sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Sabor Cereja

Todas as pessoas que me conhecem ou leem os textos que escrevo sabem do meu inconformismo com os desvios que os evangélicos praticam. Realmente sou um crente indignado. E persevero na minha indignação. Aliás, como poderia deixar de ser assim? Para onde quer a gente se volte só se veem atrocidades sendo feitas em nome de Jesus por pessoas que dizem ser crentes!

Recentemente, assisti a dois vídeos que excitaram ainda mais a chama da minha zanga. No primeiro, um golpista que se apresentava como pastor fazia adivinhações sobre a vida pessoal de alguns membros do seu auditório. Ele “revelava” o nome completo das vítimas, a data e local do seu nascimento, além dos nomes de alguns familiares. Depois de fazer isso acrescentava uma “mensagem de Deus” para a vida daquela pessoa, afirmando que ela teria vitórias, seria usada na obra do Senhor e blá-blá-blá. Quando ele não tinha muito que dizer, começava a falar em línguas, algo mais ou menos assim: Saramantcho serranaga balassuia. Entendeu?

Os coitados sobre quem o pastor fazia essas adivinhações rompiam em prantos, dando glórias a Deus, cheios de alegria e emoção. Era lindo, até descobrirem que todas as “revelações” do pastor vinham do Orkut, um site de relacionamentos em que é possível obter, com um simples clique, dezenas de informações sobre qualquer pessoa inscrita nessa rede.

O segundo vídeo a que assisti mostrava um batismo realizado numa dessas igrejas moderninhas que de vez em quando aparecem por aí sugerindo ingenuamente que compõem a vanguarda do evangelicalismo e alegando que são donos de uma mente aberta, prontas a adotar linguagem e métodos heterodoxos, do tipo que os crentes quadradões jamais aceitariam. Apesar de esse discurso já ter-se tornado velho, repetitivo e monótono, ainda existem “igrejecas” que baseiam nele suas práticas estapafúrdias. Tudo bem... O que quero destacar é outra coisa. Quero destacar o batismo que o vídeo mostrava. Nele, os candidatos se posicionavam no alto de um toboágua e, depois que o “pastor” dava a voz de comando, o grupo descia escorregando e gritando (Uhuuu!) até cair na piscina lá embaixo.

Confesso que nunca vi uma banalização tão grande da santa ordenança de Jesus. Sem querer exagerar, creio que nem mesmo os satanistas, em suas constantes tentativas de ultrajar o cristianismo, foram capazes de tamanha afronta! Impressionou-me não só a vulgarização do batismo, mas o grau de ignorância doutrinária dos líderes daquela igreja, responsáveis por uma prática tão irreverente. Ao que tudo indica, eles não sabem nada sobre a “doutrina de batismos” de que fala o autor de Hebreus (Hb 6.2), sendo incapazes de definir esse rito, seus requisitos e significado. E o problema vai além, pois, se os professores são ignorantes, que conhecimento pode-se esperar dos alunos? Se o mestre relincha e zurra, que som os discípulos emitirão?

Coisas desse tipo têm se multiplicado por aí prejudicando a apresentação do evangelho verdadeiro. Sim, pois o povo sem Deus, acostumado com tanta estupidez, acaba acreditando que o cristianismo é assim, esse emaranhado de mentiras e loucuras que nossos olhos se habituaram a ver.

Um amigo meu, crente sério da Igreja Batista da Graça, em São José dos Campos (SP), ilustra bem essa situação. Ele conta que, quando era criança, gostava de beber suco de cereja artificial (aqueles sucos em pó) nas festas de aniversário dos amiguinhos. Mais tarde, já crescido, viu cereja de verdade no mercado e comprou uma caixinha pra reviver o gostinho dos antigos aniversários. Quando, porém, provou a primeira fruta, sentenciou: “Isso não é cereja!” Ele estava tão acostumado com o gosto da cereja falsa que, quando provou a verdadeira, pensou que tinha sido vítima de uma fraude! Meu amigo diz que o mesmo tem acontecido com as pessoas que vivem provando o cristianismo artificial dos picaretas e dos toboáguas. Quando, afinal, elas têm contato com a mensagem pura de Jesus ou com uma igreja verdadeiramente bíblica, vão logo fazendo careta e dizem: “Isso não é cristianismo”.

Meu amigo está certo. E eu aproveito a ilustração dele para suplicar a Deus que, no novo ano que se inicia, ele continue a preservar o gosto refinado do seu povo pelo genuíno leite espiritual (1Pe 2.2), sem se deixar atrair pelo sabor artificial do evangelho aguado e cheio de corantes que pregam por aí. Sim, pois em matéria de fé, é preciso se alimentar somente da cerejeira que o próprio Deus plantou e não do pozinho barato que os enganadores vendem no vasto mercado das crendices populares.

Pr. Marcos Granconato
Soli Deo gloria 

Ações que nos Levam a Agradecer

Li, certa vez, sobre um capelão do Exército americano chamado Clark Vandersall Poling, ex-aluno da Yale Divinity School. Em 3 de fevereiro de 1943, em meio à Segunda Gerra Mundial, ele estava a bordo do navio cargueiro U.S.S. Dorchester, que transportava mais de novecentos homens, quando sofreu um ataque de torpedos. Era madrugada e eles estavam no mar gelado cheio de icebergs. Vinte e cinco minutos foram suficientes para afundar o navio e lançar no mar da magrugada fria os quase mil homens. A contagem de mortos foi de 678 homens – mais de dois terços do total. Entre eles havia quatro capelães, incluindo Clark Poling. Relatos dão conta de que os quatro cederam a outros os seus coletes salva-vidas e foram vistos pela última vez de mãos dadas orando pela segurança dos soldados. Tal atitude de bravura e abnegação fez com que os quatro capelães tivessem seus nomes e rostos estampados em selos, placas comemorativas, pinturas, vitrais e até em um monumento em homenagem a eles.

Atitudes como as desses capelães são lembradas e recontadas muitas vezes, muito tempo depois de acontecerem. Geram um misto de sentimentos nas pessoas como admiração, tristeza e agradecimento. A guerra, em meio às suas atrocidades, consegue destacar atitudes heróicas e desprendidas de homens que, mesmo mortos, dão bons exemplos e encorajam outros a darem o melhor de si. Por isso, nos muitos documentários que li e vi em vídeos, percebi que algo se repete como um eco. Muitos guerreiros, de volta às suas casas, costumam dizer duas coisas: a primeira é que “os verdadeiros heróis são aqueles que morreram nos campos de batalha”; a segunda é que são gratos a alguém que fez algo incrível por eles, às vezes dando a própria vida para salvá-los.

O rei Davi também era grato por ações de outro nas batalhas, a saber, ao próprio Deus. O Salmo 21 é um cântico de gratidão por ações ainda mais eficazes que as dos heróis guerreiros. Davi demonstra uma alegria contagiante ao lembrar o que Deus fez por ele. Por isso, o salmista inicia (v.1) seu cântico dizendo: “Senhor, o rei se regozija no teu poder e quão grande é a alegria no teu livramento!” (yehwâ be‘azzeka ismah-melek ûbîshû‘ateka mah-yageyl me’od). O rei em questão é o próprio salmista que, curiosamente, se refere a si mesmo na terceira pessoa (ele) por todo o salmo. Quanto à sua exultação, ela tem motivos bem definidos. Há, nesse salmo, pelo menos cinco ações de Deus que costumam produzir louvores nos seus servos.

A primeira delas é atender as orações. Davi diz (v.2) a Deus: “Concedeste-lhe os desejos do seu coração” (ta’awat livvô natattâ lô). Esse tipo de linguagem quase sempre está ligado não apenas aos desejos do servo, mas à sua oração por eles. É o caso desse exemplo. O salmista não apenas tem necessidades, mas pede a Deus que intervenha nelas. O pranto se torna riso quando Deus, não alheio à condição e aflição do servo, ouve a súplica do rei e a atende. A exultação de Davi está, portanto, no fato de o Senhor ter respondido seu pedido. Por isso escreve: “E não negaste o pedido dos seus lábios” (wa’areshet sefatayw bal-mana‘ta).

A segunda é agir com bondade. A palavra “pois” (), no início do v.3, demonstra que o que ele vai dizer a seguir está relacionado com o que já afirmou no verso anterior. É uma explicação que associa a resposta de Deus com sua bondade. O texto traz: “Pois leva-lhe bênçãos de bondade” (kî-teqaddemennû birkôt tov). É a ideia de alguém que deixa seu conforto para “sair ao encontro” de outro a fim de, especificamente, entregar-lhe coisas boas que são fruto de um coração benigno e amoroso. Não é de espantar que Davi, diante do Senhor dos senhores, que de ninguém precisa, fique alegre a agradecido por vê-lo agir desse modo. A visão da bondade de Deus se perfaz no resultado da ação: “Colocas sobre a sua cabeça uma coroa de ouro refinado” (tashit lero’shô ‘ateret paz). Esse é o vislumbre da vitória de Davi sobre seus inimigos e o reconhecimento público da sua entronização sobre Israel, tudo isso efetivado pelo Senhor.

A terceira ação é produzir alegria. Depois de os vv.4,5 corroborarem a visão das benesses de Deus sobre o rei, o v.6 explica que as “bênçãos de bondade” não foram dadas de modo transitório. Davi está extasiado diante do Senhor “pois lhe preparaste bênçãos perpétuas” (kî-teshitehû berakôt la‘ad). “Bênçãos sem fim” também é uma tradução possível para a expressão usada pelo salmista. Deus não foi parcimonioso com seu servo. Resolveu abençoá-lo e nada vai mudar tal desejo ou a aplicação da soberania divina. O resultado de uma ação desse porte é a resposta alegre de Davi. Na verdade, as bênçãos de Deus aqui descritas produzem, por si só, tal alegria. Portanto, Davi completa: “Encheste-lhe de alegria com a tua presença” (tehaddehû besimhâ ’et-paneyka).

A quarta ação de Deus que gera louvores é fortalecer os servos. Sempre que se fala de Davi, seja como rei, seja como salmista, seja como refugiado, precisa-se apontar sua constância como servo de Deus. Ele não era uma pessoa que agia de um modo quando tudo ia bem e de outro quando as coisas ficavam difíceis. Sua constância estava embasada na constância e na bondade do próprio Deus em quem esperava. Por isso, proclama o salmista (v.7): “O rei, pois, é alguém que confia no Senhor” (kî-hammelek boteah bayhwâ). Se isso é realidade enquanto escreve o salmo, sabe ele que também o será no futuro, pois acrescenta: “E com a fidelidade do Altíssimo ele não falhará” (ûbehesed ‘eleliôn bal-yimmôt).

Por fim, a quinta ação é vencer o mal. A confiança de Davi não é sem razão. Depois de andar toda sua vida na presença de Deus, aprendeu sobre o modo de ele agir contra aqueles que lhe são contrários. Assim, os inimigos de Deus, que também eram inimigos do seu servo, seriam alvo da mão punitiva do reto juiz. Na certeza de que mais uma vez tal seria a ação de Deus em seu favor, Davi se alegra desde já dizendo (v.8): “A tua mão cairá sobre todos quantos lhe são hostis; a tua destra atingirá aqueles que te odeiam” (timtsa’ yodkâ lekal-’oyebyeka yemîneka timtsa’ sone’eyka). Assim, tantos os “maus” como o “mal” que produzem encontrarão um fim nas mãos punitivas do santo Deus.

Não é pouco o que fez o Senhor por Davi para produzir nele todo o louvor e gratidão demonstrados nesse salmo. Na verdade, nem é pouco o que o Senhor tem feito pelos seus servos, incluindo a nós mesmos. O problema, muitas vezes, longe de estar nas mãos do Senhor, está nos olhos dos servos que deixam passar despercebidas atuações divinas tão grandiosas como essas. Quando os olhos dos servos, desprovidos de confiança e esperança, voltam-se apenas para as circunstâncias e dificuldades da vida e se afastam da bondade do Soberano, a benesse do Senhor não é notada. Isso cria crentes lamuriosos e descontentes.

Contudo, basta notar o que Deus tem feito e sido para seu povo. Basta ver o modo como responde suas orações, como age com bondade para com eles, a alegria que sua presença lhes causa quando mantêm comunhão, o modo como os fortalece e como os livra do mal. Essa observação produzirá, certamente, em todos nós que já entregamos a vida a Cristo e que pertencemos ao Senhor da igreja, a mesma conclusão (v.13) com a qual Davi encerrou o Salmo 21: “Cantemos e façamos músicas sobre a tua força” (nashîrâ ûnezammerâ gebûrateka). Em outras palavras, “louvemos e sejamos gratos ao nosso santo Deus”.

Pr. Thomas Tronco

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Anselmo e a Necessidade do Natal

Chegamos novamente no Natal e, mesmo com as tentativas do mundo de colocar o Papai Noel como personagem central do mês de dezembro, muita gente ainda se recorda que, na verdade, é a encarnação do Verbo divino que celebramos nesta época do ano. Por isso, fatalmente, ouvimos comentários de pessoas (geralmente as religiosas) explicando o porquê de Cristo ter vindo ao mundo. E podem conferir: a repisada explicação é que Jesus nasceu para nos dar um bom exemplo de vida.

Isso, porém, é só parcialmente verdade. O motivo principal pelo qual Cristo veio aqui é bem outro e, como seria de se esperar, os teólogos do passado perceberam esse fato claramente. Dentre eles o que mais impressiona, pelo menos a mim, é Anselmo de Canterbury (1033-1109).

Anselmo nasceu em Aosta, na Itália e, desde a infância era muito religioso. Aos 27 anos foi estudar no mosteiro de Bec, na Normandia (França), onde, em 1078, se tornou abade. Mais tarde, em 1093, Anselmo foi nomeado arcebispo de Canterbury, no Sul da Inglaterra. Ocupando esse cargo, ele lutou contra a simonia, o nicolaísmo e a interferência do Estado na vida da igreja. Por isso, Anselmo foi exilado duas vezes (1097-1100 e 1103-1107).

A obra literária do bispo de Canterbury marcou indelevelmente o pensamento cristão ocidental. Ele escreveu o Monologion (1076) e o Proslogion (1078), dois livros de teologia filosófica. A obra, porém, em que tratou da necessidade da encarnação do Verbo foi Cur Deus homo? (Por que Deus se fez homem?), escrito entre 1094 e 1098. Para Anselmo, Cristo se fez carne a fim de tornar possível a expiação e, assim, satisfazer as justas exigências de Deus relativas ao pecado humano.

O ponto de partida de Anselmo na exposição de sua tese é que “a satisfação deve ser proporcional ao pecado”. Então, ele segue afirmando que o pecado contra Deus é tão grave que o homem, em suas evidentes limitações, não pode, de si mesmo, prover essa satisfação. Anselmo vai além e diz que “... ninguém pode prestar essa satisfação exceto Deus mesmo.”

É nesse ponto que surge um impasse cuja solução parece impossível: a culpa do homem é tão grande que só Deus pode prover a satisfação para ela. Porém, ninguém deve fazê-lo senão o homem, já que a culpa pertence exclusivamente a ele. Percebe-se, assim, pelo raciocínio do bispo de Canterbury, que, no tocante à culpa do pecado humano, só Deus pode pagá-la, mas, para que haja justiça, somente o homem deve pagá-la. Como solucionar esse problema de tal modo que o ser humano se livre da culpa sem que Deus ponha sua justiça de lado?

A solução está em Cristo. Anselmo afirma: “... se só Deus pode e só o homem deve fazer essa satisfação, então necessariamente deve fazê-lo quem seja ao mesmo tempo Deus e Homem.” Eis aí a necessidade do Natal, o motivo pelo qual Cristo se encarnou, fazendo-se verdadeiramente homem, sem deixar sua natureza divina. De fato, ele nasceu em Belém para poder satisfazer a culpa decorrente do pecado humano (Rm 3.25-26; 8.3). Por isso, o Natal é tão importante para os cristãos de verdade. Nele se comemora não somente o nascimento do fundador do cristianismo, mas também o dia em que foi dada solução para o problema horrível do pecado e veio à luz a única Pessoa que podia, por sua plena divindade e real humanidade, pagar a dívida infinita do homem finito.

Pr. Marcos Granconato
Soli Deo gloria

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Tempo de Oração em Tempos de Crise

Duas histórias me marcaram dias atrás, ambas relacionadas com a prática da oração. A primeira delas é sobre Martinho Lutero. Dizem os estudiosos que Lutero foi um homem dedicado ao extremo à obra de Deus. Incansavelmente, desde o raiar do dia, ele investia horas a fio no estudo, tradução e comentários teológicos, produzindo um vasto material e um grande legado. Apesar de tantas obrigações autoimpostas, Lutero passava uma ou duas horas do dia orando. Curiosa mesmo era sua explicação para orar tanto tempo: “Eu oro muito porque tenho muita coisa para fazer”.

A segunda história tem como pano de fundo as atividades de uma comissão eclesiástica para a contratação de um pastor. Enquanto a comissão examinava o candidato sobre suas posições teológicas e sua experiência administrativa, uma senhora piedosa o interrogou a respeito de quanto tempo ele gastava em oração. Um silêncio profundo foi sentido até que outro membro da comissão explicou que o pastor, antes de pregar, dirigiu a igreja em oração por cerca de quatro minutos. A gentil senhora então explicou: “Não foi isso o que eu quis dizer. Eu quero saber quanto o senhor ora pela igreja, pelos membros e por você mesmo em seu tempo devocional”.

Essas duas histórias chamaram minha atenção, pois falam da oração feita em momentos em que se imagina que ela consome tempo e esforço necessários para tarefas “mais importantes”. As duas histórias nos lembram como esse conceito é falso e quanto a oração é necessária, inclusive – se não “principalmente” –, nos momentos mais atarefados e difíceis da vida.

O rei Davi é um bom exemplo, no Salmo 20, de priorização da oração em momentos difíceis. Ao que tudo indica, ele vivenciava a iminência de uma guerra. A batalha se aproximava e todos os preparativos deviam ser feitos: o deslocamento das tropas, a preparação das armas, a instrução dos comandantes, a organização das provisões, o encorajamento dos soldados e muitas outras tarefas imprescindíveis para enfrentar militarmente um inimigo. Tudo isso leva tempo e dá muito trabalho. Na verdade, exige empenho total, principalmente por parte do comandante nesse caso, o rei.

É nesse momento tão atarefado que Davi encontra tempo para orar, ou melhor, ele prioriza a oração. E não somente para ele, mas para todo o povo. O Salmo 20 é uma composição a fim de os israelitas se dirigirem a Deus em oração pedindo suas bênçãos sobre o exército e clamando por vitória para seu rei. O mesmo salmo parece servir como veículo para levar o povo da terra e os soldados a atitudes corretas diante de Deus a fim de, com a verdade em mente, cumprir cada um seu papel em consonância com a vontade do Senhor. Pelo menos três atitudes são incentivadas por Davi por meio do salmo que deveria ser repetido, em espírito de oração, pelo povo.

A primeira delas é a petição. O salmo inicia com o povo orando pelo rei (v.1): “Que o Senhor te atenda no dia perigoso. Que o nome do Deus de Jacó te defenda” (ya‘anka yehwâ beyôm tsarâ yesaggevka shem ’elohê ya‘aqov). Como o rei Davi lutou com o exército e o liderou no campo de batalha por boa parte da sua vida, o povo clama a Deus que lhe dê proteção diante do perigo de ser ferido na luta e para ser mantido seguro. A ideia é ser colocado em um lugar alto, como um pequeno filhote, para os predadores não o alcançarem. Apesar de haver um exército para proteger o rei, sem falar na sua guarda pessoal, o povo clama por um auxílio que vem de outra fonte que não soldados e generais. O pedido é (v.2): “Que envie ajuda para ti do santuário e de Sião te sustente” (yishlah-‘ezreka miqqodesh ûmitsîyôn yis‘adeka). A fonte da ajuda a Davi deveria vir do “santuário” e do “monte Sião”, ambos localizados em Jerusalém. Na verdade, essa é uma figura de linguagem para se referir àquele que era adorado no santuário e em Sião. É o Senhor Deus a fonte da proteção do seu servo na batalha. Esse tom de petição permanece até o final do salmo (v.9): “Preserve o rei, ó Senhor” (yehwâ hôshî‘â hammelek).

A segunda atitude é a submissão. Apesar de o desejo do povo, dos soldados e do próprio rei ser a vitória, sua petição se submete ao plano e ao desejo do Deus dos exércitos. Sua oração não age como se fosse um modo de convencer Deus a cumprir a vontade dos pedintes. Ao contrário, é um ato de confiança e de submissão àquele cuja vontade é boa (Rm 12.2) e cuja soberania é imbatível (Dn 4.35; Ef 1.11). Assim, eles oram (v.4): “Dê-lhe conforme o teu coração e cumpra todos os teus planos” (yitten-leka kilvaveka wekal-‘atsatka yemalle’). Essa é uma oração corajosa. Lógica também, pois se baseia na revelação das Escrituras de que Deus faz tudo conforme lhe apraz. Entretanto, é corajosa por abrir mão de decidir seu rumo confiando que os rumos do Senhor, coincidindo ou não com o dos solicitantes, são sempre os melhores. Portanto, não é uma coragem irresponsável, mas a confiança corajosa de quem conhece seu Senhor. Por isso, eles declaram (v.7): “Uns confiam nos carros e outros nos cavalos, mas nós invocaremos o nome do Senhor nosso Deus” (’elleh barekev we’elleh bassûsîm wa’anahnû beshem-yehwâ ’elohênû nazkîr).

A terceira é a gratidão. Mesmo parecendo extemporâneo, o povo, pela escrita de Davi, já fala de agradecimentos e louvores a Deus pela vitória. Devemos notar que não há aqui qualquer tipo de superstição do tipo “agradeça antes para que venha a acontecer”. O salmista conhece o modo de Deus agir nas situações da vida. Não era a primeira vez que Davi lutaria apoiado por Deus. Ele sabia como Deus o suportou no passado e como o sustentava agora. Portanto, depois de exibir confiança no Senhor, ele leva agora o povo a declarar sua gratidão a Deus e se preparar para louvá-lo na sequência da sua atuação em prol dos servos. Consequentemente, eles proclamam (v.5): “Celebremos nós pelo teu livramento e icemos a bandeira pelo nome do nosso Deus” (nerannenâ bîshû‘ateka ûbeshem-’elohênû nidgol).

Só então, depois de escrever um salmo, reunir o povo e levá-los a orar a Deus pedindo proteção e vitória para o rei e seu exército, é que os preparativos para a guerra encontram oportunidade de acontecer. A lição parece ter-se perpetuado, pois, Josafá mais de um século depois, ao receber a notícia de que três exércitos se aproximavam por um caminho inesperado e sem defesas (2Cr 20), estando a menos de um dia de Jerusalém , em lugar de se desesperar e correr atrás dos preparativos para a guerra, em primeiro lugar, se dobrou em oração perante o Senhor e levou o povo a fazer o mesmo (2Cr 20.3,4). O resultado foi uma vitória fantástica (2Cr 20.22-25).

Que exemplos como esses nos ensinem e nos motivem a buscar Deus, não apenas “apesar da falta de tempo”, mas, principalmente “por causa da falta de tempo”. Afinal, qual é o preparativo ou a providência que não vêm das mãos daquele que é soberano sobre tudo e que cuida com amor e zelo daqueles que lhe pertencem?

Pr. Thomas Tronco

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

A Inconsistência Científica da Doutrina da Pluralidade das Existências de Allan Kardec

Não é incomum a doutrina espírita ser acusada de racismo. Há inúmeros textos na Internet em que céticos, ateus ou membros de outros grupos religiosos acusam os proponentes do kardecismo de crime de racismo. Até mesmo os adeptos do kardecismo buscam seus doutrinadores para melhor entender a argumentação de Allan Kardec em relação à “pluralidade das existências”.

Em contrapartida, as organizações espíritas se defendem enfaticamente contra essas acusações por meio de de fóruns de discussão e de veiculação de dossiês da doutrina espírita que procuram provar que, de forma alguma, discriminam, destratam ou desrespeitam seres humanos de outras etnias, especialmente os afrodescendentes, um grande componente da miscigenação brasileira. [1]

Esse texto visa a um melhor entendimento dessas acusações e concentra sua discussão sobre a proposta de equalização humana por intermédio do alegado fenômeno conhecido como “reencarnação”. Visto que o fenômeno da reencarnação per si não pode ser adequadamente estudado cientificamente, usaremos as mesmas evidências objetivas e observáveis apontadas por Allan Kardec das quais inferiu a “veracidade” e “indispensabilidade” da reencarnação no processo de evolução humana.

Visto que a doutrina do kardecismo se define sob o tríplice fundamento “ciência, filosofia e religião” [2] e seu fundador, Allan Kardec, recorreu à ciência para inferir a “veracidade” de suas proposições, faremos o mesmo: usaremos o mesmo material argumentativo – a ciência – para análise crítica de suas ideias.

Em primeiro lugar, analisemos se a acusação de racismo contra a doutrina espírita é procedente. Para tanto, necessitamos conhecer a lei que define o crime de racismo. Segundo a nova redação dada pela Lei nº 9.459, de 13 de maio de 1997, da Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, Art. 1º, “serão punidos, na forma desta lei os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”. Em suma, é necessário que um fato jurídico seja cometido levando ao impedimento de acesso, participação ou privação de um local, cargo ou vaga pela justificativa racial, de cor, étnica, religiosa ou de procedência nacional. Um bom exemplo pode ser encontrado no Art. 5º: “Recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou comprador” sob pena de reclusão de um a três anos.

De conformidade com a lei, a Federação Espírita Brasileira não promove o racismo, pois o acesso às suas dependências e participação em sessões espíritas em todo o Brasil estão abertos à população sem qualquer discriminação racial, de cor, étnica, religiosa ou de nacionalidade. Sua atividade filantrópica também se encontra em conformidade com a lei segundo o Decreto nº 2.536/98, de 6 de abril de 1998, Art. 3º, § 1º: “O certificado de Entidade de Fins Filantrópicos somente será fornecido à entidade cuja prestação de serviços gratuitos seja permanente e sem qualquer discriminação de clientela, de acordo com o plano de trabalho de assistência social apresentado e aprovado pelo CNAS”. [2]

Ademais, o próprio Allan Kardec, por meio da publicação Revista espírita, de 1861, condena a prática do racismo: “(...) possam nossos irmãos futuros se lembrarem deste dia memorável em que os espíritas lioneses, dando o exemplo de união e de concórdia, colocaram, nesses novos banquetes os primeiros passos da aliança que existir entre os espíritas de todos os países do mundo; porque o espiritismo, restituindo ao espírito o seu verdadeiro papel na criação, constatando a superioridade da inteligência sobre a matéria, apaga naturalmente todas as distinções estabelecidas entre os homens segundo as vantagens corpóreas e mundanas, sobre as quais o orgulho fundou castas e os estúpidos preconceitos de cor. O espiritismo, alargando o círculo da família pela pluralidade das existências, estabelece entre os homens uma fraternidade mais racional do que aquela que não tem por base senão os frágeis laços da matéria, porque esses laços são perecíveis, ao passo que os do espírito são eternos. Esses laços, uma vez bem compreendidos, influirão pela força das coisas, sobre as relações sociais, e mais tarde sobre a legislação social, que tomará por base as leis imutáveis do amor e da caridade; então ver-se-á desaparecerem essas anomalias que chocam os homens de bom senso, como as leis da Idade Média chocam os homens de hoje (...)”. [4]

Entretanto, se, juridicamente, não há qualquer prova de que o kardecismo promova o racismo, por que tantas acusações?

Iniciemos, portanto, a apresentação dos excertos espíritas de Allan Kardec dos quais emanam as acusações de racismo. Todavia, não discutiremos se há ou não racismo em seus escritos (pois já vimos acima que não existe incitação para cometimento de fatos jurídicos ilícitos), mas se há ou não falácia científica que inviabilize a justificativa da doutrina da reencarnação.

Vejamos o primeiro excerto retirado do livro A gênese, de Allan Kardec, de janeiro de 1868. O realce em amarelo mostra que há nítida diferença entre as “raças” humanas, sendo que umas são mais inteligentes do que outras. Demonstra, também, que os “selvagens” (alusão aos descendentes africanos) e os chineses são “raças” menos inteligentes e, portanto, menos avançados que os europeus civilizados. Mas, como podemos perceber pelo realce em verde, Allan Kardec não incita o leitor ao racismo, mas o adverte a tratar seus “irmãos” menos evoluídos com respeito, pois são seres humanos que ainda chegarão ao seu nível de evolução, se o ponto de referência for um europeu civilizado, por exemplo. Aliás, como podemos perceber pelo texto de Kardec da Revista espírita (1861), “os estúpidos preconceitos de cor” apenas surgem quando somamos o conhecimento desse “real desequilíbrio racial” ao “orgulho”. [4]


 Outro excerto do livro O que é o espiritismo, de Allan Kardec, de 1859, aprofunda a discussão a respeito dos chineses do primeiro excerto. Nesse trecho, defende-se que um chinês que progrediu suficientemente não reencarnaria como um chinês, pois precisa ser alçado a uma encarnação entre um povo mais avançado. Ou seja, tão logo um chinês atingisse um nível satisfatório de progresso, ele não voltaria (reencarnaria) em seu povo atrasado, mas gozaria de uma encarnação em uma sociedade civilizada, como a europeia. Postula-se, portanto, que o avanço de uma nação provém da encarnação e da progressão acumulada de experiências prévias.


A mais famosa obra espírita em nosso meio é a primeira publicação dessa doutrina: Livro dos espíritos, escrito por Allan Kardec em 1857. Esse livro também explica o raciocínio espírita a respeito dos “selvagens”, ou seja, os descendentes africanos. Vemos, claramente, que os africanos foram privados dos “privilégios da raça caucásica” (realce em amarelo) e que, mesmo que sejam educados nas escolas europeias desde o seu nascimento, não terão a menor chance de se tornar proeminentes cientistas caucásicos como Pierre Simon Laplace ou Isaac Newton. Aliás, o autor, além de alegar que há diferenças intelectuais intransponíveis pela educação científica regular, atribui esse hermético sistema de castas intelectuais à “justiça de Deus” (realce em verde).


O livro A gênese cerceia ainda mais o potencial que um “selvagem” possui para executar obras dignas de “suspiros caucásicos”, como uma estátua de Fídias (célebre escultor da Grécia antiga – 490-430 a.C.).  Nota-se, abaixo, que uma obra humana não poderia provir de uma região habitada exclusivamente por selvagens, pois a inteligência de seus habitantes é incapaz de levá-los à criação à altura dos europeus civilizados.


Ainda no mesmo livro, Allan Kardec postula que o efeito da atividade intelectual pode modificar o envoltório orgânico, melhorando os corpos, geração após geração, promovendo uma nova espécie que, gradativamente, se afastaria do “tipo primitivo”. Todavia, harmonizando-se ao ensino evolucionista e partindo-se do pressuposto de que não existem transições bruscas na natureza (realce em rosa), o autor defende que nos dias de hoje ainda haveria pessoas muitíssimo semelhantes aos primatas e, por conseguinte, menos evoluídas intelecto e moralmente em relação aos europeus civilizados.

 
Diante dos textos acima, prolíficos apologetas espíritas, como Paulo da Silva Neto Sobrinho (articulista do Jornal Espírita, de O semeador e da revista Espiritismo & Ciência), propõem que, “quer goste ou não, existem pessoas mais inteligentes que outras, povos mais inteligentes que outros e raças mais inteligentes que outras, mas isso não quer dizer, como bem coloca Kardec, que isso será por toda a eternidade, pois o espírito, ao reencarnar, irá renascer nas mais evoluídas, num progresso sem fim, até a perfeição possível a um ser humano. Veja bem, se disséssemos que existe raça negra, não estaremos diante de uma afirmativa racista, é uma constatação do que a natureza produziu, em última instância Deus”. [5]

Em relação à doutrina da reencarnação, o apologeta defende que “o que Kardec diz é exatamente o contrário (...). Kardec demonstra claramente em seus esclarecimentos que certas diferenças existentes entre seres humanos não podem ser explicadas senão através da reencarnação. Único sistema em que todos os seres são iguais e recebem o mesmo tratamento por parte de Deus”. [5]

Expostos os principais textos sob análise, façamos a discussão dos dados a começar pela defesa mais completa (do apologeta espírita Paulo Neto) que encontrei contra a acusação de racismo (do apologeta católico Orlando Fedeli). [5,6]

É imprescindível ressaltar que a discriminação interindividual no último texto (ponto 16), do livro A gênese, não se refere à distinção genotípica, mas à distinção fenotípica. Ademais, o texto diz de maneira explícita que os “selvagens” (ou afrodescendentes) assemelham-se aos macacos ao passo que o homem caucásico distanciou-se desse estágio primitivo como um “ramo, que, por sua vez, se tornou tronco”.

Sobre esse trecho, encontramos a seguinte explicação apologética espírita de Paulo Neto [5]: “Quanto à questão de mal se distinguir dos macacos, devemos informar que na Academia Nacional de Ciências dos EUA, Goodman e sua equipe compararam 97 genes de humanos, chimpanzés, gorilas, orangotangos e outros macacos e descobriram que o grau de semelhança, nas regiões do DNA analisadas, é de 99,4% entre seres humanos e chimpanzés. Daí poder se afirmar que realmente a raça humana pouco difere da dos “macacos”. Por mais que isso venha a ferir o orgulho de alguns, essa é a realidade insofismável”.

Ainda que pervertêssemos a intenção autoral em relação à comparação fenotípica para a genotípica, o argumento usado acima não cumpre o seu propósito, pois o texto diz explicitamente que há diferenças entre as duas “raças”: a caucásica e a negróide. O texto utilizado pelo apologeta espírita para contra-argumentação, no entanto, não defende essa ideia (diferença entre as “raças”), mas diz que o ser humano – independentemente de sua raça – não se distingue tanto do macaco.

Aliás, o avançar das tecnologias, aliado à metodologia científica, minam cada vez mais o argumento de que os homens são muito parecidos com os primatas geneticamente. Os dados utilizados na justificativa espírita residem em estudos que utilizaram uma ínfima quantidade do código genético (“97 genes”) entre os seres humanos e os primatas avaliados. Hoje, sabe-se que o antigo argumento de que o DNA humano possui mais de 98% de similaridade com os primatas está equivocado [7]. Os métodos utilizados não perfizeram a avaliação qualitativa pormenorizada entre os genomas e ainda desconsideraram o “junk DNA” (DNA inútil) que, recentemente, foi descoberto não ser “inútil”, mas completamente necessário à vida humana [8]. Visto que temos a sequência genômica humana decodificada, os estudos de similaridade genética prosperaram, se multiplicaram e corroboram a tendência encontrada no estudo de Britten RJ, de 2002 [7]. No mesmo ano, 2002, um estudo publicado na revista Science avaliou 77.461 sequências de cromossomo artificial bacteriano de chimpanzés comparados ao sequenciamento genético humano. Demonstrou-se grande incompatibilidade entre os dois genomas. Os autores encontraram similaridade em apenas 48,6% da sequência de nucleotídeos. Apenas 4,8% do cromossomo humano Y teve similaridade em relação à sequência dos chimpanzés. Das 77.461 sequências genéticas de chimpanzé, 36.940 não puderam ser mapeadas (“matching”) no genoma humano. Aproximadamente 15 mil sequências que não obtiveram similaridade (“matching”) em relação ao genoma humano foram especuladas pelos autores como uma “correspondência a regiões humanas não sequenciadas ou são de regiões de chimpanzés que divergiram substancialmente dos humanos ou que simplesmente não possuem similaridade por razões desconhecidas [9].

O argumento da homologia genética carece de evidências científicas e está em declínio. Visto que o código do DNA é feito com base na sequência de quatro tipos de base – A (adenina), G (guanina), C (citosina) e T (tiamina) –, existem apenas quatro possibilidades de base para cada posição da sequência linear do DNA. Logo, duas sequências de DNA de espécies diferentes que não possuem qualquer potencial ancestral em comum serão, matematicamente, similares na taxa de 1:4 bases, quando comparadas. Ou seja, tomando-se aleatoriamente duas sequências de DNA de espécies não relacionadas, elas serão 25% idênticas. Consequentemente, uma sequência aleatória do DNA humano comparada a qualquer sequência de outra espécie de nosso planeta será, pelo menos, 25% idêntica. [10]

Ademais, o genoma de um pequeno “verme” (vide figura do nematelminto abaixo) chamado Caenorhabditis elegans foi sequenciado como um estudo tangencial ao projeto do genoma humano. Das sequências protéicas analisadas, pelo menos 83% do proteoma dessa espécie possui genes humanos homólogos. [11]

 Tradução da legenda: Pharynx (Faringe), Gut (intestino), Gonad (gônada), Eggs (ovos), Vulva (vulva).

Quanto às “raças”, como podemos ver abaixo, as diferenças “raciais” existentes entre dois seres humanos – caucasóide e negróide – são de apenas 0,012%. As diferenças inter ou intrarraciais também são iguais: 0,2%. Logo, a diferença entre Isaac Newton e Pierre Laplace contém, ironicamente, os mesmos 0,2% que existem entre Albert Einstein e Barack Obama.  Enfim, o conceito de que existem significativas diferenças genéticas entre as “raças” foi desmentido e, além disso, tanto um ser humano caucasóide como um negróide estão largamente distanciados dos primatas pelo critério da homologia genética. [12]

Traduação da legenda: No big difference (Nenhuma grande diferença), 0,2% difference between any two people (0,2% de diferença entre duas pessoas qualquer), “racial” characteristics difference (diferenças das características raciais).

Retomemos à crítica dos outros textos que utilizam as aparentes diferenças da intelectualidade das “raças” para inferências reencarnacionistas, visto ser nítido que Allan Kardec vincula a reencarnação à capacidade intelectual dos povos. Essa parte do artigo visa à demonstração das grandes imprecisões que o doutrinador espírita cometeu nesse quesito. Todavia, antes que nos debrucemos nas evidências, faz-se necessário dizer que o conceito de inteligência, embora muito utilizado, carece de uma definição exaustiva, pois suas nuances parecem extrapolar os testes de avaliação da inteligência humana desenvolvidos. Logo, cientistas do mundo todo medem um conceito que não está completamente definido. É, portanto, esperado que muitas dúvidas surjam a respeito das interpretações dos dados, principalmente quando se referem às “raças” humanas.

Destarte, para uma leitura imparcial, avaliaremos as proposições espíritas sob os dois prismas existentes: a) as nuances da coleta dos dados de inteligência não comprometem a acurácia dos “testes de Q.I. (quociente de inteligência)”; b) as nuances da inteligência comprometem a acurácia dos “testes de Q.I.”.

Comecemos com a primeira proposição científica: as nuances da inteligência não comprometem a acurácia dos “testes de Q.I.”. Em 2008, uma revisão dos estudos de inteligência nas diversas “raças” foi publicada. Essa revisão, que coletou informações de estudos do desempenho intelectual nos testes de Q.I., abrangeu, inclusive, um pequeno estudo que avaliou o Q.I. de crianças de várias etnias adotadas por famílias caucasóides de classe média. Os autores concluíram que há diferença estatística de Q.I. entre as etnias. Segundo os autores, as pessoas do Leste da Ásia obtiveram o maior escore (106 pontos) seguidos pelos caucasóides (100 pontos), afrodescendentes dos Estados Unidos (85 pontos) e africanos da região subsaariana (70 pontos). Essas diferenças foram esquematizadas pelos autores no mapa abaixo. [13]

Tradução da legenda: Approximate IQ (Q.I. aproximado), World IQ map of indigenous populations (Mapa mundial do Q.I. de populações originárias de seus territórios).

Considerando o artigo acima, o equívoco de Allan Kardec é evidenciado pela expressiva performance dos asiáticos, como os chineses. Faz-se necessário recordar que o autor espírita classifica o europeu civilizado com o melhor desempenho intelectual, cultural e tecnológico ao passo que os chineses e os africanos foram privados dos “privilégios da raça caucásica”. Contrariamente ao que Kardec disse, o artigo demonstra que o desempenho chinês sobrepuja a europeia. Ademais, o mapa acima mostra os EUA, a nação que detém o maior poderio militar e tecnológico do mundo, com Q.I. médio abaixo do europeu. Como se sabe, o fluxo migratório de várias etnias para os EUA foi significativo e, embora haja grande quantidade de afrodescendentes nos EUA, o país cresceu de modo vertiginoso, em pouco tempo, econômica, militar, tecnológica e culturalmente.

Podemos perceber pela história dos povos que, mesmo que haja alguma diferença entre os estudos populacionais de Q.I., essas diferenças não parecem definir se uma nação prosperará nos mais diversos aspectos necessários à sociedade.

Para entendermos como a capacidade intelectual não promove uma sociedade mais avançada, recorramos à pesquisa feita pelo grupo The economist: The economist intelligence unit´s quality-of-life index [14]. Esse estudo avaliou a situação da qualidade de vida de 111 países e territórios no ano de 2005. O índice utilizado está baseado em nove critérios que demonstram a prosperidade e avanço de uma sociedade: 1) Expectativa de vida; 2) Vida familiar (taxa de divórcio); 3) Vida comunitária (quantidade de igrejas ou sindicatos); 4) Renda per capita; 5) Estabilidade política e segurança; 6) Clima e geografia; 7) Segurança de emprego (taxa de desemprego); 8) Liberdade política; 9) Igualdade entre os sexos.

Os resultados, quando analisados à luz do desempenho intelectual médio da população, demonstram expressivas discordâncias que não nos permitem dizer que a capacidade intelectual necessariamente faz um povo mais avançado que outro. Notemos, por exemplo, a China: é o país com uma dos melhores desempenhos intelectuais (média de 106 pontos de Q.I.), mas ocupa o 60º lugar no ranking. Cingapura, um país com maioria da população de origem chinesa (74,2%), ocupa o honroso 11º lugar, catorze posições à frente da caucásica França de Allan Kardec. Dando mais nitidez às divergências, Ghana, um país africano da região subsaariana, ocupa dez posições acima da caucásica Rússia. [14]

 
Allan Kardec nasceu no mesmo ano em que teve início o império napoleônico (1804). Havia completado dezessete anos quando Napoleão Bonaparte morreu no exílio (1821). Respirou a hegemonia francesa no mundo da época até mesmo depois da morte do imperador, pois ainda que a Grã-Bretanha e a Rússia tivessem assumido a liderança mundial, a França se manteve como a segunda maior potência econômica no Ocidente e uma das primeiras em poder militar terrestre. Em relação ao aspecto cultural, manteve-se como a mais influente entre todas as nações. [15,16]

Paralelamente, o que acontecia com a África e com a China no século 19? Em 1884, acontecia a partilha oficial da África (Conferência de Berlim) entre as nações europeias, sendo que a França abocanhou um dos maiores quinhões. A China estava em franco declínio de sua monarquia: vários conflitos sociais, estagnação da economia (o tesouro chinês quebrou por duas vezes), opressão sob intensa influência e ingerência ocidentais, guerras (“Guerra do Ópio”) e duas grandes fomes que assolaram o país. Em 1900, o país repleto de chineses viciados em ópio chegou à exorbitante estatística de 50% da população adulta viciada na droga. [17]

Agora, tomemos a “raça” negra que, segundo Allan Kardec, está desprovida dos “privilégios da raça caucásica”. Como o mundo poderia se esquecer de que dessa “raça menos capaz” vieram descobertas e invenções criativas que nem cogitamos pensar em viver sem? A título de curiosidade e para minar ainda mais o julgamento de Kardec, foi a “raça” negra (cientistas e inventores negros) quem nos presenteou com: o elevador (Alexander Miles), a fornalha de aquecimento (Alice Parker), os artefatos para cuidar do cabelo (C. J. Walker), o primeiro banco de sangue do mundo com o método de preservação do sangue (Charles Drew), a primeira cirurgia aberta do coração (Daniel Hale Williams), o bonde elétrico (Elbert R. Robinson), a compreensão da fertilização celular levando ao melhor entendimento de como trabalham as células (Ernest E. Just), o ar condicionado (Frederick Jones), o semáforo e a primeira máscara contra gases (Garret A. Morgan), a secadora de roupas (George T. Samon), o apontador de lápis (John Love), a caneta-tinteiro (William Purvis), os métodos de cultivo que salvaram a economia do Sul dos Estados Unidos na década de 1920 (George Washington Carver), o transmissor do telefone que revolucionou a qualidade e distância que poderia viajar o som (Granville T. Woods), a máquina de colocar solas nos sapatos (Jan E. Matzelinger), a geladeira (John Standard), o sistema de supercarga para os motores de combustão interna (Joseph Gammel), a máquina de datilografar (Lee Burridge), o filamento de dentro da lâmpada elétrica (Lewis Howard Latimer), o primeiro reator nuclear na década de 1930 (Lloyd Quaterman), a pá de lixo (Lloyd P. Ray), a escova para pentear cabelos femininos (Lydia O. Newman), o sistema de lubrificação para máquinas a vapor (McCoy), dispositivo laser para cirurgias de catarata (Patrícia E. Bath), o computador mais rápido do mundo, com 3,1 bilhões de cálculos por segundo (Philip Emeagwali), o desenvolvimento do tratamento do Mal de Alzheimer e do glaucoma (Percy L. Julian), a caixa de correio (Philip Downing), a mudança automática de marchas (Richard Spikes), os pneumáticos de malha de arame para o robô da Apolo 15 (Roberto E. Shurney), a tábua de passar roupas (Sarah Boone), o esfregão para limpar o chão (Thomas W. Stewart), a prensa de impressão avançada (W.A. Lovette), a máquina de cortar grama (John Burr), as máquinas de carimbo e cancelamento postal (William Berry) e o primeiro manual médico sobre sífilis (William Hinton). [18]

E por que não adicionar à lista acima o nome de Machado de Assis, o “imortal” escritor afrodescendente brasileiro mais lido no mundo entre os nomes de outros brasileiros? Segundo o projeto Conexões realizado pelo Itaú Cultural, coordenado por Claudiney Ferreira, em que a literatura brasileira foi mapeada no exterior, Machado de Assis encabeça a lista dos autores brasileiros mais lidos no mundo. [19]

Usando a linguagem matemática, Allan Kardec descreveu uma “função” para explicar a progressão das sociedades e a “pluralidade das existências” com as variáveis “raça” e “inteligência”. Todavia, a história e a ciência, imputando os seus dados nessa função, demonstraram que o doutrinador estava completamente equivocado. Allan Kardec parece ter descrito apenas a geopolítica de seu tempo e inferiu, equivocadamente, a ideia de que a reencarnação, “raças” e inteligência harmonizavam-se sob a “justiça de Deus”.

Todavia, ainda nos falta avaliar a segunda maneira de vermos os estudos sobre a capacidade intelectual dos povos: as nuances da coleta dos dados de inteligência comprometem a acurácia dos “testes de Q.I.”.

Recentemente, em 2010, uma grande revisão sistemática dos dados obtidos de testes de Q.I. de coortes de 81 países, durante o século 20, foram analisados sob uma perspectiva inédita: o grau de alfabetização (literacy skills). Uma cuidadosa avaliação crítica sobre o grau de alfabetização dos participantes dos testes em relação que pudesse comprometer o entendimento do teste foi realizada correlacionando-se os dados aos resultados do teste de Q.I. Os resultados estatísticos demonstraram que a qualidade de alfabetização se correlaciona significativamente com os resultados dos testes de Q.I., independentemente do tempo, nacionalidade ou “raça” do participante. [20]

Inclusive, os ganhos de inteligência ao longo dos tempos (aproximadamente três pontos/década), conhecidos como “efeito Flynn” (postulado em 2007), foram identificados e se correlacionaram significativamente à qualidade de alfabetização, embora não possa ser explicado unicamente por ela. Os maiores incrementos de pontos de Q.I. foram obtidos na porção abaixo da metade da distribuição (percentil 50) ao passo que incrementos menos expressivos foram obtidos na porção acima da metade da distribuição. [20]

A correlação entre o grau de alfabetização se deu de tal forma que, quando essa variável atingia um platô ou declínio, os pontos de Q.I. também atingiam um platô ou declínio. Os autores ressaltam que alguns estudos envolvendo testes aplicados no ambiente militar americano (The armed forces qualification test) obtiveram tamanha correlação que era possível prever o desempenho nos testes de Q.I. com base nos dados de alfabetização prévia. [20]

Os gráficos abaixo ilustram a correlação entre o grau de alfabetização e os índices de Q.I.

Tradução da legenda: Média de Q.I. em relação aos valores reportados de alfabetização de uma população de americanos-europeus caucásicos dos EUA. Os dados de alfabetização foram obtidos do National Center for Education Statistics (1993) da tendência histórica de analfabetismo nos EUA. Esse conjunto de dados fornece a porcentagem de catorze pessoas com catorze anos de idade e mais velhas que são analfabetas (incapazes de ler ou escrever em qualquer língua) por raça e nacionalidade: 1870 a 1979. Os valores dos testes de Q.I. dos americanos caucásicos para o período de 1932 a 1978 foram retirados da tabela 7 de Flynn (1987).

Tradução da legenda: Média de Q.I. em relação ao grau de alfabetização de 81 países. Os dados de alfabetização foram obtidos do United Nations Human Development Report (2006). Os valores foram fornecidos pelos governos e organizações internacionais de estudos e análises estatísticas de grandes amostras. Os dados de Q.I. foram extraídos de Lynn e Vanhanen (2002). Apenas os 81 países desse conjunto de dados onde os valores de teste foram medidos, não estimados, foram incluídos.

Como podemos perceber, as aparentes diferenças entre as “raças” fizeram com que os pensadores do século 19 concluíssem, equivocadamente, que realmente existiam diferenças entre o grau de inteligências dos povos. Allan Kardec não foi exceção: justificou a doutrina da reencarnação como instrumento lógico (e imprescindível) para o equilíbrio dessas diferenças vinculando-a à “justiça de Deus”.

Os resultados demonstram que a doutrina da reencarnação de maneira alguma é “imprescindível” para explicar as diferenças “raciais”. Quando analisamos criticamente os estudos sobre a inteligência entre as nações, percebe-se que as “raças” detêm o mesmo desempenho intelectual. Claramente, essas constatações científicas minam a lógica da distribuição do grau de desenvolvimento das sociedades, pois, apenas após um século da divulgação dessa doutrina, o cenário geopolítico já demonstra que a lógica espírita não se comprovou.

Entretanto, o que as Escrituras Sagradas – a Bíblia – têm a nos dizer sobre o mesmo assunto? Estariam as Escrituras harmonizadas com as descobertas científicas sobre a distribuição da inteligência global e suas complexas nuances?

Sim, com certeza! Além disso, as Escrituras, que são inerrantes e infalíveis, fazem constatações firmes e acertadas sobre os assuntos que foram abordados nesse artigo. Para melhor entendimento da inerrância das Escrituras, disporemos os ensinos bíblicos em tópicos seguidos dos textos que os respaldam.

1. “Raças” são povos descendentes do primeiro casal que Deus criou: Adão e Eva. Toda a humanidade descende desse casal e as diferenças entre esses povos são apenas fenotípicas. Todo homem tem a mesma corrupção da carne, é feito do mesmo “barro”, independentemente da “raça” a que pertencem.

Criou Deus o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou. Deus os abençoou, e lhes disse: "Sejam férteis e multipliquem-se! Encham e subjuguem a terra! Dominem sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu e sobre todos os animais que se movem pela terra" (Gn 1.27,28).

Com o suor do seu rosto você comerá o seu pão, até que volte à terra, visto que dela foi tirado; porque você é pó e ao pó voltará" (Gn 3.19).

Pois do interior do coração dos homens vêm os maus pensamentos, as imoralidades sexuais, os roubos, os homicídios, os adultérios, as cobiças, as maldades, o engano, a devassidão, a inveja, a calúnia, a arrogância e a insensatez (Mc 7.21,22).

O oleiro não tem direito de fazer do mesmo barro um vaso para fins nobres e outro para uso desonroso? (Rm 9.21).

2. Deus fez o homem à sua imagem e semelhança. Ele criou o primeiro casal dotado de inteligência e todos os seus descendentes também são dotados de inteligência, até mesmo entre os descendentes que se rebelaram contra Deus, como se nota na descendência de Caim.

O nome do irmão dele era Jubal, que foi o pai de todos os que tocam harpa e flauta. Zilá também deu à luz um filho, Tubalcaim, que fabricava todo tipo de ferramentas de bronze e ferro. Tubalcaim teve uma irmã chamada Naamá (Gn 4.21,22).

3. Há pessoas com maior capacidade intelectual que outras e isso não fere a justiça de Deus, pois ele os fez assim. Ademais, eventuais incapacidades do ser humano não fugiram à soberania de Deus.

Disse, porém, Moisés ao Senhor: "Ó Senhor! Nunca tive facilidade para falar, nem no passado nem agora que falaste a teu servo. Não consigo falar bem!" Disse-lhe o Senhor: "Quem deu boca ao homem? Quem o fez surdo ou mudo? Quem lhe concede vista ou o torna cego? Não sou eu, o Senhor? Agora, pois, vá; eu estarei com você, ensinando-lhe o que dizer" (Ex 4.10-12).

4. A diferença entre as capacidades intelectuais das pessoas não reside na diferença “racial”, mas na dispensação divina individual de acordo com a sua vontade. Aliás, não devemos, de forma alguma, nos orgulharmos da inteligência que Deus nos concedeu, pois é fruto da sua graça.

É graças à inteligência que você tem que o falcão alça vôo e estende as asas rumo sul? (Jó 39.26).

Não digam, pois, em seu coração: "A minha capacidade e a força das minhas mãos ajuntaram para mim toda esta riqueza". Mas, lembrem-se do Senhor, do seu Deus, pois é ele que lhes dá a capacidade de produzir riqueza, confirmando a aliança que jurou aos seus antepassados, conforme hoje se vê (Dt 8.17,18).

A esses quatro jovens Deus deu sabedoria e inteligência para conhecerem todos os aspectos da cultura e da ciência. E Daniel, além disso, sabia interpretar todo tipo de visões e sonhos (Dn 1.17).

Deus deu a Salomão sabedoria, discernimento extraordinário e uma abrangência de conhecimento tão imensurável quanto a areia do mar. A sabedoria de Salomão era maior do que a de todos os homens do oriente, bem como de toda a sabedoria do Egito (1Rs 4.29,30).

5. As pessoas não se tornam mentalmente mais capazes por meio de reencarnações, pois Deus determinou que os homens teriam apenas uma morte orgânica seguida do juízo.

Lembrou-se de que eram meros mortais, brisa passageira que não retorna (Sl 78.39).

Da mesma forma, como o homem está destinado a morrer uma só vez e depois disso enfrentar o juízo, assim também Cristo foi oferecido em sacrifício uma única vez, para tirar os pecados de muitos; e aparecerá segunda vez, não para tirar o pecado, mas para trazer salvação aos que o aguardam (Hb 9.27,28).

6. As pessoas não se tornam mentalmente mais capazes por meio de reencarnações, pois a dispensação da inteligência é realizada por Deus durante sua única vida e as apresentações da inteligência se dão em várias modalidades.

Disse então o Senhor a Moisés: "Eu escolhi a Bezalel, filho de Uri, filho de Hur, da tribo de Judá, e o enchi do Espírito de Deus, dando-lhes destreza, habilidade e plena capacidade artística para desenhar e executar trabalhos em ouro, prata e bronze, para talhar e esculpir pedras, para entalhar madeira e executar todo tipo de obra artesanal. Além disso, designei Aoliabe, filho de Aisamaque, da tribo de Dã, para auxiliá-lo. Também capacitei a todos os artesãos para que executem tudo o que lhe ordenei (Ex 31.1-6).

A todos esses deu capacidade para realizar todo tipo de obra como artesãos, projetistas, bordadores de linho fino e de fios de tecido azul, roxo e vermelho, e como tecelões. Eram capazes para projetar e executar qualquer trabalho artesanal" (Ex 35.35).

E ele designou alguns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas, e outros para pastores e mestres, com o fim de preparar os santos para a obra do ministério, para que o corpo de Cristo seja edificado, até que todos alcancemos a unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus, e cheguemos à maturidade, atingindo a medida da plenitude de Cristo (Ef 4.11-13).

7. A capacidade intelectual nunca foi um pré-requisito de maior progressão para a salvação da alma. Pelo contrário, muitos menos capazes mentalmente foram salvos pela fé em Jesus Cristo. Desde que os homens tenham a fé genuína em Jesus Cristo não há espaço para qualquer pretensa diferença racial, socioeconômica ou de gênero. Além disso, nossa perfeição não se dará por nossos esforços por intermédio de sucessivas reencarnações, mas pela ressurreição e atuação de Deus somente.

Irmãos, pensem no que vocês eram quando foram chamados. Poucos eram sábios segundo os padrões humanos; poucos eram poderosos; poucos eram de nobre nascimento (1Co 1.26).

Não há judeu nem grego, escravo nem livre, homem nem mulher; pois todos são um em Cristo Jesus (Gl 3.28).

Nessa nova vida já não há diferença entre grego e judeu, circunciso e incircunciso, bárbaro e cita, escravo e livre, mas Cristo é tudo e está em todos (Cl 3.11).

Vocês, porém, são geração eleita, sacerdócio real, nação santa, povo exclusivo de Deus, para anunciar as grandezas daquele que os chamou das trevas para a sua maravilhosa luz (1Pe 2.19).

Estou convencido de que aquele que começou boa obra em vocês vai completá-la até o dia de Cristo Jesus (Fp 1.6).

CONCLUSÃO

Jesus Cristo é a Verdade e ele autenticou a inerrância das Escrituras. Vemos, claramente, que o cristianismo dispõe de ensinamentos completamente contrários às doutrinas espíritas. O espiritismo não é uma forma diferente de cristianismo. Pelo contrário, deturpou os ensinos de Jesus Cristo.

Os ensinos espíritas abordados nesse artigo sucumbiram ao tempo e às observações científicas. Logo, a adequação de sua cosmovisão por um sistema equivocado não é apenas uma escolha religiosa. É, portanto, uma escolha que prioriza a escolha religiosa em detrimento da lógica e das evidências científicas.

A única distinção racial que as Escrituras fazem não se dá no plano material, mas espiritual. Os eleitos de Deus constituem sua “raça eleita”. Cristãos das mais diversas “raças” são, depois da salvação de Jesus Cristo, uma única “raça” – a “raça eleita”. Em contrapartida, se não houver o arrependimento genuíno e a entrega de sua vida ao Senhor Jesus, a sua “raça” permanecerá juntamente com todas as outras dispersas em nosso planeta. Mas elas terão algo em comum a despeito de suas características fenotípicas: serão, um dia, condenadas ao suplício eterno.

Leandro Boer


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