido poupado milagrosamente dos inimigos – diz (v.1): “Com a minha boca continuamente o louvarei” (tamîd tehillatô be). Ele se propõe não apenas a adorar a Deus, mas fazê-lo publicamente. Esse é o sentido de dizer que “com a boca” louvaria a Deus. Ele testemunharia todo o tempo, em dias bons e ruins, que o Senhor é digno de ser adorado pelos homens que o amam. Essa não é apenas uma atitude dos servos para com Deus, mas o sentido da sua existência (1Pe 2.9).

A segunda atividade humana é desfrutar da bondade divina. O v.8 contém uma ordem aos homens: “Provem e vejam que o Senhor é bom” (ta‘amû ûre’û kî-tov yehwâ). A palavra hebraica usada por Davi traduzida por “provar” não é a mesma usada pelo profeta Malaquias em um texto muito conhecido (Ml 3.10). Enquanto Malaquias propõe um “teste”, a palavra que Davi utiliza propõe o ato de “experimentar” algo, assim como “provar” uma comida ou “degustar” um vinho. Desse modo, o servo de Deus se “deleita” no Senhor aceitando as bênçãos que, pela graça, lhe são oferecidas. Ele não mendiga um pouco de alegria no meio do pecado. Ele se deleita nas palavras, na companhia e na bondade do seu Senhor.

A terceira atividade é a exortação dos irmãos. Como testemunha dos atos misericordiosos de Deus, Davi age também como transmissor dessa verdade e doutrinador de outras pessoas. Ele se propõe a fazer o seguinte (v.11): “Eu ensinarei a vocês o temor do Senhor” (yir’at yehwâ ’alammedkem). Temer a Deus não é ter medo dele. É certo que o servo de Deus deve temer, sim, desrespeitar o Senhor e ser por ele disciplinado. Mas o conceito presente no temor do Senhor é maior que isso. Envolve reverência, obediência, respeito e adoração. Davi, como homem temente a Deus, exorta seus conservos a terem a mesma disposição e se oferece para ensiná-los e encorajá-los nesse sentido.

A última atividade é a santificação de vida. Lutar contra o pecado e se deixar dirigir pelo Espírito de Deus é fundamental no convívio diário com o Senhor. Por isso, o salmista ainda orienta (v.14): “Aparte-se do mal e faça o bem” (sûr mera‘ wa‘aseh-tôv). A santificação é um esforço em dois sentidos. Em primeiro lugar, lutar para abandonar o pecado em forma de pensamentos, disposições e, obviamente, ações. Significa se empenhar para não fazer as coisas que ofendem a santidade do Senhor. E, na sequência, manter o esforço para fazer o que é correto obedecendo as instruções de Deus expostas nas Escrituras. Nenhum desses aspectos se perfaz sem o outro. Não existe vitória contra o pecado quando não há obediência; nem há santificação sem negação pessoal a fim de sujeitar os impulsos pecaminosos. O servo de Deus, mesmo diante de toda a dificuldade dessa batalha, luta para ser cada dia mais santo.

Com esse relacionamento de duas vias em ação, tanto a bondade de Deus como a submissão voluntária do servo se completam e produzem um clima de amizade, interação e união. Esse, sim, é um bom relacionamento cheio de bênçãos para os homens e repleto de honras ao Senhor. Pela graça de Jesus e seu sacrifício da cruz, podemos ser considerados, agora, por meio da fé, amigos de Deus. E não há nada mais magnífico que isso na vida de um cristão. Ou você, depois de refletir sobre tudo isso, ainda acha que é o cão o melhor amigo do homem?

Pr. Thomas Tronco

As Credenciais do Senhor Todo-poderoso

Um fato curioso faz parte da história de um museu de arte de Viena (Áustria), o Vienna’s Museum of Fine Arts. Trata-se de um personagem curioso que era costumeiramente conhecido como “O Faraó”. Esse senhor frequentou o museu por, aproximadamente, trinta anos, atuando como uma espécie de guia. Sua especialidade era arte egípcia. Ele aguardava visitantes a fim de lhes apresentar, com informações detalhadas, as obras egípcias do museu. Seu conhecimento do assunto era tão profundo que poucas pessoas se deram conta de que ele não tinha qualquer ligação com o próprio museu. Até mesmo egiptólogos profissionais consultavam-no para dirimir dúvidas que tinham em relação às obras egípcias e ao próprio Egito.

Contudo, apesar dos dotes singulares desse senhor, o fato mais curioso só foi conhecido depois da sua morte: o maior especialista em Egito, de fato, jamais havia ido ao Egito. Isso espantou muita gente que pensava que aquele homem conhecia o Egito como ninguém, quando, na verdade, ele conhecia – e muito bem – apenas as informações registradas sobre o país. Apesar do seu exímio e singular conhecimento de egiptologia, ele era como um leigo que estuda livros de medicina a ponto de conhecer a teoria médica melhor que os próprios médicos, mas que nunca fez um exame físico em um paciente ou lhe aferiu a pressão arterial. A bem da verdade, “O Faraó” não foi o único a dar a impressão de ser quem não é. Quantas pessoas não se esforçam para transmitir uma imagem irreal a fim de serem admiradas?

Por outro lado, há alguém que, em contraste a essa realidade, é tudo o que diz ser: o Senhor Deus. As Escrituras atestam que Deus é todo-poderoso (2Co 6.18), conhecedor de todas as coisas (Sl 139.16) e soberano (Ef 1.11). Alguém inigualável que pode fazer tudo que desejar (Sl 135.6) sem que ninguém lhe possa impedir (Jó 42.2) ou instruir (Is 40.14). Entretanto, esses atributos têm sido cada vez mais depreciados no mundo ateísta e até mesmo em igrejas ditas cristãs, visto tratarem-no como se fosse um garçom, exigindo dele bênçãos ao gosto do freguês. Entretanto, o rei Davi apresenta as credenciais divinas para os títulos que as Escrituras lhe conferem. O Salmo 33 é um chamado público de louvor a Deus (vv.1-5) e as razões para tal louvor são apresentadas por meio de quatro credenciais que somente um Deus ilimitado e onipotente, merecedor de toda adoração, poderia ter.

A primeira credencial é a criação do universo (vv.6-9). Davi diz, no v.6, que a magnífica obra da criação teve como fonte a vontade e a iniciativa divina: “Pela palavra do Senhor os céus foram feitos e, pelo sopro da sua boca, todo o seu exército” (bidvar yehwâ shamayim ûberûah pîw kol-tseva’am). A expressão “todo o seu exército” é uma referência às estrelas do céu (Gn 2.1). Em resumo, o universo mapeado e até as partes mais longínquas e desconhecidas dos homens vieram a existir quando Deus as ordenou. Se os céus são obras das mãos do criador, nosso planeta também é. Nesse aspecto, o salmista recorda (v.7), pelo relato de Moisés (Gn 1.9,10), de quando Deus fez a separação entre as águas e a terra seca: “Ele é quem reúne as águas do mar como se faz em uma represa; quem lança os oceanos em odres” (kones kanned me hayyam noten be’otsarôt tehômôt). É perceptível o desejo do escritor de tornar a imensidão do mar um mero copo d’água diante do seu criador.

A partir daí, não é mais necessário versar sobre outros aspectos magníficos da criação como as montanhas, as plantas, os animais e a diversidade de tudo que existe. Pela demonstração do poder de Deus diante dos mares – que englobam a maior parte da superfície do planeta –, o salmista atingiu seu propósito de apresentar tal credencial. Ele apenas completa a ideia apontando, agora, para o criador como fonte de toda a existência (v.9): “Pois ele falou e as coisas passaram a existir; ele ordenou e elas surgiram” (kî hû’ ’amar wayyehî hû’-tsiwwâ wayya‘amod).

A segunda é o controle da história (vv.10-12,16-17). Se o poder dos mares e o tamanho do universo não são nada comparados ao poder dos decretos de Deus, o poder político e militar das nações – conceitos mais próximos e conhecidos dos leitores – também sucumbem diante da onipotência divina (v.10): “O Senhor frustrou o desígnio das nações; anulou as maquinações dos povos” (yehwâ hepîr ‘atsat-gôyim henî’ mahshevôt ‘ammîm). Essa realidade fazia parte da história dos israelitas, tantas vezes atacados pelas nações ao redor, tantas vezes protegidos pelo Senhor. Eles aprenderam (v.16), por experiência própria, que “nenhum rei é salvo pelo poderio militar” (’ên-hamelek nôsha‘ berav-hayil gibôr). Deus, por sua vez, a despeito da ineficácia dos intentos das nações e do poder dos seus exércitos, faz cumprir perfeitamente tudo que planejou como só um Deus ilimitado e soberano pode fazer (v.11): “O desígnio do Senhor dura para sempre” (‘atsat ‘atsat le‘ôlam).

A terceira credencial é o conhecimento de tudo (vv.13-15). Se Deus tudo pode, também tudo vê. A falta de limites do Senhor é ampla e abrange os mais diversos aspectos. Nesse sentido (v.13), Davi afirma que “dos céus o Senhor observa; ele vê todos os filhos do homem” (mishamayim hivvîm yehwâ ra’â ’et-kol-benê há’adam). Ninguém foge dos seus olhos penetrantes. Nada passa despercebido por Deus. O v.15, que completa a ideia inicial, é muito parecido com alguns aspectos expostos no Salmo 139, visto que diz: “Ele é o formador de cada coração; é o conhecedor de todas as obras deles” (hayyotser yahad livvam hammebîn ’el-kol-ma‘asêhem). Por “cada coração” entenda-se “cada homem”. Deus, que criou a humanidade e planejou a vida de cada ser humano, conhece tudo que cada um faz, pensa ou sente. Ninguém mais no universo pode apresentar uma credencial como essa.

A última credencial é o cuidado dos fiéis (vv.18-22). O motivo pelo qual Davi escreve o salmo é apresentado, nesse ponto, a fim de produzir segurança nos servos de Deus e, consequentemente, louvor ao seu nome. Ele afirma novamente o conhecimento pleno de Deus, mas, dessa vez, trazendo à luz o motivo do olhar constante do Senhor (v.19): “A fim de livrar a alma deles da morte e preservar suas vidas durante a fome” (lehatsîl mimawet nafsham ûlehayyôtam bara‘av). Deve-se notar que a palavra “alma” nesse texto não tem como intenção se referir ao espírito dos servos de Deus, mas a eles como pessoas. Significa que Deus cuida de cada um dos que lhe pertencem. Lembra também o cerco de uma cidade, onde os habitantes são privados de suprimento e são oprimidos pela fome. É nesse contexto que os israelitas, mais de uma vez, testemunharam o cuidado que Deus tinha com eles. Por isso mesmo (v.20) Davi o chama de “nosso auxílio e nosso escudo” (‘ezerenû ûmaginnenû).

Deus não é um charlatão que diz ser quem não é. Não são poucas as credencias que comprovam o seu caráter e poder para que confiemos nas coisas que sua Palavra nos ensina e para que esperemos pacientemente pela sua proteção. Não há ninguém a quem possamos recorrer que nos trate como o Senhor. O salmista também parece notar que os atributos de Deus não pertencem apenas ao campo da teologia, mas ao campo das vidas práticas daqueles que o buscam. O que a teologia defende, o servo de Deus sente e testemunha no seu dia a dia. Assim, a conclusão que Davi tira dessas verdades não poderia ser outra (v.12): “Feliz a nação cujo Deus é o Senhor” (’ashrê haggôy ’asher-yehwâ ’elohayw).

Que mensagem seria mais apropriada para uma época em que profetas da prosperidade e milagreiros ditos cristãos clamam para si a autoridade de dar paz e alegria para quem os segue? Que lição seria mais necessária diante da atitude moderna – ou pós-moderna – de ignorar a revelação de Deus e de moldá-lo conforme a cobiça humana? Que exortação seria mais propícia para lembrar a igreja de Deus de que métodos que anulem a confiança e a obediência ao Senhor são como querer represar os mares com gravetos?

Que, como o salmista, nossa confiança esteja sobre aquele que tem todas as credenciais para ser nosso protetor e que, como resultado dessa realidade, nosso louvor e adoração só sejam menores que o tamanho e o poder daquele que não pode ser contido por nada, nem por ninguém.

Pr. Thomas Tronco

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

A Parábola do Filho Prófugo

Se eu fosse um mestre ao estilo de Jesus, contaria aos meus discípulos a seguinte parábola:

Havia uma mulher que tinha vários filhos. Certo dia, um deles decidiu estudar a história da mãe a fim de saber o que se passara com ela ao tempo da juventude. Em suas investigações, o moço descobriu que, tanto na infância como na juventude, sua mãe fora protegida por vários soldados que, com coragem e até à custa da própria vida, a defenderam de homens perversos que, com astúcia e crueldade, tentaram matá-la.

Prosseguindo na análise dos relatos antigos, o curioso filho ficou sabendo que, em tempos mais recentes, quando sua mãe já era uma mulher madura, inimigos terríveis mais uma vez se levantaram contra ela. Esses inimigos, porém, não eram violentos nem sanguinários. Antes, dedicavam-se a difamar a boa senhora dizendo que seu marido, agora ausente, na verdade nunca existira. Também a ridicularizavam, lançavam-lhe impropérios e atribuíam a ela os mais terríveis males da sociedade dos seus dias. De fato, diziam ser por causa dela que o mundo era tão ruim e estimulavam as pessoas a cuspir na boa senhora quando a vissem.

Terminada sua pesquisa, o filho refletiu acerca dos soldados antigos e, surpreendentemente, disparou: “Que péssimos soldados foram aqueles. Como puderam ser tão rigorosos a ponto de não respeitarem os agressores de minha mãe? Quanta rispidez e intransigência! Não é de estranhar que, tendo tais soldados por perto quando menina, minha mãe hoje seja, às vezes, tão rígida!”

Em seguida, o filho pensou nos difamadores de sua mãe, aqueles que tinham divulgado mentiras sobre ela em tempos mais recentes. Seu parecer chocou a todos: “Que homens magníficos foram eles! Que clareza de mente! Que perspicácia em perceber as falhas não só da minha mãe, mas também dos meus irmãos! E que visão nova e magnífica sobre meu pai! Daqui pra frente vou basear todas as minhas ideias no que esses gênios escreveram. Eles é que foram os verdadeiros amigos de meu pai!”

Ouvindo isso, os irmãos do jovem disseram aflitos: “Como podes tu dizer essas coisas? Tu que foste criado no seio de mãe tão honrosa, por meio de quem recebeste a própria vida? E como podes te insurgir contra a memória de soldados tão valorosos que, com sangue, suor e lágrimas, demonstraram tanto amor e cuidado por nossa mãe menina? Tu falas como um doido, tanto mais quando aplaudes justamente aqueles que, com suas mentiras, tentaram destruir não só o nome da nossa mãe, mas até a lembrança do nosso pai debaixo do céu.”

O jovem, porém, respondendo disse: “Vós nada sabeis! Sois intransigentes e radicais como aqueles malignos soldados do passado. Vossas palavras estão cheias de veneno e vossos olhos não podem ver, pois estais cegos. Vossas antigas formas de pensamento, tolices que vos foram inculcadas desde cedo em nossa casa, impedem que enxergueis a verdade ensinada pelos sábios críticos dessa velha caduca e cheia de deformidades que vós ainda chamais de mãe. Se, pois, não podeis suportar o que para mim é cristalino como a água, eis que vos digo o seguinte: doravante, buscarei outra mãe. Ficai vós, como meninos mimados, junto dessa senhora que, para mim, de nada mais serve.”

E, tendo dito isso, partindo, foi.

Quando ouvissem essas coisas, talvez meus discípulos dissessem: “Pastor, explica-nos a parábola do filho prófugo”. Então, eu responderia: “Vós sois assim tão tardios para entender? Atendei, pois, ao significado da parábola: a velha senhora é a Palavra de Deus, o verdadeiro evangelho proclamado pela santa igreja; os soldados são os pais da igreja e os reformadores do século 16; os críticos da mulher são os filósofos seculares mais recentes como Spinoza, Marx, Freud, Nietzsche e Sartre; o filho rebelde são os cristãos de hoje que adotam abordagens teológicas pós-modernas; os outros filhos são os que permanecem comprometidos com a Palavra e são chamados de fundamentalistas radicais pelos mestres pós-modernos. Ora, sempre que um cristão se insurge contra os defensores do Evangelho, admirando os inimigos da fé e buscando sabedoria neles, tal pessoa rompe com o cristianismo histórico e passa a buscar outros evangelhos, desonrando o Pai”.

Quem tem ouvidos para ouvir, ouça! 

Pr. Marcos Granconato
Soli Deo gloria

A Restauração que Vem do Perdão

Um dos grandes tesouros da literatura mundial é a obra Os miseráveis, de Victor Hugo, escrita no século 19. Nela, há um personagem, um ex-condenado chamado Jean Valjean, que é acolhido por um bispo que o recebe em casa e lhe trata com dignidade. Em pagamento a tão bondoso tratamento, Valjean rouba alguns talheres de prata e foge. Algum tempo depois, a polícia vem à casa do bispo, com o ladrão sob custódia, a fim de conferir a versão de que os utensílios valiosos em seu poder lhe tinham sido presenteados pelo clérigo. Este, para surpresa do leitor, confirma o que foi dito por Valjean e lhe diz, diante dos guardas: “Você se esqueceu de levar os candelabros”.

Ocorre, então, algo que muda a vida do ladrão. O bispo lhe entrega os candelabros e diz: “Use esse dinheiro para se tornar um homem honesto. Você já não pertence ao mal, mas sim ao bem. É a sua alma que acabo de comprar”. O perdão e a generosidade do bispo foram algo tão marcante na vida daquele homem que ele realmente mudou sua vida. Ele se torna um homem honrado e altruísta, a ponto de ajudar outras pessoas necessitadas e até de correr o risco de ser preso ou morto para fazer o bem a uma moça órfã de quem ele acaba cuidando como se fosse sua própria filha.

Davi, o grande salmista, também foi um homem marcado pelo perdão e benevolência que recebeu. Mas não o recebeu de outro homem e sim de Deus. O Salmo 32 é um testemunho de Davi do perdão que recebeu mediante sua confissão de pecados e dos efeitos que o perdão divino teve sobre ele. Junto com o Salmo 51, o Salmo 32 é um lembrete e um encorajamento para que os servos de Deus não se acostumem ou escondam seu pecado, mas confessem-no ao Senhor e o abandonem a fim de que a comunhão com Deus e tudo que decorre dela seja restaurado. Há, nesse salmo, pelo menos três restaurações feitas por Deus aos homens que, contritos, lhe confessam os pecados.

A primeira é a restauração do bem-estar. Os dois primeiros versículos mostram a condição do homem que é perdoado por Deus. Segundo Davi, trata-se de um homem feliz (v.1): “Felizes são aqueles cuja transgressão foi retirada, cujo pecado foi coberto” (’asrê nesûy-pesha‘ kesûy hat’â). O motivo de tal homem ser bendito é apresentado, na sequência, por meio da experiência do próprio escritor (vv.3-5). “Bem-estar” é a última expressão que pode ser aplicada para descrever a condição de Davi enquanto ele escondia seu pecado. O texto revela que ele vivia aflito. Até mesmo seu corpo – talvez, devido a sintomas psicossomáticos da culpa que carregava – sentia os efeitos do seu mau procedimento escondido (v.3): “Quando eu permaneci em silêncio, os meus ossos se consumiram pelo meu clamor diário” (kî-heherashtî balû ‘atsamay besha’agatî kal-hayyôm). Esse silêncio significa ausência de confissão do pecado. Entretanto, se Davi guardou silêncio sobre o pecado, o próprio pecado, por sua vez, gritava em seu interior e o fazia sofrer diariamente por evidenciar sua vida tomando um rumo tão distante do que deveria. Parece que ele chorava e se lamentava “todos os dias” (kal-hayyôm) a ponto de sentir seu corpo fraco e debilitado – o que ele descreve como se seus ossos sofressem um desgaste. É um preço muito alto para esconder a iniquidade.

Talvez alguém diga se tratar de uma consciência fraca que sucumbe ao menor sinal de culpa. Entretanto, Davi oferece um fator externo para o seu mal-estar e pesar (v.4): “Pois dia e noite a tua mão pesa sobre mim” (kî yômam walaylâ tikbad ’alay yadeka). A simples consciência da santidade do Senhor, além da sua disciplina, consumia Davi, não porque Deus seja cruel ou incompassivo, mas porque Davi relutava em lhe confessar o seu pecado. Aconteceu assim até que a situação ficou insustentável e Davi deu uma guinada em sua atitude. Ele conta (v.5): “Confessei a ti o meu pecado” (hatta’tî ’ôdî‘aka). Diante disso, Deus não respondeu tal confissão com algo do tipo “agora é tarde”. Na verdade, o salmista foi realmente perdoado, pelo que diz: “E tu retiraste a culpa do meu pecado” (we’attâ nasa’ta ‘aôn hatta’tî). Pelo jeito, não foi apenas a culpa que Deus levou, mas os próprios efeitos dela sobre a vida de Davi, fazendo com que, junto com o perdão, viessem também o alívio e o bem-estar. É terrível andar longe de Deus, mas voltar à plena comunhão com ele é uma restauração abençoada que se dá pelo perdão.

A segunda é a restauração da alegria. Se o perdão retira da vida do homem contrito o que havia de negativo como a tristeza, ele também produz efeitos positivos como a alegria. Por isso, no v.7, o salmista afirma: “Tu me cercas de aclamações de livramento” (rannê pallet tesôvevenî). Trata-se de uma atitude de produzir cantos alegres em louvor a Deus por uma obra de libertação – nesse caso, não de inimigos, mas do pecado. Davi passou da lamúria à exultação. Ele não se sente mais como um servo ingrato e rebelde, mas como um filho amado pelo Pai e grato por isso. Seus ossos não se consomem mais. Seu vigor retornou. O que é consumida, agora, é a tinta usada para escrever novos cânticos de alegria e de agradecimento a Deus por tê-lo perdoado e restaurado. É o extremo oposto do que Davi vinha enfrentando diante da relutância em confessar a Deus o mal que fez.

A terceira é a restauração do caminho. Os vv.8,9 que parecem vir de outra fonte, como se outro escritor tivesse participado da composição do salmo. Aqui é o Senhor quem dirige sua voz ao salmista e não o contrário – um recurso literário e poético para expressar a atuação de Deus na vida de Davi. Assim, o Senhor compassivo e perdoador diz ao servo (v.8): “Eu te ensinarei e te guiarei no caminho em que tu andarás” (’askîleka we’ôreka bederek-zû telek). Se a ausência de conhecimento da Palavra de Deus, sem falar na desobediência a ela, é a razão de o homem se afastar do Senhor e de fazer o que é mau, a instrução divina é quem promove o processo de santificação revertendo a condição anterior (Jo 17.17). Esse conceito é expresso várias vezes nas Escrituras, várias delas pelo próprio rei Davi: “De que maneira poderá o jovem guardar puro o seu caminho? Observando-o segundo a tua palavra [...] Guardo no coração as tuas palavras, para não pecar contra ti” (Sl 119.9,11). E o mais surpreendente nesse processo é que a ação de instruir e guiar, fator fundamental para a santificação da vida do pecador, é uma iniciativa do próprio Deus. Ele é quem, tomando o servo pela mão, o conduz no caminho correto dando-lhe como mapa as Escrituras.

Davi, como poucas pessoas, conhecia os “dois lados da moeda”. Sabia o que é sofrer na rebeldia e na atitude impenitente. Conhecia também os efeitos restauradores do perdão de Deus na vida do homem arrependido e contrito de coração. Ele não cala tal experiência a fim de instruir os leitores a fugirem do erro e a buscarem o perdão. Em uma postura que revela uma grande sabedoria adquirida ao longo da vida, ele diz (v.10): “Muito pesar há para o ímpio, mas a misericórdia cerca aquele que confia no Senhor” (ravvîm mak’ôbim larasha‘ wehavvôteah bayhwâ hesed yesovevenû). Ele mostra aos pecadores impenitentes dois caminhos e o faz de modo que fique fácil – e óbvio – decidir pelo segundo: o da misericórdia. Não há motivos para que aquele que peca procure desculpas para amainar a consciência sem se curvar arrependido diante de Deus. Desculpas, como “todos fazem a mesma coisa” ou “Deus sabe que sou pecador”, somente trazem, para quem as utiliza, “muito pesar”. Não é algo que compense ou que faça o homem feliz.

Diante de tanta experiência e sabedoria do salmista e de tanto favor e misericórdia do Senhor, chega a ser uma grande tolice sofrer os danos de reter a confissão de pecados e de permanecer no mal. É grande insensatez sofrer as perdas dessa condição enquanto se deixa de lado a restauração plena que há no perdão que Deus concede aos seus. Não há razão para o cristão passar por isso sem voltar atrás, para os braços do Senhor. Se um personagem fictício de um livro muda o rumo da sua vida ao ter “figuradamente” sua alma comprada para o bem, quanto mais os servos de Deus que foram, em realidade, comprados por Cristo a custo do seu sangue (At 20.28) para lhe pertencerem para sempre. Que a nossa luta seja contra o pecado e contra a dureza do coração que teima em não se arrepender! Que o nosso prêmio seja o perdão, a restauração e a comunhão com aquele que nos ama de um modo incomparável! E que a nossa motivação para prosseguir seja o sacrifício e o exemplo do nosso santo Mestre a quem servimos!

Pr. Thomas Tronco

Os Olhos Atentos de quem Ora

Uma revista científica, certa vez, citou um acontecimento interessante na vida de Albert Einstein. De acordo com a publicação, desejoso de entender melhor os terremotos, Einstein visitou, na Califórnia (EUA), um famoso professor chamado Geno Gutemberg, chefe da cadeira de Sismologia de uma universidade. Einstein fez ao professor muitas perguntas sobre a ciência dos terremotos enquanto caminhavam pelo campus do California Institute of Technology (Instituto de Tecnologia da Califórnia). A conversa prosseguiu até que outro professor interrompeu os estudiosos e eles perceberam que havia pessoas correndo para longe dos prédios por causa de um forte terremoto. Por incrível que pareça, a conversa sobre as teorias dos terremotos estava tão animada que os cientistas não notaram, sob seus pés, um dos maiores terremotos que já ocorreram em Los Angeles.

Quisera eu dizer que acontecimentos como esse estão apenas nas publicações sobre personalidades. Na verdade, eu mesmo, muitas vezes, deixo passar despercebidas coisas importantes que deveriam ter minha máxima atenção. Muitos de nós, de fato, com os olhos fixados em um gosto, um afeto, uma prioridade, uma situação, uma notícia ou um sofrimento, deixamos de notar fatos gritantes à nossa volta e acabamos por ser penalizados pela desatenção. O que acontece no nosso dia a dia também ocorre, por vezes, nas nossas orações. Prestamos atenção a cada dificuldade que temos a fim de levá-las, em oração, ao Senhor. Mas, diante das respostas divinas, deixamos de notar sua graça e nem sequer agradecemos ao livramento que, com muito amor, nos concede.

Nesse aspecto, um bom exemplo a ser perseguido e imitado é o de Davi. Sua atenção à graça de Deus, exposta no Salmo 31, deve nos ajudar a valorizar as benesses de Deus e louvá-lo sempre pelo bem que nos faz. O salmo em questão parece ser dividido em duas partes. A primeira (vv.1-18), que faz coro com a maioria dos salmos anteriores, trata de pedidos a Deus devido aos problemas enfrentados pelo salmista. Entre eles, Davi pede a Deus proteção contra homens que lhe armam ciladas, contra a tristeza que lhe invadiu o coração e contra o sentimento de ser desprezado pelos homens, incluindo alguns dos seus próprios amigos. Entretanto, apesar de situação tão triste e opressora, os vv.19-24 parecem demonstrar que a oração dos vv.1-18 foi atendida por Deus. O Senhor o ouviu e, agora, o salmista, que notou a mão de Deus agindo, o agradece efusivamente. Desse modo, podemos observar, nos vv.19-24, cinco livramentos do Senhor.

O primeiro livramento é dos opressores. O v.19 é uma virada de tom no salmo. Enquanto na primeira parte Davi está desanimado e preocupado com os rumos da sua vida, esse verso é uma explosão de alegria: “Quão grande é a tua bondade que tu reservaste para os que temem a ti” (mâ rav-tôveka ’asher-tsafanta lîre’eyka). Na sequência, o v.20 não deixa sem explicação tamanha exultação: “Das armadilhas dos homens, tu os ocultas no esconderijo da tua presença; de línguas briguentas, os escondes em um refúgio,” (tastîrem beseter paneyka meruksê ’îsh titspenem besukâ merîv leshonôt). Davi insiste na figura do “esconderijo”. É como se seus perseguidores o procurassem para matar e Deus ocultasse Davi dos olhos deles. Se aplicarmos essa figura ao reino animal, surge-nos a imagem de uma ave escondendo debaixo de suas asas seus filhotinhos indefesos (ver Sl 17.18; 57.1; Mt 23.37). Essa é a comparação do que Deus fez a Davi guardando-o dos opressores, motivo pelo qual o salmista o louva.

O segundo livramento é do desespero. O v.21 fala da ação de Deus para com Davi “em uma cidade sitiada” (be‘îr matsôr). Essa é uma ocorrência difícil de reconhecer na história de Davi, pois não há relatos que apontem nessa direção. Enquanto alguns estudiosos propõem se tratar do ataque amalequita a Ziclague, cidade refúgio de Davi quando Saul ainda era rei, outros sugerem a cidade de Maanaim, para onde Davi fugiu de Absalão – lembramos que Davi não estava em Ziclague quando foi atacada (1Sm 30.1-3) e que a batalha de Maanaim se deu no campo, sem que a cidade fosse cercada (2Sm 17.24-26). De qualquer modo, tendo experimentado Davi um cerco ou não – talvez, ele apenas compare sua situação à de uma cidade sitiada –, a ideia do cerco está presente e nos transmite os sentimentos de quem está dentro dele. Uma cidade sitiada era um lugar de onde ninguém saía e em que não chegavam alimentos, água ou reforços; ali, as pessoas que estavam refugiadas aguardavam a morte pelas espadas do exército invasor ou pela inanição quando acabavam os alimentos. Era uma situação desesperadora. As pessoas costumavam perder a esperança e fazer coisas terríveis como matar e comer seus próprios filhos (2Rs 6.24-30) ou tirar suas vidas. Diante de uma situação desesperadora como essa, Davi afirma: “Ele engrandeceu a sua misericórdia para comigo” (hiflî’ hasdô lîî). Independente de que circunstâncias retumbem na memória do salmista, ele, quando esteve sem esperanças, viu a mão misericordiosa do Senhor o consolar, fazer-lhe suportar a dor e dar-lhe paciência até que viesse o alívio do sofrimento.

Em terceiro lugar, Deus livrou Davi do engano. Houve um tempo em que Davi, diante de tantos problemas e sem refletir muito (v.22), chegou a uma conclusão errada: “E, na minha precipitação, eu disse: fui excluído de diante dos teus olhos” (wa’nî ’amartî behaftî nigraztî minneged ‘êneyka). Essa é, de fato, uma conclusão equivocada que é fruto da precipitação muito comum dos momentos de crise. Frequentemente, nesses casos, tiramos conclusões erradas. Entretanto, Deus trouxe à tona a realidade a fim de tranquilizar Davi, não o deixando perecer diante do que nem sequer existia. Assim, depois de relatar sua conclusão temerária, Davi revela: “Certamente ouviste a minha voz suplicante durante meu grito a ti por socorro” (’aken shama‘ta qôl tahanûnay beshû‘î ’eleyka). Essa é a demonstração de que Deus nem tinha abandonado Davi, nem ignorava suas orações, nem tampouco desejava que ele guardasse tal sentimento.

O quarto livramento é da injustiça. O sofrimento de Davi, ao ser perseguido, era intenso. Porém, havia uma característica dessa perseguição que a tornava ainda pior: o fato de ela ser injusta, ou seja, sem que Davi tivesse feito nada que merecesse ser perseguido. O ciúme de Saul e a ganância de Absalão foram as causas de Davi ter de fugir do seu próprio povo, das próprias pessoas a quem ele amava. Receber ataques imerecidos é algo que nos entristece e nos deixa indignados. Entretanto, o salmista parece ter percebido que havia um juiz maior que os homens que traria à luz a verdade e puniria o que realmente era mal, sem dar ouvidos a acusações infundadas e falsas. Por isso, Davi descansa ao dizer (v.23): “O Senhor protege os fiéis, mas retribui com juros os que agem soberbamente” (’emûnîm no‘er yehwâ ûmeshallem ‘al-yeter ‘oseh ga’awâ). Portanto, ainda que os ímpios nesse mundo acabem por tirar vantagem dos outros e oprimir os aflitos, o Senhor não permitirá que tal situação seja permanente.

Finalmente, o Senhor livra seus servos do desânimo. Algo sempre presente em situações problemáticas é o cansaço. Para algumas pessoas ele vem logo, enquanto, para outras, demora um pouco mais. Contudo, cedo ou tarde, todos os que são perseguidos, que passam por lutas e que se veem desamparados, acabam por sentir um forte desânimo e o desejo de desistir da luta. Entretanto, a esperança em Deus age como um revigorante. Seu amor sustenta seus filhos e lhes dá um novo ânimo que é estranho aos que andam longe do Senhor. Davi deve ter sentido tal ação vinda do alto e a proclama aos que estão ao seu redor, dizendo (v.24): “Fortalecei-vos e animai o vosso coração” (hizqû weya’amets levavkem). Essa ação está além dos conselhos dos livros de auto-ajuda, pois é dito a um grupo bem definido: “Todos os que confiam no Senhor” (kol-hamyahalîm layhwâ). As mãos do Senhor são as promotoras desse livramento.

Que lição para nós! Em meio a tantos problemas e a tanto sofrimento, Davi conseguiu ver a mão de Deus agindo a seu favor e o livrando do mal. Seus olhos estavam atentos a isso porque seu coração estava ligado ao Senhor. Ele orava a Deus e permanecia atento às respostas do seu Senhor. Que o nosso mais profundo anseio seja o de sempre notar a atuação e a bondade do nosso Deus, ainda que os “terremotos” da vida estejam sob nossos pés! E que, fruto dessa visão, sejamos fortalecidos e consolados por andarmos sob as asas daquele que é o Senhor do universo e o protetor dos que o buscam!

Pr. Thomas Tronco

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Transigência e Consequência

(Por Charles Swindoll)

Nenhuma família que eu conheça está interessada em passar férias num bote, cinquenta metros acima das Cataratas do Niágara, nem nadar no Amazonas perto de um cardume de piranhas ou fazer uma caminhada noturna pelo Harlem; nem ainda construir uma casa perto da Falha de San Andrés. Não há pai nenhum na América que permitiria que sua filha namorasse um assassino incorrigível ou que incentivasse seu filho a trabalhar lavando janelas na prisão de San Quentin.

Algumas coisas não têm sentido algum, como acender um fósforo para ver se o tanque de gasolina está vazio. Isso seria o fim! Mesmo assim, há alguns tipos estranhos de cristãos hoje em dia que correm riscos bem maiores dos que esses que acabo de citar.

E mais: eles fazem isso com uma serenidade tão grande que você juraria que eles têm gelo e água correndo nas veias. Ao olhá-los de relance, ninguém poderia imaginar que estão se equilibrando na corda bamba do desastre, sem uma vara nas mãos e sem qualquer rede embaixo para ampará-los.

Refiro-me aos crentes que reescrevem a Bíblia para acomodá-la ao seu próprio estilo de vida. Todos já nos encontramos com alguns deles. Exteriormente têm a aparência de cristãos comuns, mas por dentro racionalizam o tempo todo, isto é, são especialistas em adaptar ou manipular a verdade cortante dos textos bíblicos.

Como eles pensam? Bem... Não é tão complicado... Sempre que encontram versículos que os atacam, eles os alteram para que se acomodem à sua prática. Então, duas coisas acontecem:

1. Satisfazem todos os seus desejos (não importa quão errados sejam).
2. Apagam toda sua culpa (não importa a justificativa).

Assim, eles fazem o que bem entendem e ninguém pode questioná-los. Se o fizerem, chamam aqueles que os admoestam de legalistas e, imediatamente, os rejeitam. Oh, sim, eles também falam muito sobre graça... Isso os ajuda a tapar a boca de quem os corrige.
Quais seriam os principais exemplos dessa prática? Eis algumas expressões ditas pelos defensores da Teologia da Acomodação:
  • Deus deseja que eu seja feliz. Não posso ser feliz estando casado com ela. Por isso vou deixá-la. Sei que Deus compreende a minha situação.
  • No passado isso talvez fosse considerado imoral, mas não hoje. O Senhor me deu esse desejo e quer que eu desfrute dele.
  • Olhe, ninguém é perfeito. Foi por isso eu me afundei mais do que planejava. É claro que isso é constrangedor, mas, afinal de contas, para que serve a graça?
  • Eu? Pedir perdão a Deus? Isso é ridículo. Meu relacionamento com o Senhor é muito mais profundo do que técnicas frívolas e superficiais como essa.
  • Se parece bom, faça! A vida é muito curta para sofrer por causa de algo tão bobo. Não estamos sob a lei, como você sabe...
Se essas formas de pensar forem certas, então o que significa ser santo neste mundo? Ora, a Bíblia diz: “Como filhos da obediência, não vos amoldeis às paixões que tínheis anteriormente na vossa ignorância; pelo contrário, segundo é santo aquele que vos chamou, tornai-vos santos também vós mesmos em todo vosso procedimento, porque escrito está: Sede santos porque eu sou santo.” (1Pe 1.14-16).

O fato, na verdade, é bem simples: colhemos exatamente o que semeamos. Se semearmos um estilo de vida confortável, fácil ou até feliz – mas em desobediência direta à Palavra revelada de Deus – no final vamos colher desastres.

Charles Swindoll é pastor, escritor, educador e radialista. Ele foi presidente do Dallas Theological Seminary, no Texas (USA,) de 1994 a 2000.


quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

As Voltas que a Vida Dá

Um dos desastres naturais mais conhecidos da história da humanidade foi a destruição de Pompéia, na Itália, no ano 79, devido à forte erupção do vulcão de nome Vesúvio. O interesse por Pompéia e pela história da sua tragédia sempre foi muito grande, principalmente depois das descobertas arqueológicas. Parte da história de vários cidadãos da cidade foi reconstruída a partir dos achados. Entre elas, está a de uma mulher rica. Ela, que devia ter uma vida abastada e tranquila, cheia de respeito e pompa, viu sua sorte mudar em questão de minutos quando quis, a todo custo, manter sua paz baseada nos bens.

Enquanto boa parte de população decidiu fugir do alcance destruidor das emissões do vulcão, essa mulher parece ter voltado, ou se demorado, a fim de reunir e levar consigo suas riquezas. Antes que ela pudesse juntar tudo e fugir, uma grande quantidade de cinzas a atingiu tirando sua vida e transformando-a em uma estátua que permanece, até hoje, com as mãos recheadas de pérolas, diamantes, rubis, safiras, brincos e um broche de ouro, riqueza que seria hoje avaliada em milhares de dólares. Essa mulher é uma lição viva – ainda que por meio da morte – de que a paz proveniente da prosperidade pode se esvair pelas vicissitudes da vida e trair aqueles que nela confiam.

Quase onze séculos antes dessa tragédia, o rei Davi parece ter aprendido a mesma lição. O Salmo 30 mostra que ele descobriu, a custo de sofrimento pessoal, que a confiança nos bens e nas circunstâncias favoráveis pode ser traída por mudanças bruscas e indesejadas. Por outro lado, ele também aprendeu que o Senhor é a base da segurança e a fonte de alegria dos que o buscam, ainda que passem por revezes. Além disso, o Senhor é aquele que, conforme seu desejo e sabedoria, conduz a história dos homens, de modo que seus servos devem sempre esperar dele tudo aquilo de que necessitam.

O salmo, que começa com o louvor do seu escritor a Deus, só deixa compreender seu contexto à medida que avança para o final. O que Davi revela sobre sua situação é que ele, que vivia tranquilo devido à posição política e à riqueza, confiando que isso garantia seu descanso e alegria (v.6), viu tudo ruir de uma hora para outra (v.7). Inimigos o deixaram em uma situação tão complicada que Davi teve de recorrer a Deus (vv.2,8,10) diante do risco de morrer nas mãos de tais homens (vv.1,3,9). Deus, então, atendeu sua oração (vv.1-3,11), restaurou sua posição, pelo que o salmista agora o louva (vv.4,12). Nesse contexto, Davi parece ter aprendido três lições sobre a paz e o sofrimento na vida dos servos de Deus.

A primeira lição é que o sofrimento do servo de Deus não é uma realidade final. É muito comum vermos as pessoas – o que inclui a nós mesmos –, em meio a um revez, agirem como se achassem que o sofrimento jamais passará. Isso faz com que atitudes tolas e destrutivas compliquem até o que parece não poder ficar pior. Se essa era a realidade de Davi, ele percebeu que Deus é poderoso para mudar as piores situações e dar dias melhores aos que lhe pertencem (v.5): “ao anoitecer pousa o pranto, mas pela manhã há alegria” (ba‘erev yalîn bekî welabboquer rinneh).

Davi parece associar tal pranto a uma ação disciplinar de Deus, pois explica: “Pois sua ira é momentânea; seu favor dura a vida toda” (kî rege‘ be’apô hayyiym birtsônô). O salmista vê Deus, como disciplinador, trazer desconforto ao servo até que mude novamente sua sorte, dando-lhe descanso. O que Davi ensina faz eco às palavras do profeta Jeremias que, depois de testemunhar a disciplina de Deus sobre Israel, reconhece sua graça como a razão pela qual o Senhor retém a disciplina antes de ela dar cabo das pessoas: “As misericórdias do Senhor são a causa de não sermos consumidos, porque as suas misericórdias não têm fim; renovam-se cada manhã. Grande é a tua fidelidade” (Lm 3.22,23). A graça de Deus concede perdão e misericórdia e, frequentemente, faz com que o sofrimento seja seguido de alívio.

A segunda lição é que a paz vinda da prosperidade é frágil e aparente. Nesse ponto Davi é muito honesto ao confessar seu arrogante erro (v.6): “Mas eu dizia: no meu bem-estar jamais serei abalado” (wa’anî ’amartî beshalwî bal-’emmôt le‘ôlam). Uma das palavras hebraicas usadas por Davi nessa frase – le‘ôlam – significa “para sempre” e é muito forte ao transmitir a sensação de onipotência que Davi sentia quando tudo ia bem. Para ele “nunca” haveria nada que pudesse afligi-lo, como se tivesse, ele mesmo, poder para controlar tudo à sua volta e garantir, por seus próprios meios, o sucesso e a felicidade.

Entretanto, tamanha arrogância foi quebrada por Deus através da demonstração de quem é o soberano e quem é o alvo das mãos do soberano – Deus e os homens respectivamente. O salmista evidencia tal verdade ao dizer resignado (v.7): “Tu ocultastes teu rosto e eu passei a viver em pânico” (histarta paneyka hayiytî nivhal). Davi, que imaginava controlar seu destino por meio do assento real e das riquezas que possuía, viu Deus simplesmente desampará-lo e tudo o que parecia seguro ruiu. Sem a mão protetora de Deus, nenhum bem, posição, acordo ou exército pode garantir a paz de quem quer que seja. Não é em tais coisas que o servo de Deus deve confiar. Todas elas podem falhar e tolo é o homem que, orgulhosamente, põe nelas a sua alegria e delas espera a paz.

A terceira lição é que a verdadeira alegria vem por meio da atuação de Deus. A guinada na vida de Davi fez com que ele, munido de uma nova postura, buscasse o Senhor. Como é fato que, diante de uma situação segura, costumamos nos sentir poderosos e dominadores do nosso destino, é certo também que quando as circunstâncias mudam para pior, nos lembramos que é Deus quem controla tudo e corremos para ele. Assim fez Davi (vv.8-10) e isso em nada nos impressiona. O que surpreende, mesmo, é a disposição constante de Deus de perdoar e restaurar.

Por isso mesmo, depois de receber a atuação benéfica de Deus, o salmista testemunha (v.11): “tu transformastes o meu lamento em festejos; retirastes meu pano de saco e me vestistes de alegria” (hapakta mispedî lemahôl li pittahta saqqî wate’azzerenî simhâ). Que transformação: o choro vira riso; as vestes de luto viram vestes de comemoração. Somente Deus pode causar tamanha mudança. Mas essa transformação tem um propósito. Se antes o nome do Senhor fora deixado em segundo plano, Deus quer que, agora, ele volte a ter primazia na vida do servo. Por isso Davi explica o motivo do favor de Deus nos seguintes termos (v.12): “para que eu cante a ti e não emudeça” (lema‘an yezammerka kavôd welo’ yiddom). Diante disso, o resultado é: “louvar-te-ei para sempre, ó Senhor, Deus meu” (yehwâ ’elohay le‘ôlam ’ôdeka).

Essa lição marcante deve ter acompanhado Davi durante toda sua vida. O mesmo deve acontecer conosco. Pode ser que tenhamos vivido experiências do mesmo tipo ou pode ser que ouvimos histórias de pessoas que viram sua auto-suficiência desmantelada por uma chacoalhão de Deus, vulcões que abalaram suas vidas. De qualquer modo, o conhecimento, seja por experiência própria ou de ouvir relatos como esse, deve nos fazer refletir sobre a condição humana, a potência divina e o que realmente é valioso na vida dos servos de Deus. Que isso nos impeça de menosprezar o nosso Senhor como guia de nossas vidas e nos livre de parecemos estátuas mortas com dinheiro preso aos dedos.

Pr. Thomas Tronco