sexta-feira, 26 de novembro de 2010

A Ceia do Senhor (Parte 1)

A afirmação “isto é o meu corpo”, feita por Jesus pouco antes da sua paixão (Mt 26.26) é uma das frases que mais têm originado debates ao longo da história da igreja. Na época da Reforma Protestante, a falta de acordo acerca do seu real significado foi a causa do rompimento das relações entre Lutero e Zuínglio, após o malfadado Colóquio de Marburgo (1529) e ainda hoje o meio cristão permanece dividido acerca do modo como a Ceia do Senhor deve ser entendida, tanto no tocante à sua natureza como no que diz respeito aos efeitos que produz sobre os que participam dela.

Num dos extremos da discussão estão os que entendem a frase de Jesus de modo figurado, dizendo que se trata apenas de uma metáfora, como se o Mestre tivesse dito simplesmente “Isto representa o meu corpo”. No outro extremo do debate, há intérpretes que propõem uma visão absolutamente literal, ensinando que os elementos da Ceia são, de fato, o corpo e o sangue reais de Cristo, num sentido que encerra a sua mais completa essência. Entre esses dois polos há interpretações intermediárias, propostas por teólogos que tentam compor uma opinião mais equilibrada, fazendo uso de argumentos usados pelos dois extremos.

Basicamente, quatro são as concepções acerca da Ceia do Senhor dominantes do meio cristão: transubstanciação, consubstanciação, presença espiritual e memorial. Cada uma dessas propostas será brevemente apresentada a seguir.

A doutrina da transubstanciação é esposada pela Igreja Católica Apostólica Romana, sendo um dos temas centrais de sua teologia e prática litúrgica. De acordo com essa visão, a ceia deve ser ministrada ao povo num só elemento, a hóstia, nome dado a um pequeno pão sem fermento, de formato arredondado. Esse elemento, dizem, após ser consagrado pelo sacerdote ministrante, passa por uma transformação em sua substância (daí o termo transubstanciação), tornando-se, literalmente, carne, sangue, ossos, unhas e cabelos de Cristo. Os católicos entendem que essa transformação não é visível porque ocorre apenas na substância do pão e não nos seus acidentes. Assim, conforme entendem, o elemento eucarístico, ainda que apresente em sua forma e aparência os atributos do pão, é, na verdade, em sua essência, carne humana!

Uma das implicações da doutrina da transubstanciação é que sempre que a eucaristia é celebrada no culto católico (e isso acontece em todas as missas), o sacrifício de Cristo se repete. Portanto, se três missas forem realizadas num só domingo numa mesma catedral, naquele dia o sacrifício de Cristo se repetirá ali três vezes, o mesmo ocorrendo em outras igrejas romanistas ao redor do mundo. É essa suposta repetição contínua do sacrifício do Senhor que dá o motivo pelo qual as igrejas católicas celebram sua ceia num altar e não numa mesa como fazem as igrejas evangélicas.

A doutrina da transubstanciação também explica porque os padres, pelo menos há alguns anos, orientavam os fiéis a não morder a hóstia, mas sim deixá-la dissolver-se na boca. Essa era uma forma de tentar infundir nas pessoas ignorantes um entendimento maior acerca do suposto mistério presente no “corpo eucarístico de Cristo”. Essa doutrina é ainda o fundamento pelo qual os sacerdotes católicos tendem a fazer o “sepultamento” de hóstias consagradas que sobraram após encerrada a missa. No seu entender, jogá-las fora seria sacrilégio cometido contra o próprio corpo de Cristo e armazená-las não seria o modo digno de lidar com um cadáver tão santo.

Os católicos acreditam que é somente graças ao milagre da transubstanciação que o homem pode efetivamente conhecer Cristo como o pão da vida e se alimentar dele para viver eternamente (Jo 6.48-58). Segundo eles, comer a hóstia consagrada ajudará o fiel a conquistar a salvação, sendo imensos os benefícios espirituais que emanam da eucaristia.

Evidentemente, não há como sustentar essa concepção da ceia, nem lógica nem tampouco biblicamente. Primeiro porque não faz sentido propor a hipótese de uma mudança de substância sem uma consequente alteração nos acidentes, pois os acidentes de determinada substância pertencem necessariamente a ela. Assim, não há como um pedaço de pão deixar de ser pão e continuar com as células do pão. Negar isso seria contrariar as mais elementares noções de lógica.

O absurdo dessa concepção também é percebido quando se leva em conta a própria história da instituição da ceia. Ora, é óbvio que, quando o Senhor disse “isto é o meu corpo”, não estava segurando um pedaço dele próprio. Com efeito, naquele momento o pão estava nas mãos de Jesus, não era uma extensão de seus dedos.

A doutrina da transubstanciação, com todos os seus desdobramentos, também não leva em conta ensinos fundamentais da Palavra de Deus. As Escrituras ensinam que o sacrifício de Cristo ocorreu uma vez por todas, não havendo necessidade de que se repita (Rm 6.9-10; Hb 7.27; 9.12, 26, 28; 10.10; 1Pe 3.18).

Ademais, quando o Senhor afirmou ser o pão da vida, sendo necessário comer o seu corpo e beber o seu sangue para ser salvo (Jo 6.48-58), não pretendia com isso ensinar algum tipo de antropofagia, como entenderam seus ouvintes naquela ocasião (Jo 6.52). O que Jesus quis ensinar no discurso registrado em João 6 deve ser entendido à luz do versículo 35. Esse versículo revela a que Jesus se referiu quando fez alusão aos atos de comer sua carne e beber seu sangue. De fato, João 6.35 apresenta Jesus como o Pão da Vida, destacando que quem vai a ele se alimenta, e quem crê nele mata a sede. Logo, comer a carne de Cristo é buscá-lo; enquanto beber seu sangue é crer nele. Alimenta-se, pois, do Senhor, o indivíduo que o busca e deposita nele sua confiança para ser salvo. Este faz de Cristo sua comida e sua bebida, jamais tendo fome ou sede outra vez.

(Continua na semana que vem)

Pr. Marcos Granconato
Soli Deo gloria

Um comentário:

  1. É interessante lembrar que o "isto é o meu corpo que é dado por vós" foi dito na ceia com os apóstolos aproximadamente 18 horas ANTES do corpo ser, DE FATO, dado por nós...

    Igualmente, o "isto é meu sangue que é derramado por vós" foi dito na ceia com os apóstolos 18 horas ANTES de seu sangue ser, DE FATO, derramado por nós.

    Ora, o sacrifício não pode acontecer na própria ceia, pois nem mesmo na primeira ceia ele poderia ser alguma forma de sacrifício.

    Afinal, o sacrifício verdadeiro apenas ocorreria aprox. 18 horas depois da ceia.

    Caso houvesse algum sentido sacrificial no próprio partir do pão, por que a necessidade da morte na cruz 18 horas depois?

    É nítida a representação no momento da ceia daquilo que ainda iria acontecer.

    I) O véu do templo não se rompeu no momento da ceia, mas no momento da morte de Cristo na cruz.

    II) As alterações meteorológicas e sísmicas não ocorreram no momento da ceia, mas no momento da morte de Cristo na cruz.

    III) O testemunho dos soldados de que Jesus era verdadeiramente o filho de Deus não ocorreu no momento da ceia, mas no momento da morte de Cristo na cruz.

    IV) Nossa redenção não ocorreu no momento da ceia, mas no momento da morte de Cristo na cruz.

    E é por isso que anunciamos a redenção da cruz pela ceia! Que feliz memória Cristo nos deixou!

    Que nunca nos falte trigo e parreiras no campo para esse momento tão especial!

    Leandro Boer

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