quarta-feira, 30 de março de 2011

O Desejo de Retornar ao Lar

Um dos filmes mais famosos e queridos da história do cinema é ET, de Steven Spielberg (1982). Ele conta a aventura fictícia de um extraterrestre feio – há quem discorde –, mas extremamente simpático, que é deixado na Terra. Enquanto ele demonstra um gosto ímpar pela flora terrestre, acumula conhecimentos sobre a cultura humana e desenvolve uma amizade especial com um garoto. Porém, seu objetivo é retornar ao seu lar. Um número incrível de crianças, hoje adultos, cresceu brincando de esticar o dedo indicador e falar a famosa frase que o pequeno E.T. repetia na versão dublada para o português: “Minha casa”. Seu desejo de retornar ao lar é alcançado no final do filme depois de uma incrível aventura vivida por ele e pela família do seu amigo, um garoto que, enganando as autoridades, o conduz de bicicleta à sua espaçonave.

O sonho de estar em casa não é exclusividade do personagem do filme ET. Muita gente, por diversas razões, é forçada a se afastar do lar e anseia pelo retorno. O escritor do Salmo 43 parece ser um deles. O contexto dos salmos 42 e 43 é o mesmo. Na verdade, eles fazem parte da mesma poesia e devem ser lidos juntos – muitos manuscritos hebraicos antigos apresentam os dois salmos como uma única obra. Eles até compartilham certa frase em três locais, marcando o término de cada divisão da poesia (Sl 42.5,11; 43.5), que diz: “Por que a minha alma se encurva? E por que se agita contra mim? Espera em Deus, pois ainda o louvarei, o meu salvador pessoal e meu Deus” (mah-tishtôhahî nafshî ûmah-tehamî ‘alay hôhîlî le’lohîm kî-‘ôd ’ôdennû yeshû‘ot panay we’lohay).

Compartilhando o mesmo contexto, o Salmo 42.6 oferece, possivelmente, o local da composição dos dois salmos ou dos fatos que os inspiraram. O texto em questão diz que o salmista se lembra de Deus em três referências geográficas: as terras do Jordão, o monte Hermom e o monte Mitsar. O último não é conhecido, mas os dois primeiros sim. O monte Hermom fica no Extremo Norte de Israel, local de onde brota o rio Jordão. O monte Mitsar deve ficar na mesma região. É estranho ver o salmista, que servia no Templo em Jerusalém, tão longe de casa. Uma sugestão, que condiz com o estado de tristeza do escritor (Sl 42.3) e a referência à opressão dos inimigos (Sl 42.9,10; 43.2), é que se trata de um tipo de exílio, talvez devido a uma derrota militar como exemplificado em 2Rs 14.14. Isso explica muito bem o fato de que aquele que era imbuído do louvor no Templo dizer, vislumbrando um tempo futuro, que irá ao altar de Deus e o louvará (Sl 42.5,11; 43.4,5). Por isso, também, as lembranças do trabalho que fez no passado (Sl 42.4). E ainda o seu desejo de ser conduzido de volta ao “monte santo” (Sl 43.3) – um modo frequente de se referir a Jerusalém, local do Templo.

A fim de obter o esperado retorno ao lar, o salmista faz alguns pedidos ao Senhor no Salmo 43. Seu anseio é que Deus lhe forneça o necessário para atravessar esse momento duro e o conduza à sua pátria e à plena atividade cultual como no passado. São três pedidos por atuações divinas, sem as quais seu retorno não será possível.

O primeiro desses pedidos é justiça (v.1). Seu clamor é direto: “Julga-me, ó Deus” ou “faça-me justiça, ó Deus” (shaftenî ’elohîm). É um pedido corajoso. Digo isso porque há mais implicações nele que simplesmente dizer “livra-me, Senhor”. Apesar de o objetivo final ser o mesmo, o meio que o salmista utiliza para recorrer a Deus não é um simples clamor por misericórdia, mas a efetivação da justiça. O salmista pede que Deus aja como um juiz que decide sobre uma demanda. O reclamante é o escritor do salmo; o reclamado é a nação que o privou do lar e o conduziu para as terras do Norte, visto dizer: “Leve a julgamento a minha causa contra o povo infiel” (rîvâ rîvî miggôy lo’-hasîd).

O peso desse pedido está no fato de o salmista se colocar nesse tribunal junto com seus opressores. Ele quer ser escrutinado junto com eles na confiança de que sua justiça, em comparação com a dos inimigos, lhe trará um veredicto favorável e uma atuação benéfica da parte de Deus. É claro que o salmista não imagina ser perfeito ou inculpável, mas sabe que sua disposição de buscar a Deus e de manter uma vida compatível com a de um servo do Senhor o faz estar longe do caráter daquele que lhe oprime, a quem descreve como “homem mentiroso e injusto” (’îsh-mirmâ we‘awlâ).

O segundo pedido do salmista é receber de Deus força (v.2). À primeira vista, não parece uma solicitação, mas apenas uma declaração: “Pois tu és o Deus da minha fortaleza” (kî-’attâ ’elohê ma‘ûzzî). Essa aparente declaração muda de função quando vemos os questionamentos levantados na segunda parte do verso: “Por que me rejeitaste? Por que eu perambulo obscurecido pela opressão dos meus inimigos?” (lamâ zenahtanî lammâ-qoder ’ethallek belahats ’ôyev). Tais perguntas são mais do que a tentativa de entender os fatos. O salmista está comparando duas realidades: o fato de Deus ser a sua fortaleza e a situação deplorável que vive. O escritor do salmo, ao demonstrar que tais realidades são contraditórias, o faz na intenção de ver Deus fazer valer seu caráter protetor em relação aos seus servos a fim de afastar a opressão dos inimigos.

É uma maneira poética, compatível com o estilo e com a época da composição do livro de Salmos, de pedir a Deus que intervenha. Nesse caso, o que o salmista tem em mente é que o Senhor atue fornecendo-lhe o que uma fortaleza, ou seja, uma cidade fortificada, fornece às pessoas que nela se refugiam: condições de resistir aos ataques dos inimigos. O salmista quer ser protegido dos inimigos e resistir quanto tempo for necessário até que volte para casa.

O terceiro pedido é consciência (v.3). Isso o salmista pede sob duas ópticas: “Envia a tua luz e a tua verdade” (shelah-’ôreka wa’amitteka). “Luz” e “verdade” são duas palavras que, cada uma ao seu modo, podem apontar para a mesma coisa. Nas Escrituras, a palavra “luz” é frequentemente utilizada de forma figurada para se referir ao que é verdadeiro, justo e que representa o bem, como é o exemplo do dito de Jesus aos discípulos: “Vós sois a luz do mundo” (Mt 5.14). Assim, é olhando para os justos preceitos de Deus que o salmista espera ser beneficiado. O objetivo a ser alcançado pela luz e pela verdade, nesse caso, é: “Elas me guiarão; conduzir-me-ão ao teu monte santo e ao lugar da tua habitação” (hemmâ yanhûnî yebî’ûnî ’el-har-qadsheka we’el-mishkenôteyka).

A pergunta é: “Como a verdade de Deus, ou seus preceitos santos, poderia levar o salmista de volta a Jerusalém?”. Isso não fica claro no texto. Entretanto, a julgar pelas queixas do salmista a respeito da injustiça com que é tratado por homens iníquos, é possível que ele tivesse esperança de que seus opressores fossem convencidos da sua maldade e do modo insensato de proceder. Munidos, então, de tal consciência, recobrariam o proceder reto e permitiriam ao salmista retornar à sua terra e às sua funções no Templo em Jerusalém.

Justiça, força e consciência são as necessidades do escritor dos Salmos 42 e 43 para que possa retornar ao lar. Entretanto, também são as necessidades de muitos crentes que, aprisionados pelo pecado e zombados pelo diabo, anseiam retornar ao lar, à presença e à comunhão com seu Deus e salvador. Eles necessitam que a justiça de Deus mais uma vez corra em suas veias, fazendo-os lembrar de quem são e recordar quem lhes dirige a vida. Precisam de força para abandonar o mal, para se afastar dos falsos amigos e para enfrentar os custos de andar com Cristo. E precisam de consciência para distinguir as ciladas do inimigo, por pequenas e camufladas que sejam. Eles precisam voltar para o lar. Devem ansiar por ver novamente o monte santo do amor de Deus. Precisam sentir saudade da segurança do seu recanto. Resumindo, eles devem apontar o dedo para os céus e dizer esperançosos: “Minha casa”.

Pr. Thomas Tronco

Os Altos e Baixos da Vida

A história da humanidade contém trechos marcantes devido a grandes feitos de homens que, ainda hoje, são considerados singulares. Entretanto, poucos feitos podem ser comparados ao de Pedro, discípulo de Jesus, ao andar por sobre as águas do lago Tiberíades, também conhecido como mar da Galileia. Entretanto, além de singular, é um episódio curioso por mostrar nuances tão marcantes quanto contraditórias na pessoa de Pedro. O mesmo relato que o mostra como um homem de fé no poder de Jesus também o pinta como um homem de pouca fé diante da força das ondas. Enquanto Pedro tinha seus olhos fixos em Jesus, mantinha-se, também, sobre as águas. Mas quando voltou seus olhos para as vagas, começou a afundar e teve de clamar por socorro ao Senhor a fim de não perecer.

O Salmo 42, abertura do segundo livro dos cinco que formam a coletânea de salmos que temos na Bíblia, mostra a dinâmica da vida dos servos de Deus que lembra muito a experiência de Pedro. Os autores do salmo são os filhos de Corá, os quais assinam outros dez salmos. Eram de uma família da tribo de Levi, da linhagem de Asafe (1Cr 26.1), cuja função no Templo era louvar a Deus por meio de cânticos (2Cr 20.19), além de trabalhar como porteiros do Templo (1Cr 9.17-19). A ligação dessa família com o ministério no Templo torna a lição do Salmo 42 de especial relevância para aqueles que querem servir ao Senhor, mas que, vez por outra, desanimam diante das lutas que enfrentam.

O salmo começa em um ponto alto. O salmista tem um grande anseio de estar na presença do Senhor. Diz ele (v.1): “Como uma corça anseia por um canal de águas, assim a minha alma anseia por ti, ó Deus” (ke’ayyal ta‘arog ‘al-’afîqê-mayim ken nafshî ta‘arog ’eleyka ’elohîm). Essa é uma comparação interessante. A constante necessidade que uma corça tem de água, principalmente em uma região seca e montanhosa, é a situação à que o salmista compara sua necessidade constante de andar em comunhão com o Senhor e seu prazer nessa presença. Ele olha para Deus e se sente refrigerado e suprido. A figura continua mostrando que ele deseja cada dia ter mais comunhão com Deus, dizendo (v.2): “Minha alma tem sede de Deus” (tsam’â nafshî le’lohîm). A expressão “minha alma” não quer dizer, aqui, apenas a parte espiritual do escritor. É uma figura usada para representar o homem todo. Assim, ele anseia por Deus de todo coração, com todas as forças. E não se satisfaz com o que tem. Deseja sempre mais – por isso, seu desejo será coroado no encontro futuro com Deus: “Quando irei e me verei diante de Deus?” (matay ’bô’ we’era’eh penê ’elohîm). Ele olha para o futuro e vive um ponto alto da sua vida.

Entretanto, ele também olha para as circunstâncias problemáticas ao seu redor e atravessa um ponto baixo da vida, pelo que diz (v.3): “As minhas lágrimas se tornaram pão para mim dia e noite” (hoytâ-lî dim‘atî lehem yômam walaylâ). Essa é uma descrição terrível. Em primeiro lugar, revela a intensa tristeza do autor do salmo, a ponto de se desfazer em lágrimas. Em segundo lugar, ele não conseguia se alimentar direito, tamanha sua tristeza. Era como se seu pranto fosse o alimento dos seus dias. Que aflição profunda! E o que causaria tamanho desgosto? O próprio texto dá uma forte indicação do motivo: “Em dizerem para mim o dia todo: ‘Onde está o teu Deus?’” (be’emor ’elay kal-hayyôm ’ayyeh ’eloheyka). O texto não revela o problema em si, mas mostra o efeito. O escritor do salmo era zombado pelos outros por algum sofrimento que perdurava. Tudo leva a crer que era, também, acusado de ter sido abandonado pelo Deus a quem servia. Isso, pelo visto, o abateu sobremaneira.

Mas o salmo dá outra virada ao apresentar um clima diferente quando o salmista volta seus olhos novamente para o Senhor. Só que, em lugar de olhar para o futuro, ele olha para o passado e se lembra do quanto já serviu a Deus e com que prazer (v.4): “Lembro-me disso: [...] Caminhei com a multidão; eu conduzi a multidão festiva até a casa de Deus em meio a brados de alegria e gratidão” (’elleh ’ezkerâ [...] ’e‘evor bassak ’edadem ‘ad-bêt ’elohîm beqôl-rinnâ wetôdâ hamôn hôgeg). A recordação do louvor a Deus, do culto no Templo, da alegria da multidão por servir ao Senhor e do papel que exercia de promotor de um culto verdadeiro fez com que o salmista, mais uma vez, fosse transportado a um ponto alto da sua vida.

Apesar do bom momento, seus olhos voltam para o presente e o que ele contempla é um homem abatido pelo peso das circunstâncias. Ele se pergunta (v.5): “Por que a minha alma se encurva?” (mah-tishtôhahî nafshî). Ele se sente sobrecarregado a ponto de encurvar-se diante das agruras que enfrenta. O v.7 dá conta de que, apesar de tentar por todos os meios se livrar do mal, ele sente que está caminhando “de abismo em abismo” (tehôm-’el- tehôm), como se fosse atropelado pelas correntezas destruidoras de um tsunami: “Todas as tuas vagas e tuas ondas passaram sobre mim” (kal-mishbareyka wegalleyka ‘alay ‘avarû). É como se estivesse se afogando sem forças para resistir por mais tempo.

Porém, mais uma vez o humor do salmista sai do fundo do poço de tristeza e sobe até o céu de esperanças. Se há pouco ele declarou chorar dia e noite, agora afirma (v.8): “De dia o Senhor estabelece a sua fidelidade e de noite eu canto uma oração ao Deus da minha vida” (yômam yetsawweh yehwâ hasdô ûballaylâ shîroh ‘immî tefillâ le’el hayyay). Que transformação! As lágrimas que alimentam o salmista são convertidas em estrofes de cânticos de louvor e em declarações de confiança e esperança naquele que é poderoso acima de todos os males que afligem seus servos. A impressão que se tem desse ponto do salmo é que, não importa o que aconteça, o salmista está pronto para enfrentar todas as lutas tendo à mão a fidelidade do Senhor para protegê-lo como um escudo.

Entretanto, uma nova linha do salmo é escrita. Por meio dela percebemos o escritor novamente abatido, escrevendo do fundo do vale da tristeza. Ele pergunta a Deus (v.9): “Por que se esqueceste de mim?” (lamâ shekahtanî). É de surpreender que ele faça tal pergunta à pessoa sobre a qual declarou ser fiel todos os dias. Não é, claro, gratuita a mudança de ânimo. Ele se vê ainda sobrecarregado, conforme diz, “com a opressão dos meus inimigos” (belahats ’ôivay). O efeito da perseguição por parte de tais homens é a que ele declara no v.10: “opressores me injuriaram com um alarido em meus ossos” (beretsah be‘atsmôtay herefûnî tsôreray). Essa frase misteriosa parece indicar que as zombarias e ataques por parte dos homens que o perseguem o atingiram profundamente como se, com um barulho ensurdecedor, lhe abalassem os ossos e lhe tirassem a capacidade de permanecer de pé.

Sua conclusão é a de um homem dividido entre a opressão que sente e a confiança que tem. Ele escreve (v.11): “Por que a minha alma se encurva? E por que se agita contra mim? Espera em Deus, pois ainda o louvarei, o meu salvador pessoal e meu Deus” (mah-tishtôhahî nafshî ûmah-tehamî ‘alay hôhîlî le’lohîm kî-‘ôd ’ôdennû yeshû‘ot panay we’lohay). O salmista sofre, mas também confia.

À primeira vista, parece se tratar de um salmo cheio de contradições. Ou melhor, que o próprio salmista é contraditório e, talvez, uma pessoa instável. Mas, na verdade, não há contradições. Deus não era fiel em um dia e infiel no outro. Também a situação não era boa em um dia e ruim no seguinte. O que parece mudar ao longo da experiência do salmista é a perspectiva com que ele vê os acontecimentos. Quando ele olha para os problemas, deixa-se abater e vive um momento baixo da vida, em meio à angústia e às incertezas. Mas, quando olha para Deus, vive um ponto alto por saber que Deus é maior que as circunstâncias, que é fiel apesar das nossas falhas e que tem um amor que nunca acaba. Por isso, ele se enche de esperança e de alegria. Os altos e baixos da vida do salmista, afinal de contas, não vêm das circunstâncias em si, mas da sua perspectiva pessoal quando olha para os problemas ou de quando olha para Deus.

Por fim, de certo modo, todos os que já fomos redimidos por Cristo compartilhamos algo com esse salmista e com Pedro quando estava diante de Jesus no mar da Galileia. Ao olharmos para o Senhor, somos elevados e sustentados sobre as águas dos problemas desse mundo. Mas quando desviamos o olhar do nosso Senhor e, em falta de fé, atentamos somente para o tamanho das ondas ao nosso redor, começamos a afundar. Não há encorajamento melhor que esse para que mantenhamos nossos olhos, pela fé, no Senhor Jesus Cristo, aguardando aquele dia em que olharemos diretamente em sua face.

Pr. Thomas Tronco

quinta-feira, 24 de março de 2011

Quando Alguém Parece Descartável

Todos aqueles que já assistiram a filmes de guerra, de um modo ou de outro passaram a admirar os soldados. Não porque alguns filmes retratam certos guerreiros que, sozinhos, conseguem vencer todo um exército. Não! Refiro-me à admiração que cultivamos por eles quando, pelos filmes, vislumbramos o comprometimento dos soldados diante dos horrores da guerra. Nesse sentido, algo encorajador é ver como os soldados se importam uns com os outros e têm a meta de nunca deixar ninguém para trás. Mesmo feridos, aqueles que foram alvejados no campo de batalha são o alvo do esforço de todos os companheiros que se arriscam para resgatá-los e levá-los bem para casa.

Cenas como essas, ao mesmo tempo que nos encorajam, nos chamam a atenção para o fato de que nem sempre é assim fora dos conflitos militares. No dia a dia, notamos pessoas que, mesmo sem ferimentos de guerra, têm limitações que as impede de produzir tudo que queriam ou deveriam. Nesse momento, quando elas necessitam de ajuda, é comum as vermos relegadas ao segundo plano. Exemplos disso são pessoas idosas e doentes. Ainda que tenham sido muito queridas e solicitadas no passado, ao chegarem a uma situação debilitante, pouca gente as procura ou tem paciência de estar ao seu lado. Certamente, em momentos como esse é que se conhecem os verdadeiros amigos.

O fato é que, quando debilitados, recebemos um tratamento diferente por parte das pessoas. O Salmo 41 é um relato do tratamento que o rei Davi recebeu quando esteve à beira da morte. Apesar de não haver um título no salmo que dê com precisão o contexto em que foi escrito – assim como nos salmos 3, 34 ou 51 – em seu corpo é possível notar algumas características da situação vivida pelo salmista. Ele estava doente, de cama (vv.3,8), e correndo risco de morte (v.5). Talvez, o último versículo do salmo indique que a situação já tinha passado, mas, ainda que seja assim, Davi faz uma análise de como se comportaram os homens diante da sua debilidade e, também, como agiu o Senhor a quem ele servia. Tal análise nos fornece três contrastes entre o tratamento humano e o divino quando estamos debilitados.

O primeiro contraste está no campo da valorização da vida daquele que está perecendo. Ainda que tal regra não valha para os amigos de verdade – esses são poucos –, os homens tendem a desvalorizar a vida de quem não tem mais as mesmas capacidades que antes, nem pode contribuir da mesma forma. Por causa disso, não se importam se a pessoa vive ou morre. E quando morre, parece que a perda é apenas motivo de conversas vãs. O v.5 indica que quem está perecendo é descartado pelos homens ao redor: “Os meus inimigos dizem coisas ruins a meu respeito: ‘Quando ele morrerá e perecerá o seu nome?’” (’ôyevay yo’merû ra‘ lî matay yamût we’avad she). Com essas palavras, tais homens demonstram não ver qualquer valor no debilitado, além da ausência do sentimento de perda ao vê-lo partir.

Por outro lado, Deus age de modo contrário. Não abandona o que está fraco, mas, vendo o valor que possui – não em si mesmo, mas como alvo do amor divino – age em seu favor. Nesse sentido (v.2), “o Senhor o guarda e lhe mantém a vida” (yehwâ yishmerehû wîhayyehû). Entretanto, Deus não quer que o servo apenas tenha seu coração batendo e seus pulmões respirando. Ele tem para aquele a quem ama mais do que a simples sobrevivência. Quer lhe dar uma vida completa e, por isso, “o faz feliz na Terra” (wî’asherehû ba’arets). É certo que todos nós partiremos desse mundo e Deus, que ama os filhos, os toma para si por meio da morte. Contudo, quando não é chegada a hora de tal encontro, Deus não desvaloriza o servo pela suas debilidades. Para Deus, os homens que o buscam nunca são descartáveis. Por isso os preserva e lhes dá consolo e alegria apesar das circunstâncias contrárias.

O segundo contraste se dá na veracidade do relacionamento. A incapacidade de alguém pode criar nas pessoas ao redor um relacionamento puramente superficial e não genuíno. Davi recebeu muitas visitas em seu leito de dor. Nem todas foram expressões autênticas do que sentiam as pessoas que o visitavam. Diz o salmista (v.6): “Se alguém entra para me ver, diz coisas fingidas” (we’im-ba’ lir’ôt shawe’ yedaber). Essa descrição me lembra de conversas quando não se tem assunto, nem há interesse pelas pessoas com quem se fala. Trata-se daquela conversa sobre “nada”, mais para se desincumbir do dever de visitar o doente que para saber como ele está e como pode ser ajudado de verdade. Entretanto, quando a visita acaba, o coração expõe as verdadeiras intenções: “No coração ele ajunta perversidades para si; quando sai, ele fala mal de mim” (livvô yiqbats-’awen lô yetse’ lahûts yedaber). É o retrato da falsidade posta em prática.

O Senhor, por sua vez, não apenas age do modo oposto como intervém na maldade dos falsos companheiros (v.2): “Tu não o entregas ao desejo dos seus inimigos” (welo’-tittenehû benefesh ’oyevayw). Enquanto os homens usam de falsidade, Deus confirma sua fidelidade no relacionamento com aqueles que lhe pertencem. Por isso, não abandona o servo. Por isso, continua protegendo-o daqueles que lhe querem fazer mal. Se as circunstâncias mudaram, o amor de Deus não muda. Ele permanece sempre o mesmo.

O terceiro contraste se pode ver na manutenção da amizade. Davi, como rei, ajudava muita gente a quem mostrava seu favor. Sustentava muitos, recebia-os em seu palácio, separava-lhes lugar à sua mesa. Como não poderia deixar de ser, muitos desses não frequentavam a mesa do rei por simples amizade, mas por interesse, quer financeiro, quer político. Para obter seus intentos, estendiam ao rei seus braços de amizade. Contudo, diante da virada da situação, deixaram de ter interesse na manutenção dessa “amizade”. Por isso, Davi se queixa (v.9): “Também o meu amigo em quem eu confiava, aquele que comia o meu pão, levantou o calcanhar contra mim” (gam-’îsh shelômî ’asher-batahtî bô ’okel lahmî higdîl ‘alay ‘aqev). A expressão “levantar o calcanhar” produz a ideia de uma traição, pelo que é aplicada a Judas que, sendo “amigo” de Jesus, mudou de atitude e o entregou aos adversários (Jo 13.18). Talvez uma boa tradução, com outra expressão figurada, para “levantar o calcanhar”, seja “passar uma rasteira”. Os antigos “amigos”, diante da debilidade do salmista, lhe “passaram uma rasteira”, mostrando a fragilidade da sua relação.

O Senhor não é um amigo desse tipo, nem permanece ao lado dos servos apenas quando seus interesses são beneficiados. Ele permanece mesmo nos piores momentos, mostrando-se um amigo verdadeiro. Por isso, diz o texto (v.3): “O Senhor o sustenta sobre o leito de doença” (yehwâ yis’adenû ‘al-‘eres deway). Ou seja, quando uma doença abate o servo de Deus a ponto de ele ficar acamado, sofrendo e incerto de seu futuro, o Senhor não o abandona. Na verdade, faz de modo exímio o que fazem os amigos que se assentam ao lado do doente para ajudá-lo a atravessar aquele duro momento, dividindo um pouco da dor e da tristeza. Essa ação de consolo, prova da verdadeira amizade, ajuda o abatido a transpor a dor com coragem, sentido um grande alívio, como se o leito fosse mais confortável do que é, visto que está escrito: “Na sua doença transforma toda a sua cama” (kal-mishkavô hafakta beholyô). A ideia parece ser a de alguém que remexe o leito a fim de não se tornar duro e desconfortável. Resumindo, o Senhor faz com que as agruras de uma situação como a de Davi seja atravessada com mais conforto, consolo e coragem. É, de fato, a atitude de um verdadeiro amigo.

Esse salmo é uma lição para nós. Em primeiro lugar, nos ajuda a diferenciar os verdadeiros amigos daqueles que assim falsamente se dizem. Em segundo lugar, nos ensina o quanto é incerta a confiança que temos nas pessoas. Finalmente, o quanto precisamos cultivar nosso relacionamento com Deus, o verdadeiro amigo. Tais momentos de luta e de dor, além de nos revelar a verdade sobre as pessoas ao redor, devem nos lançar de tal modo nos braços do Senhor que jamais desejemos nos afastar dele. No final das contas, está mais do que comprovada a veracidade do texto que diz que “na angústia se faz o irmão” (Pv 17.17). Principalmente, se esse for o Deus eterno.

Pr. Thomas Tronco

Calvinistas Evangelizam? (Parte 1)

Há um mito que circula no meio evangélico que diz que os calvinistas não se preocupam em fazer evangelismo pessoal ou missões. Segundo os expoentes dessa lenda, isso ocorre porque os calvinistas creem na doutrina da predestinação e, uma vez que, segundo sua visão dessa doutrina, Deus já tem os seus eleitos a quem fatalmente irá salvar, não há nenhuma necessidade de evangelizar as pessoas, nem mesmo de orar para que alguém se converta.

Realmente, a soteriologia calvinista defende com unhas e dentes a santa doutrina da predestinação. E isso por uma razão muito simples: poucas doutrinas bíblicas são tão claras como essa. De fato, mesmo representando um atentado contra a orgulhosa lógica humana (Rm 9.19-21), a Bíblia é pródiga em suas afirmações referentes à soberania absoluta de Deus na salvação, que alcança graciosamente quem quer e endurece a quem lhe apraz (Jo 1.13; Rm 8.29-30; 9.18; Ef 1.5). É somente por isso que os calvinistas não abrem mão desse ensino tão controvertido que os torna alvo de constantes acusações falsas.

A questão, então, permanece: essa aceitação da doutrina da predestinação não inibe o trabalho de evangelismo dos calvinistas? Surpreendentemente, a resposta é um enfático não. Aliás, é até o oposto o que acontece! Com efeito, tanto a Bíblia como a história do cristianismo mostram que a doutrina da predestinação tem se constituído num dos maiores incentivos à evangelização do mundo!

Considere-se, em primeiro lugar, o ensino bíblico. De que forma a Escritura destaca a eleição divina como um estímulo ao trabalho de pregação do evangelho? Basicamente, o texto sagrado faz isso de duas maneiras: afirmando que os eleitos de Deus estão espalhados pelas diversas comunidades ao redor do mundo; e ensinando que eles fatalmente atenderão à mensagem das Boas Novas em Cristo.

Jesus foi o primeiro a mostrar essas duas maravilhosas realidades. A certa altura do Evangelho de João, o evangelista conta que o Mestre fez uma intrigante afirmação: “Tenho outras ovelhas que não são deste aprisco [isto é, não são de Israel]. É necessário que eu as conduza também. Elas ouvirão a minha voz, e haverá um só rebanho e um só pastor” (Jo 10.16). Em seguida, para mostrar que havia grande distinção entre esse grupo espalhado pelo mundo e as demais pessoas não escolhidas, ele dirigiu-se aos seus oponentes dizendo: “... vocês não creem, porque não são minhas ovelhas” (Jo 10.26). O Senhor ensinou, assim, que ele tem um povo espalhado pelo mundo, que as pessoas que compõem esse povo ainda estão por ser alcançadas, e que elas fatalmente atenderão ao convite da fé. Como um evangelista pode ser desencorajado diante disso?

O Evangelho de João insiste nessas verdades também em seu Capítulo 11. Ali, o evangelista comenta algumas palavras pronunciadas pelo sumo sacerdote, dizendo: “Ele não disse isso de si mesmo, mas, sendo o sumo sacerdote naquele ano, profetizou que Jesus morreria pela nação judaica, e não somente por aquela nação, mas também pelos filhos de Deus que estão espalhados, para reuni-los num povo” (Jo 11.51-52). É mais do que claro aqui que Deus tem “filhos” dispersos pelo mundo. Esses “filhos” ouvirão a mensagem da cruz e serão, afinal, reunidos num povo.

Ora, com essas concepções em mente, seria possível um evangelista desanimar? É claro que não! Na verdade, sabendo disso, o missionário trabalhará ainda mais confiante, ciente de que as ovelhas de Jesus, os “filhos de Deus que estão espalhados”, cedo ou tarde, seguirão o Bom Pastor; sim, amanhã ou depois, serão reunidos pelo Pai. Além disso, o obreiro que aceita essas verdades não se sentirá fracassado ou frustrado no ministério quando não crerem na sua pregação. Antes, entenderá que os que a rejeitaram fizeram-no por não serem ovelhas do Senhor e seguirá avante, certo de que as ovelhas com certeza ouvirão e o alvo do Pai de reunir seus filhos num só povo será finalmente alcançado. Poderia haver estímulo maior para o trabalho evangelístico?

Na história de missões, quem primeiro se sentiu estimulado por essas verdades foi o apóstolo Paulo. Isso aconteceu quando ele esteve pregando em Corinto, um foco tenebroso da multiforme religião pagã, centro cosmopolita marcado por excessos de imoralidade e por todo tipo de devassidão. Corinto, talvez fosse, ao mesmo tempo, o maior desafio e o mais terrível pesadelo de qualquer missionário cristão; uma boa desculpa para o abandono do trabalho evangelístico.

Paulo esteve ali em cerca de 50 a.D., por ocasião da sua Segunda Viagem Missionária (At 18.1-18). Logo de início, sua presença e mensagem despertaram a oposição da comunidade judaica local que trabalhou intensamente para dificultar ainda mais a obra missionária em Corinto (At 18.6,12-13). Paulo, porém, não desistiu. Onde o apóstolo encontrou estímulo para continuar sua obra num ambiente tão difícil? A resposta é surpreendente: ele foi incentivado pela doutrina da eleição! O texto bíblico diz que, certa noite, o Senhor apareceu a Paulo numa visão e disse: “Não tenha medo, continue falando e não fique calado, pois estou com você, e ninguém vai lhe fazer mal ou feri-lo, porque tenho muita gente nesta cidade” (At 18.9-10).

Durante os dias do seu ministério terreno, o Senhor havia dito que tinha outras ovelhas que viviam em vários apriscos fora de Israel. Agora, o mesmo Senhor se manifesta a Paulo revelando que muitas dessas ovelhas estavam em Corinto. O apóstolo não devia, portanto, recuar. A realidade de que as ovelhas já estavam ali, somente esperando ouvir a voz do Supremo Pastor, devia incentivá-lo. Elas atenderiam a pregação e seriam salvas. Paulo ouviu isso tudo e permaneceu firme. Foi assim que a santa doutrina da eleição fez o apóstolo perseverar por mais um ano e seis meses no trabalho missionário em Corinto (1Co 18.11).

Cerca de dez anos mais tarde, Lucas escreveu essa e outras histórias de Paulo na obra que recebeu o título de Atos do Apóstolos. Foi, talvez, por perceber que a doutrina da eleição servia como estímulo para a evangelização que Lucas fez questão de frisar, justamente numa obra de história de missões, que os que acolhiam a pregação de Paulo eram somente os que faziam parte do rebanho de Cristo espalhado pelo mundo. “... E creram todos os que haviam sido designados para a vida eterna” (At 13.48), escreveu ele. Vê-se, assim, que o primeiro historiador da igreja aprendeu, por meio de suas pesquisas, que a eleição não somente estimula o trabalho do pregador, mas também garante o seu sucesso.

Conclui-se, assim, que, à luz da Bíblia, a doutrina da predestinação não desencoraja a obra missionária, fazendo exatamente o oposto. Deve-se, agora, observar como, em 2 mil anos de cristianismo, essa doutrina serviu como fonte de ânimo para os sucessivos propagadores da santa fé.

(Continua)

Pr. Marcos Granconato
Soli Deo gloria

terça-feira, 22 de março de 2011

Atividades que Marcam a Verdadeira Religião

Desde pequeno, me acostumei a notar, em diversas casas, alguns artefatos que revelavam certa religiosidade – ou superstição – de pessoas conhecidas da minha família. Budas, elefantes virados com a tromba para a parede, pequenas estátuas pousadas sobre notas de dólar, velas dispostas em pequenos altares nos cantos dos cômodos, cristais coloridos sobre as mesas, livros de meditação, cartas de adivinhação, quadros com temas religiosos, vasinhos com arruda e uma série de outros objetos dos quais nem consigo me lembrar.

Apesar dessa variedade, um item me parecia ser unanimidade entre os possuidores de tais hábitos: uma Bíblia aberta. Embora poucas dessas pessoas tenham o hábito de ler a Bíblia, a maioria supõe que a presença dela, com as páginas à vista, transmite uma espécie de “energia positiva” ou de “bons fluidos”, protegendo a casa de forças negativas. E mesmo com o desconhecimento grotesco do uso das Escrituras, tais pessoas sabem onde estão alguns textos que falam de proteção divina. Nesse sentido, o Salmo 40 – quase tanto quanto o 91 – é um dos textos mais utilizados para, segundo essa visão supersticiosa, proteger a casa e abençoar seus moradores.

O que tais pessoas ignoram é que a proteção presente nesse texto é a que o Senhor – e não uma página de livro – aplicou ao seu servo Davi. Trata-se de uma oração por livramento que apresenta, no seu corpo, diversas atividades que marcam a verdadeira adoração ao Senhor. Longe daquela religiosidade popular e intuitiva, esse salmo apresenta cinco atividades presentes na verdadeira religião, ou seja, no relacionamento entre o homem salvo e seu Deus salvador.

A primeira atividade que marca a verdadeira adoração é recordar com gratidão das bênçãos divinas. Diz-se que “brasileiro tem memória curta”. Mas quando o assunto é o relacionamento com o Senhor, pessoas de todas as nações, igualmente, tendem a olhar para o presente e se esquecer do que Deus fez no passado. O salmista tinha o passado vívido em sua mente. Ele diz (v.1): “Confiei plenamente no Senhor e ele se inclinou para mim” (qawwoh qiwwîtî yehwâ wayyet ’elay). Nem mesmo as preocupações que invadiam o coração do salmista o faziam esquecer as coisas que Deus lhe fez no passado, nem as respostas de oração que ele testemunhou. Esse “inclinar” de Deus, aproximando-se do servo, era algo vivo na memória de Davi lembrando-o de que Deus tinha e mantinha com ele um relacionamento amoroso e interessado. O resultado é a inevitável gratidão do salmista expressa no v.3: “Ele pôs na minha boca um cântico novo, louvor ao nosso Deus” (wayyitten bepî shîr hadash tehillâ le’lohênû). A gratidão vinda das recordações dos atos divinos explodia no salmista em forma de louvores e cânticos.

A segunda atividade é priorizar a confiança no Senhor. Sempre que algo complicado recai sobre alguém, é necessário buscar ajuda. Há duas opções: recorrer a Deus ou recorrer aos homens. Nesse aspecto, o v.4 traz uma importante lição para o verdadeiro servo de Deus: “Feliz é o homem que põe no Senhor a sua confiança e não se volta para os presunçosos, nem para os mentirosos” (’asrê hageber ’asher-sam yehwâ mivtahô welo’-panâ ’el-rehavîm wesatê kazav). Apesar da nítida vantagem de buscar a Deus nas dificuldades, a incredulidade humana faz com que o homem tenda a procurar ajuda em braços que ele pode ver com seus olhos. Um exemplo disso foi o rei Acaz, descendente de Deus e rei de Judá. Ao saber de uma coligação entre o reino do Norte e a Síria, entrou em pânico (Is 7.2) e resolveu comprar a ajuda do rei da Assíria (2Rs 16.7-9) em lugar de confiar na promessa de Deus de livramento (Is 7.3-7). O resultado foi que, quando o rei de Judá se viu novamente em apuros e lançou mão do mesmo expediente, o arrogante rei da Assíria também se mostrou mentiroso e, em vez de ajudá-lo, o oprimiu como faz um inimigo e não um aliado (2Cr 28.20,21). O verdadeiro servo de Deus faz o oposto do que fez Acaz. Entre a opção de confiar em Deus e a opção de confiar nos homens fortes, ele prioriza a confiança no seu Deus libertador.

A terceira é desenvolver uma atitude de obediência. Davi faz uma curiosa afirmação sobre Deus (v.6): “Não desejaste sacrifício, nem oferta [...] não pediste holocausto, nem oferta pelo pecado” (zevah ûminhâ lo’-hapatsta [...] ‘ôlâ wahata’â lo’ sha’alta). Tal afirmação é curiosa porque Deus, de fato, ordenou tais sacrifícios e ofertas, de modo que o texto parece contraditório. Entretanto, conclui-se, Davi recordou das palavras de Samuel a Saul, às quais, sem abolir os sacrifícios e ofertas, mostraram que Deus não preferia os sacrifícios à obediência devida a ele: “Porém, Samuel disse: tem, porventura, o Senhor tanto prazer em holocaustos e sacrifícios quanto em que se obedeça à sua palavra? Eis que o obedecer é melhor do que o sacrificar, e o atender, melhor do que a gordura de carneiros” (1Sm 15.22). Tentar convencer o Senhor com atitudes de religiosidade externa em meio à desobediência, não consegue comover seu coração, nem torná-lo devedor ao homem. O que Deus quer, em lugar de atos religiosos, é que seus servos o obedeçam como um filho obedece e honra ao pai.

A quarta atividade é louvar a Deus publicamente. Ainda que Davi estivesse angustiado, o louvor a Deus não perdia seu lugar porque, na verdade, não estava subordinado às condições em que se encontrava o salmista, mas à eterna glória do Senhor. Por isso, escreve (v.9): “Anunciarei as boas-novas de justiça na numerosa congregação. Eu não fecharei os meus lábios” (bissartî tsedeq beqahal rav hinneh sefatay lo’ ’ekla’ yehwâ). Essa é a expressão de um testemunho público a todas as pessoas ao redor. O salmista não deseja guardar para si os santos ensinos sobre a justiça do soberano. Nem tampouco se envergonha de se submeter à direção e correção do Senhor. Seu desejo é expor tais fatos diante da multidão a fim de proclamar a justiça, não própria, mas daquele que é justo sobre todos. Por intermédio do louvor público, Davi quer, também, encorajar outros servos de Deus a fazer o mesmo, pelo que os conclama (v.16): “Digam continuamente aqueles que amam a tua salvação: engrandecido seja o Senhor” (yo’merû tamîd yigdal yehwâ ’ohavê teshû‘ateka).

A última atividade da religião verdadeira é apresentar a Deus uma oração humilde. Nesse salmo, Davi faz vários pedidos a Deus, especialmente concentrados entre os vv.11-15: “Senhor, não retenhas de mim a tua compaixão” (’attâ yehwâ lo’-tikla’ rahameyka mimmennî); “seja favorável a me livrar, Senhor” (retseh yehwâ lehatsîlenî); “sejam envergonhados e derrotados juntamente aqueles que buscam tirar minha vida” (yebôshû weyahperû yahad mebaqshê nafshî lispôtah). Entretanto, ao expor seus pedidos, expõe a Deus, também, suas fraquezas (v.12): “Pois as minhas maldades se acercaram de mim” (kî ’affô-‘alay ra‘ôt). Ao apresentar a Deus sua pecaminosidade e imperfeição, Davi abre mão de tentar obter qualquer vantagem de Deus que se baseasse nos méritos. Ele se posta como um pecador que nada merece, humilhado em sua condição, e, assim, suplica ao Senhor que lhe tenha compaixão. Essa é a atitude correta da oração do verdadeiro servo de Deus, que sabe ser ele mesmo homem limitado e pecador diante de um Senhor que ocupa a posição de onipotente e santo.

Tais atividades, pela fé em Cristo, inevitavelmente revelam o afastamento do homem da religiosidade vazia e mostram sua proximidade do Deus vivo e verdadeiro. Livram o homem da escravidão produzida pela superstição e pelos conceitos intuitivos da divindade e o tornam livre para andar em comunhão com seu redentor. E mais: esvaziam as prateleiras dos servos de Deus de objetos que, no passado, pretendiam ser o alvo da sua fé. Afinal, o melhor livro aberto é a própria vida do crente, de cujas páginas reluz o verdadeiro brilho de Cristo.

Pr. Thomas Tronco

sexta-feira, 18 de março de 2011

Igrejas Emergentes (Final)

Considerem-se agora, especificamente, as igrejas emergentes ultrainformais. Conforme se viu, os proponentes desse modelo entendem que qualquer grau de institucionalização deve ser evitado na igreja, a fim de que o formato neotestamentário seja preservado.

A pergunta que a análise crítica dessa proposta levanta é a seguinte: qual é exatamente o formato eclesiástico presente no Novo Testamento que essas igrejas pretendem preservar? Sim, pois, desde o evento de Pentecostes (c. 30 AD) até a composição do Livro de Apocalipse (c. 90 AD), ou seja, ao longo de um período de aproximadamente sessenta anos, a igreja primitiva desenvolveu uma estrutura de funcionamento que passou de um alto grau de informalidade para a fixação de um modelo institucional comparativamente complexo, criado a partir das necessidades que as circunstâncias foram impondo com o passar do tempo.

Assim, se no ano 30 AD tudo que havia era a liderança dos apóstolos, dedicados somente à oração e ao ministério da Palavra (At 6.4), naquele mesmo tempo surgiu um grupo eleito pela comunidade cuja responsabilidade era cuidar das mesas das viúvas (At 6.1-6). Já a partir daqui pode-se ver o germe da institucionalização, com a prática do voto por parte dos membros (At 6.3,5) e a criação de um grupo autorizado para a realização de funções distintas (At 6.6). Em termos de organização, portanto, a igreja de Atos 6 é diferente da igreja de Atos 2!

E as mudanças continuaram. Ao fim da Primeira Viagem Missionária (c. 47 AD), as igrejas fundadas por Paulo e Barnabé assumiram um formato diferente daquele inicialmente visto em Jerusalém. Com efeito, nas novas comunidades, o povo também aparece votando, dessa vez, porém, para escolher presbíteros (At 14.23).

Logo em seguida, em cerca de 48 AD, a liderança eclesiástica apostólica, tão ligada ao modelo informal da igreja recém-inaugurada, começou a dar sinais de declínio. A supremacia da voz do bispo Tiago, pondo fim aos debates do Concílio de Jerusalém (At 15.1-29), talvez marque o início do fim da primazia dos apóstolos como chefes absolutos da igreja local. Essa percepção parece ser válida porque no Concílio de Jerusalém estavam presentes Pedro (até então o líder máximo da comunidade cristã em Jerusalém) e Paulo, ambos apóstolos. No entanto, o destaque da narrativa de Atos recai sobre a participação de Tiago (At 15.13-21), um pastor cujo parecer foi acatado na íntegra pela assembleia, que novamente participou das decisões por meio do voto (At 15.22).

Vê-se assim a ascensão da figura do bispo. Recorde-se ainda que, cerca de dez anos depois, quando viajava para Jerusalém, Paulo dirigiu-se aos presbíteros de Éfeso (um grupo também denominado “presbitério”, cf. 1Tm 4.14), apontando-os como os líderes legítimos da igreja (At 20.17,28). Ora, a convocação de um concílio, a promoção de eleições em assembleia e a formação de presbitérios nas igrejas locais dão sinais óbvios da lenta institucionalização da igreja, menos de trinta anos depois da sua fundação.

Componentes que marcam a igreja do Novo Testamento como uma instituição bem organizada podem ser encontrados também nas epístolas. Por exemplo, Filipenses 1.1 mostra que o grupo que, por volta de 30 AD, foi eleito para servir as mesas das viúvas (At 6.1-6), em cerca de 61 AD, transformou-se num conselho de oficiais da igreja, ao lado dos bispos e distinto da comunidade como um todo.

Torna-se, assim, evidente que aquela equipe voltada apenas para o trabalho assistencial, num período aproximado de trinta anos, galgou uma posição eclesiástica mais elevada. Aliás, os “diáconos”, como passaram a ser chamados, começaram a exercer um papel tão sério como líderes que, em cerca de 66 AD, Paulo escreveu a Timóteo dizendo que os mesmos requisitos impostos a quem desejasse ser bispo deveriam também ser exigidos dos que quisessem ser diáconos. A única exceção parece ter sido a aptidão para ensinar (1Tm 3.8-13).

Ademais, é impossível fazer alusão às Epístolas Pastorais (1 e 2 Timóteo e Tito), sem lembrar que essas cartas, escritas em meados da década de 60, não somente mostram uma liderança institucional na igreja (1Tm 3.1-13; 5.22; Tt 1.5-9), como também revelam a fixação de uma liturgia (1Tm 2.1; 4.13-14), além de regras de funcionamento que os crentes deveriam observar a fim de que se comportassem adequadamente na “Casa de Deus” (1Tm 3.14-15). Na organização mais complexa que já havia por volta de 66 AD há até uma ordem de viúvas, na qual as participantes só podiam ser inscritas se preenchessem certos requisitos enumerados pelo apóstolo (1Tm 5.9-12). As mulheres inscritas nessa ordem receberiam provisão material da igreja.

Quanto ao modelo de liderança eclesiástica centralizado na figura de um só pastor, padrão tão comum em nossos dias, é possível vislumbrar seu embrião já nos tempos do Novo Testamento. De fato, a figura do “bispo monárquico”, que tanto marcou a igreja a partir do século 2, pode encontrar suas raízes nos pastores das sete igrejas do Apocalipse (caps. 2-3), cada um atuando como líder máximo de uma comunidade cristã específica (Ap 1.20).

Quão diferentes são, portanto, as igrejas do Novo Testamento quando observados os diferentes estágios em que se encontram no seu lento processo de organização. Realmente, a igreja de Jerusalém, sob a liderança de Pedro, é marcada por quase completa informalidade. A de Éfeso, porém, debaixo da autoridade de Timóteo, tem todos os traços de uma instituição religiosa madura, com um presbitério, um conselho de diáconos, um processo fixo para a formação e investidura de líderes, um conjunto de regras objetivas de funcionamento, normas relativas ao culto e uma associação formalmente organizada de mulheres carentes.

Assim, é vazia a crítica das igrejas emergentes ultrainformais, não havendo nada de antibíblico no modelo de funcionamento de igreja como instituição. Além disso, ao que parece (e a experiência aponta nessa direção), os defensores da plena informalidade não estão realmente interessados em reconstruir o modelo neotestamentário. Tudo indica que o que verdadeiramente almejam é evitar associar-se a uma igreja num grau maior de compromisso, livrando-se, inclusive, dos incômodos de viver sob a autoridade eclesiástica instituída pelo próprio Deus. O fato é que a busca da informalidade pode ser, na verdade, a fuga da responsabilidade.

Pr. Marcos Granconato
Soli Deo gloria

O ‘Outro Deus’ do Teísmo Aberto

O recente tsunami no Japão mais uma vez levantou a questão: onde estava Deus na hora da tragédia? Essa pergunta ecoa todas as vezes em que tragédias ocorrem. Se estoura uma guerra, “onde estava Deus que não a impediu?”. Se barrancos desabam sobre as casas, “por que Deus permitiu tal coisa?”. Se um terremoto devasta uma região ou até um país, “como pode um Deus bom existir se coisas ruins acontecem?”.

A questão é antiga. O profeta Habacuque se viu diante desse dilema. Os israelitas estavam sob o prenunciado juízo de Deus. O Senhor, que durante séculos avisou, repreendeu e aguardou com paciência pelo arrependimento do povo, finalmente enviou a eles a devida consequência do seu pecado. Entretanto, o fez pelas mãos de um povo cruel que agiu com injustiça. Assim eles são descritos: “Pois eis que suscito os caldeus, nação amarga e impetuosa [...] Eles são pavorosos e terríveis, e criam eles mesmos o seu direito e a sua dignidade” (Hc 1.6,7). Se essa descrição não deixa claro que o “direito” e a “dignidade” que os babilônicos criavam eram bem “questionáveis”, o v.9 arremata a questão afirmando: “Eles todos vêm para fazer violência”. Diante disso, a pergunta de Habacuque a Deus soa de maneira muito natural aos olhos humanos: “Tu és tão puro de olhos, que não podes ver o mal e a opressão não podes contemplar; por que, pois, toleras os que procedem perfidamente e te calas quando o perverso devora aquele que é mais justo do que ele?” (Hc 1.13).

O medo de Habacuque, ao que parece, era notar que Deus não era tão amoroso ou justo como ele sabia ser. Era um “nó” que não se desatava na mente do profeta. Era a tensão entre aquilo que ele cria e aquilo que ele via. E ele não foi o único a questionar o Senhor diante do sofrimento. Jó, muito tempo antes, ao sofrer com os ataques de satanás que lhe custaram os bens, os filhos e, finalmente, a saúde, também se viu diante do mesmo dilema.. Discordando da ideia de que sua calamidade seria uma punição, diz Jó a Deus: “Tens tu olhos de carne? Acaso, vês tu como vê o homem? São os teus dias como os dias do mortal? Ou são os teus anos como os anos de um homem, para te informares da minha iniquidade e averiguares o meu pecado? Bem sabes tu que eu não sou culpado; todavia, ninguém há que me livre da tua mão” (Jó 10.4-7). O receio de Jó é sofrer um tratamento da parte de Deus sob critérios imperfeitos comuns nos homens e não em um Deus sábio e justo.

Essa “aparente” injustiça e falta de amor sempre exigiu uma resposta e os servos do Senhor sempre se esmeraram em oferecê-la de modo a preservar a perfeição, a santidade e a bondade do Senhor como descritas nas Escrituras.. Esse tipo de defesa recebe o nome de teodiceia.. Muitos foram os homens que se renderam a isso. Como, com o passar do tempo, as tragédias não deixaram de existir, ainda hoje há pessoas que tratam a questão e defendem que, mesmo diante das maiores catástrofes, o Senhor eterno é Deus santo e bom. Contudo, nos últimos tempos, alguns autonomeados “advogados” do Senhor criaram um tipo de defesa “às avessas”. Em lugar de afirmarem, como os defensores do passado, que, ainda que Deus tome decisões duras, elas fazem parte de um plano bom daquele que é perfeito e soberano, tais rábulas dizem que Deus não é culpado pelas tragédias simplesmente porque “nada teve a ver com elas”.. Dizem que ele não as orquestrou e que nem sequer sabia que aconteceriam.. Defendem que, caso soubesse, certamente as evitaria. Para eles, somente assim agiria um Deus que é bom e amoroso.. Esse tipo de argumentação recebeu o nome, no meio teológico e eclesiástico, de “teísmo aberto”.

Apesar de o teísmo aberto ter a intenção de defender a bondade de Deus diante do problema do mal e do sofrimento do homem, sua extrema ingenuidade teológica ataca tantos pilares da sã doutrina que não sobra sequer um barraco daquilo que deveria ser, na verdade, um palácio imponente.. A falta de visão das implicações de suas afirmações faz com que tais “doutores”, desejando ministrar vitamina à igreja contemporânea, injetem um veneno letal em suas veias..

Um dos motos criados pelos defensores do teísmo aberto foi a expressão “outro Deus”. A intenção de tal expressão é transmitir a ideia de que a personalidade de Deus defendida pela igreja de tradição histórica, embasada nas Escrituras, não seria, de fato, a expressão de Deus como ele realmente é. Para o teísmo aberto, a visão clássica do Senhor da igreja é resultado de equívocos, cuja consequência é uma igreja alienada do amor de Deus, desconhecedora da liberdade e opressora dos seus seguidores. Essa é, certamente, uma acusação bem séria que exige análise e resposta. Uma coisa é certa: a expressão “outro Deus”, ainda que infeliz nas bases da sua tese, representa a enorme disparidade entre a igreja histórica e os teístas abertos e no campo da “Teologia Própria” – área da teologia que enfoca a pessoa de Deus. Um dos dois grupos realmente crê em “outro Deus”.

Para tratar a questão, é preciso analisar o “outro Deus” proposto pelo teísmo aberto. Apesar de ser um sistema que possui muitos contornos, há algumas afirmações que são fundamentais na divergência entre a teologia ortodoxa e o teísmo aberto.

‘Deus se limita por amor’

Artigos e entrevistas disponíveis na Internet apontam para o fato de que as bases do teísmo aberto não são análises de textos bíblicos que tratam o assunto em questão, mas reflexões pessoais e resistências a conceitos e respostas teológicas ao problema do mal. Assim, pode-se constatar que o pensamento parte de frases negativas como “não consigo crer em um Deus que mate ou que condene” e, também, de questões positivas como “o que significa ‘Deus é amor?’”.. Ainda que a inaptidão de alguém em aceitar certa realidade não seja, nem de longe, fator para desacreditá-la, a pergunta sobre o amor de Deus é tremendamente válida e deve ser respondida. O problema não está na pergunta, mas nos pressupostos que guiam a resposta. Artigos publicados dão conta de que proponentes do teísmo aberto iniciaram tal resposta a partir do seguinte pressuposto: “Deus é amor quando dá ao homem liberdade plena”.

Esse pressuposto, criado no íntimo de tais pensadores, foi estendido a implicações de ordem prática. O pensamento progrediu mais ou menos assim: “Se Deus ama o homem, dá a ele liberdade. Liberdade para quê? Certamente, para ditar os rumos da sua vida. Logo, Deus deve conceder tal liberdade não apenas de modo aparente, mas de fato. Para isso, ele não determina o que irá acontecer nem no presente, nem no futuro. Logo, Deus se abstém de exercer a soberania sobre o homem. Contudo, se Deus não controla a história, mas conhece o futuro, essa liberdade que dá é ilusória, pois tudo que o homem fizer sempre vai levá-lo ao mesmo destino. Portanto, para Deus ser de fato amor, ele não somente deve deixar de ser soberano, mas deve deixar, também, de ser onisciente. Desse modo, Deus se limita por amor..

Essa é uma construção filosófica interessante, mas que não tem qualquer fundamento nas Escrituras para subsistir. Na verdade, essa afirmação existe a despeito do ensino bíblico. Para se ter uma visão melhor sobre esse pensamento filosófico e sua relação com a Palavra de Deus, é preciso analisar as duas principais afirmações do teísmo aberto: “Deus não controla a história” e “Deus não conhece o futuro”.

‘Deus não controla a história’

O apóstolo Paulo disse a Timóteo: “Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra” (2Tm 3.16,17). A “utilidade” da Escrituras para instruir os servos de Deus e aperfeiçoá-los deve tornar a Palavra de Deus o critério de avaliação de cada coisa que é dita à igreja que Cristo resgatou. É por meio dela que se deve julgar a afirmação de que Deus limitou sua soberania e se negou a controlar a história por amor ao homem. E, feita a avaliação, deve a igreja rejeitar o erro e reter o que é bom (1Ts 5.21).

Segundo as Escrituras dadas pela ação do Espírito Santo (2Pe 1.20,21), a afirmação de que Deus não exerce soberania por amor dos homens não consegue permanecer. Paulo ensina exatamente o oposto ao dizer que Deus “faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade” (Ef 1.11). Jó, que a princípio ficou confuso diante do sofrimento que atravessava, ao ser exortado pelo Senhor, concluiu: “Bem sei que tudo podes, e nenhum dos teus planos pode ser frustrado” (Jó 42.2). Esses textos falam, de maneira muito clara, da soberania do Senhor de modo conceitual. Entretanto, ela pode ser vista em relatos contidos nas Escrituras como exemplos práticos do controle do Senhor sobre a história e do conhecimento que tem de todas as coisas, incluindo o futuro.

Um evento marcante nesse sentido é o “dilúvio”. Enquanto o teísmo aberto afirma que Deus não teve nenhuma participação nos tsunamis dos nossos dias e que ele nem sequer sabia que eles aconteceriam, um tsunami mundial aconteceu depois de Deus avisar previamente e enviá-lo, dando fim à humanidade, com exceção de Noé e de sua família.. Gênesis 6 apresenta Deus em pleno uso de sua onisciência e soberania:

a)       Deus teve um propósito no evento: “Disse o Senhor: Farei desaparecer da face da terra o homem que criei, o homem e o animal, os répteis e as aves dos céus; porque me arrependo de os haver feito” (Gn 6.7 cf. v.5).

b)       Deus anunciou previamente o que faria e, de fato, o fez: “Porque estou para derramar águas em dilúvio sobre a terra para consumir toda carne em que há fôlego de vida debaixo dos céus; tudo o que há na terra perecerá” (Gn 6.17 cf. 7.11,12)..

É claro que nem sempre a soberania do Senhor foi bem aceita pelos homens. Em Babel, os homens se rebelaram contra Deus a fim de cumprirem suas próprias vontades, o que Deus não permitiu, separando-os “efetivamente”.. Mesmo decididos e organizados, os homens da antiga Mesopotâmia não conseguiram fazer sua “liberdade” prevalecer contra os planos do Senhor: “E o Senhor disse: Eis que o povo é um, e todos têm a mesma linguagem. Isto é apenas o começo; agora não haverá restrição para tudo que intentam fazer. Vinde, desçamos e confundamos ali a sua linguagem, para que um não entenda a linguagem de outro. Destarte, o Senhor os dispersou dali pela superfície da terra; e cessaram de edificar a cidade” (Gn 11.6-8).

Não dá para alistar cada relato bíblico no qual o Senhor cumpre sua vontade com poder irresistível. Assim, um bom modo de notar, de maneira sucinta, a soberania de Deus sobre o homem, é observar seu controle sobre os rumos das nações por meio dos seus governos. Poderosos governantes foram instituídos e depostos por Deus. Paulo afirma que cada governante recebe de Deus seu cargo: “Todo homem esteja sujeito às autoridades superiores; porque não há autoridade que não proceda de Deus; e as autoridades que existem foram por ele instituídas” (Rm 13.1). Caso alguém queira contradizer tal ideia, afirmando que Deus determinou os tipos de governo, mas não os detentores do poder, o livro de Daniel torna seu efeito sua tentativa, ao dizer: “O Altíssimo tem domínio sobre o reino dos homens e o dá a quem quer” (Dn 4.33b). Deus vai além e não somente coloca as pessoas que quer no poder, mas as utiliza na execução do seu plano previamente traçado, como aconteceu em Jerusalém: “Porque verdadeiramente se ajuntaram nesta cidade contra o teu santo Servo Jesus, ao qual ungiste, Herodes e Pôncio Pilatos, com gentios e gente de Israel, para fazerem tudo o que a tua mão e o teu propósito predeterminaram” (At 4.27,28 – destaque meu).

As afirmações sobre a soberania de Deus aplicada à história da humanidade são tantas e tão contundentes que não há como atacá-las.. Entretanto, os ataques do teísmo aberto não se dão somente à soberania em si, mas aos propósitos de Deus. Para o teísmo aberto, Deus nunca teria propósitos em uma catástrofe, pois seus únicos propósitos teriam relações unicamente com o amor e com a felicidade de todas as pessoas.

Não é possível sondar os propósitos e a mente do Senhor (Rm 11.33-35). Entretanto, olhando para situações semelhantes nas Escrituras, é possível notar propósitos de Deus que são concomitantemente viabilizados por meio de uma situação de crise:

a)       Bem dos crentes que sobrevivem à tragédia.. Nem todo benefício da vida cristã vem da alegria e do consolo. O crescimento do servo de Cristo vez por outra se dá no meio de provações. É por meio delas que eles desenvolvem a dependência de Deus, aprendem a ser fiéis em tudo e são despertados para a necessidade de nutrir a esperança futura. Por isso, Tiago afirma: “Meus irmãos, tende por motivo de toda alegria o passardes por várias provações, sabendo que a provação da vossa fé, uma vez confirmada, produz perseverança. Ora, a perseverança deve ter ação completa, para que sejais perfeitos e íntegros, em nada deficientes” (Tg 1.2-4).

b)       Traslado dos crentes que morrem para junto de Deus. A vida do homem nesse mundo está longe de ser a realidade final da sua existência. Mais ainda do servo de Deus, visto que aguarda uma pátria e uma existência superior: “Pois a nossa pátria está nos céus, de onde também aguardamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo, o qual transformará o nosso corpo de humilhação, para ser igual ao corpo da sua glória, segundo a eficácia do poder que ele tem de até subordinar a si todas as coisas” (Fp 3.20,21). Desse modo, a morte, seja em uma tragédia, seja em uma cama confortável, sempre leva o crente à presença maravilhosa do Senhor. O cristão não teme a morte, pois seu segundo estado é sempre melhor que o primeiro, pelo que é verdadeiro o texto que diz que “preciosa é aos olhos do Senhor a morte dos seus santos” (Sl 116.15). Paulo concordava com isso e declarava seu “desejo de partir e estar com Cristo, o que é incomparavelmente melhor” (Fp 1.23).

c)       Convite de conversão aos incrédulos. Um evento de natureza catastrófica costuma assustar muito os homem e fazer temer aqueles que não têm a paz que vem da certeza da salvação e da vida eterna. Nesses momentos, é muito comum homens e mulheres refletirem sobre a transitoriedade da vida humana e sobre a necessidade de se buscar um abrigo seguro que os proteja, não dos efeitos das catástrofes, mas dos efeitos da morte. Desse modo, muita gente é chamada por Deus à salvação em Cristo por meio de situações catastróficas. As igrejas e as agências missionárias, sabendo disso, sempre se empenham por divulgar a mensagem de Cristo aos sobreviventes de tragédias como as do Japão, do Haiti e de Petrópolis (RJ). Um exemplo da oportunidade evangelística em uma crise é o do terremoto de Filipos promovido pelo Senhor para aliviar Paulo e Silas. O carcereiro de Filipos, vendo as celas abertas depois de um terremoto, intentou tirar sua vida. Foi quando ele ouviu a mensagem do evangelho e foi salvo por Cristo: “De repente, sobreveio tamanho terremoto, que sacudiu os alicerces da prisão, abriram-se todas as portas, e soltaram-se as cadeias de todos. O carcereiro despertou do sono e, vendo abertas as portas do cárcere, puxando da espada, ia suicidar-se, supondo que os presos tivessem fugido. Mas Paulo bradou em alta voz: Não te faças nenhum mal, que todos aqui estamos! Depois, trazendo-os para fora, disse: Senhores, que devo fazer para que seja salvo? Responderam-lhe: Crê no Senhor Jesus e serás salvo, tu e tua casa. E lhe pregaram a palavra de Deus e a todos os de sua casa” (At 16.26-28,30-32).

d)       Punição de homens rebeldes. Tragédias também podem servir a propósitos punitivos do Senhor em relação a homens que se mantêm rebeldes à sua Palavra e distantes da sua santidade. Basta olhar para a rebelião no meio de Israel liderada por Corá, Datã e Abirão (Nm 16). Deus resolveu a questão punindo os rebeldes. O modo da punição foi um tremor de terra que engoliu os homens a quem o Senhor abateu: “E aconteceu que, acabando ele de falar todas estas palavras, a terra debaixo deles se fendeu, abriu a sua boca e os tragou com as suas casas, como também todos os homens que pertenciam a Corá e todos os seus bens. Eles e todos os que lhes pertenciam desceram vivos ao abismo; a terra os cobriu, e pereceram do meio da congregação” (Nm 16.31-33).

e)       Sinais dos tempos. Jesus utilizou essa expressão (Mt 16.3) para dizer que alguns eventos, como sua ressurreição, apontam para a veracidade da revelação e para o progresso do curso da história em direção aos eventos escatológicos. Antes desses dias, disse Jesus, muitas coisas deveriam acontecer, incluindo tragédias: “E, certamente, ouvireis falar de guerras e rumores de guerras; vede, não vos assusteis, porque é necessário assim acontecer, mas ainda não é o fim. Porquanto se levantará nação contra nação, reino contra reino, e haverá fomes e terremotos em vários lugares” (Mt 24.6,7).

‘Deus não conhece o futuro’

A fim de complementar a tese da total liberdade do homem, o teísmo aberto também afirma que Deus desconhece o futuro. Segundo essa visão, Deus fica tão surpreso quanto os homens quando algo inesperado acontece. E não se trata apenas de grandes eventos como uma catástrofe natural, mas, também, de eventos corriqueiros como uma partida de futebol, à qual Deus tem de aguardar o término a fim de conhecer o placar final.

É claro que esse pensamento não é derivado das Escrituras.. Toda a Bíblia aponta em outro sentido e apresenta o Senhor como Deus “onisciente”.. Ele sabe tudo que acontecerá e programou previamente tudo que fará: “Desde o princípio anuncio o que há de acontecer e desde a antiguidade, as coisas que ainda não sucederam; que digo: o meu conselho permanecerá de pé, farei toda a minha vontade” (Is 46.10). Para que não haja enfado na apresentação das provas bíblicas da onisciência de Deus, cinco exemplos básicos do seu conhecimento prévio dos acontecimentos são capazes de provar aquilo que é inquestionável..

a)       A fome nos dias de José. Deus deu um sonho a Faraó e somente José foi capaz de interpretá-lo. Ele anunciava previamente algo que aconteceria nos próximos catorze anos. Seriam sete anos de fartura e de boas colheitas, seguido por sete anos de fome. O anúncio prévio do Senhor sobre algo que ainda não tinha ocorrido foi justamente o que salvou toda a região da fome e preservou a família de Jacó de perecer. Ao revelar o sonho, José disse que “Deus manifestou a Faraó o que há de fazer” (Gn 41.25b).

b)       Estátua de Nabucodonosor. Nabucodonosor também teve um sonho: uma estátua feita de diversos materiais. Daniel, recebendo de Deus o significado do sonho, revelou ao rei que cada material, começando pela cabeça e seguindo em direção aos pés, eram reinos do mundo. O primeiro deles era a própria Babilônia, à qual Nabucodonosor comandava. Ao longo da história, os reinos se sucederiam até que uma pedra vinda dos céus os destruiria a todos. Essa profecia, que prevê os rumos do mundo desde o tempo de Nabucodonosor até a volta de Cristo, é tão impressionante e precisa, que teólogos liberais se negam a acreditar que tenha sido escrita nos dias de Daniel (século 6 a.C.). Tais teólogos propõem que ela data do século 1 ou 2 a.C.. e que foi mascarado como se fosse de época bem mais antiga. A precisão da profecia fez o liberalismo teológico considerar tal predição um vaticinium ex eventum, ou seja, uma profecia feita depois do ocorrido. Essa falácia não resiste à verdade. A verdade é que Deus conhecia e fez saber os rumos da política internacional desde aqueles dias até o fim da nossa era, pelo que Daniel disse ao rei: “Aquele, pois, que revela mistérios te revelou o que há de ser” (Dn 2.29b).

c)       A destruição do altar pagão por Josias. Depois da divisão de Israel em dois reinos (931 a.C.), Jeroboão construiu no reino do Norte dois altares, um em Dã e outro em Betel. Um profeta de Judá foi enviado por Deus a Betel, onde Jeroboão oferecia sacrifícios no altar. Disse o profeta: “Altar, altar! Assim diz o Senhor: Eis que um filho nascerá à casa de Davi, cujo nome será Josias, o qual sacrificará sobre ti os sacerdotes dos altos que queimam sobre ti incenso, e ossos humanos se queimarão sobre ti” (1Rs 13.2). Essa predição, como nome e sobrenome – Josias, da casa de Davi – foi feita na segunda metade do século 10 a.C. Seu cumprimento, exatamente pelo rei Josias, descendente do rei Davi, se deu perfeitamente, como previsto, na segunda metade do século 7 a.C., cerca de trezentos anos depois, conforme revela a seguinte narrativa: “Olhando Josias ao seu redor, viu as sepulturas que estavam ali no monte; mandou tirar delas os ossos, e os queimou sobre o altar, e assim o profanou, segundo a palavra do Senhor, que apregoara o homem de Deus que havia anunciado estas coisas” (2Rs 23.16).

d)       A subjugação da Babilônia por Ciro. O Senhor determinou que a Babilônia dominaria os reinos, mas veria logo seu ocaso – o que ocorreu em 539 a.C. com a queda da Babilônia. Como veículo da destruição do império babilônico, Deus anunciou, por meio do profeta Isaías, quem seria o algoz do império caldeu, dizendo: “Assim diz o Senhor ao seu ungido, a Ciro, a quem tomo pela mão direita, para abater as nações ante a sua face, e para descingir os lombos dos reis, e para abrir diante dele as portas, que não se fecharão” (Is 45.1). Ainda que alguém possa dizer que essa declaração não passou de um “bom palpite” de Deus, outra declaração foi feita de modo a descrever, com precisão, a atuação do líder medo-persa: “O Senhor amou a Ciro e executará a sua vontade contra a Babilônia, e o seu braço será contra os caldeus” (Is 48.14b cf. Es 1.1). Essas palavras foram registradas no final do século 8 a.C. e se cumpriram na segunda metade do século 6 a.C., exatamente como predito por aquele que tudo conhece..

e)       Os eventos do Apocalipse. Cerca de um quarto das Escrituras são profecias, das quais boa parte trata de coisas que ainda não aconteceram. Tanto o livro do Apocalipse, como profecias do Antigo e do Novo Testamento, apontam para eventos futuros que preveem o juízo de Deus sobre o mundo, conversão e perseguição de israelitas e de gentios crentes, o domínio do anticristo por certo tempo, o retorno de Jesus vencendo os ímpios e promovendo julgamentos, a restauração de Israel na terra prometida a Abraão, a entronização do rei prometido a Davi, a produção de um novo coração nos israelitas como prometido por Jeremias e, ao final de tudo, um novo céu e uma nova terra. Deus anunciou todas essas coisas ao seu povo a fim de lhes dar segurança da vitória e consolo nas tribulações. Nada disso seria possível caso fosse verdadeira a tese de que Deus não conhece o futuro.. Na verdade, toda a Escritura seria falsa e perderia o valor. A igreja de Deus nem sequer saberia o que é “esperança”. O máximo que poderia acontecer seria Deus fazer previsões que não poderia cumprir, torcendo para darem certo. Na verdade, esse pensamento é tão absurdo como contrário ao cristianismo. Para o escritor bíblico, a certeza de que as promessas de Deus se cumprirão é a marca da fé cristã genuína: “Ora, a fé é a certeza de coisas que se esperam, a convicção de fatos que se não veem [...] Todos estes morreram na fé, sem ter obtido as promessas; vendo-as, porém, de longe, e saudando-as, e confessando que eram estrangeiros e peregrinos sobre a terra (Hb 11.1,13).

‘Ou Deus controla tudo ou ele ama’

A conclusão a que o teísmo aberto chega, que obviamente necessita de análise e resposta, é que “o controle não combina com o amor”.. A tese é que, “se Deus ama de verdade, não controla as pessoas”.. Em defesa de tal tese são ditas frases fortes como: “Um Deus que tem propósito pra tudo, inclusive para o mal, é réu confesso! E a pena deveria ser a morte! Um Deus que tem propósito na miséria humana, na violência, na dor, é, na verdade, um diabo!”.

Mais uma vez, não é da Bíblia que vêm tais pensamentos. Nas Escrituras, o amor de Deus não é demonstrado por meio da ausência de controle, mas:

a)       Pelo sacrifício de Jesus em lugar do pecador.. Para promover uma profunda mudança na vida de pecadores perdidos, mortos em seus pecados (Ef 2.1), o amor de Deus se revelou enviando seu Filho para morrer por pessoas que nem mereciam, nem queriam ser alvos de tal benefício. A isso a Bíblia chama de amor: “Nisto consiste o amor: não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou e enviou o seu Filho como propiciação pelos nossos pecados” (1Jo 4.10).

b)       Por um controle que livra o redimido da escravidão do pecado e o submete a Cristo. O amor de Deus não dá livre curso à vontade do homem porque essa, depois da queda, se tornou má (Ec 7.29; Rm 3.10-12), seu entendimento ficou corrompido (2Co 4.3,4) e ele passou a ser dominado por satanás (Ef 2.2). Não há liberdade na vida do perdido; apenas escravidão (Rm 7.14). A atuação amorosa de Deus liberta os pecadores dessa condição, livrando-os da morte e do pecado (Rm 8.2), mas sem deixá-los sem um Senhor. A liberdade dada por Deus é a liberdade para servi-lo. Deixamos de servir o pecado para servir a Cristo, pelo que diz o apóstolo: “Porque o que foi chamado no Senhor, sendo escravo, é liberto do Senhor; semelhantemente, o que foi chamado, sendo livre, é escravo de Cristo” (1Co 7.22 cf. Rm 6.18,22). Na Bíblia, a liberdade cristã não é “ausência de um senhor”, mas a “submissão ao Senhor correto” – o Senhor Jesus Cristo.

Esse controle salutar do Pai celestial sobre os filhos redimidos é prova de amor e garantia de felicidade. Até as correções do Senhor, prova contundente do seu controle, são evidências marcantes do seu amor pela igreja: “Porque o Senhor corrige a quem ama e açoita a todo filho a quem recebe” (Hb 12.6). Essa lógica não é apenas divina. A falácia do teísmo aberto é destruída até mesmo no trato dos pais humanos com seus filhos. Jesus perguntou, certa vez: “Ou qual dentre vós é o homem que, se porventura o filho lhe pedir pão, lhe dará pedra? Ou, se lhe pedir um peixe, lhe dará uma cobra?”(Mt 7.9,10).. O óbvio é que os pais não dão plena liberdade aos seus filhos, nem deixam que todos os seus desejos se cumpram. Fazem isso por maldade? Ao contrário! Fazem-no por amor, a fim de garantir o bem dos filhos. Desse modo, “controlar para produzir segurança e um fim proveitoso é prova de verdadeiro e leal amor”.

Por isso, a atitude correta dos cristãos diante do Pai eterno não é a de buscar liberdade do seu controle, mas se submeter a ele, como revelam as orações dos escritores neotestamentários: “Pois espero permanecer convosco algum tempo, se o Senhor o permitir” (1Co 16.7 destaque meu); “Isso faremos, se Deus permitir” (Hb 6.3 destaque meu).

Conclusão

Ao final dessa reflexão, algumas conclusões são bem claras:

a)       Apesar da tristeza e dos sofrimentos produzidos por uma catástrofe como a do Japão, a verdade é que nada acontece sem que Deus tenha planejado e efetuado. Seus propósitos são cumpridos nesses eventos e nos demais a fim de glorificar seu nome, edificar a igreja, chamar perdidos ao arrependimento, punir o pecado e anunciar o retorno de Cristo. Em tudo, inclusive nos eventos tristes que não compreendemos, a vontade de Deus é “sempre boa, perfeita e agradável” (Rm 12.2).
b)       O teísmo aberto é expressão de uma visão aversa às Escrituras.. Suas fontes comumente citadas – ateus que se dedicaram a atacar a credibilidade das Escrituras como Nietzsche, Sartre e Espinoza – não são confiáveis para a verdadeira igreja de Cristo, nem lhe trazem nada de salutar, nem tampouco conseguem anular a validade e a veracidade da Palavra de Deus..
c)       O “deus” proposto pelo teísmo aberto, um simulacro do homem, realmente é “outro deus” como a própria posição propõe. Trata-se de um deus estranho às Escrituras, estranho ao povo redimido por Cristo e estranho ao Deus eterno, Todo-poderoso, aquele que conhece todas as coisas e que controla tudo que acontece para o bem “daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito” (Rm 8.28 – destaque meu).

Pr. Thomas Tronco