sexta-feira, 1 de abril de 2011

Calvinistas Evangelizam? (Parte 2)

Se o argumento que diz que a doutrina da eleição desestimula a pregação do evangelho não se sustenta à luz da Bíblia, tampouco esse mito pode se manter de pé diante da análise histórica. Com efeito, se o ensino bíblico acerca da predestinação gerasse desmazelo no evangelismo, seus expoentes nada teriam feito em prol da expansão da fé e ficariam fechados dentro de suas igrejas, aguardando sua fatal extinção. No entanto, não é isso que se vê na história. Antes, um zelo ardente por missões moveu os expoentes da doutrina da eleição, conduzindo-os como pioneiros e mártires aos rincões mais distantes do mundo, sempre à procura das ovelhas dispersas que fatalmente ouviriam a voz do Pastor Divino.

O primeiro exemplo vem do próprio Calvino. Em suas Institutas da Religião Cristã, o grande reformador citou Agostinho de Hipona, dizendo:

“Porque não sabemos quem pertença ao número dos predestinados, ou não pertença, assim nos convém tratar que a todos queiramos venham a ser salvos. Assim acontecerá que, quem quer que seja que se nos haverá de deparar, esforcemo-nos por fazê-lo participante de nossa paz. Mas, nossa paz repousará somente sobre os filhos da paz (Mt 10.13; Lc 10.6). Portanto, quanto a nós concerne, deverá ser a todos aplicada, à semelhança de um remédio... A Deus, porém, pertencerá fazê-la eficaz a quem preconheceu e predestinou” (AGOSTINHO DE HIPONA. De correptione et gratia, XIV-XVI. In CALVINO João. As Institutas ou tratado da religião cristã, III:XXIII, 14. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1989. Volume III, p. 426).

Calvino, contudo, não somente ensinou essas coisas. Ele também as pôs em prática. Uma prova disso está no fato de que, em Genebra, cidade onde atuou como pastor e estadista, foi criado, após 1545, o Fundo Francês, uma instituição que tinha como propósito central dar apoio material aos franceses pobres ali refugiados por causa da perseguição em sua terra natal. Calvino contribuía prodigamente para esse fundo e é provável que tenha sido um dos seus criadores. Ainda que os objetivos principais da instituição fossem no campo humanitário, é sabido que o Fundo Francês era também usado para fins missionários, sustentando pastores em Genebra que deveriam ser enviados à França.

É também preciso destacar que, em meados do século 16, havia em Genebra 38 tipografias, com cerca de 2 mil empregados, cujo trabalho dominante era imprimir literatura evangélica destinada aos países vizinhos, especialmente a França. Por conta disso, na década de 1540, Paris foi inundada pela literatura produzida em Genebra e as conversões começaram a ocorrer. Isso despertou a atenção e o desagrado do parlamento parisiense, o qual emitiu sucessivas listas de livros proibidos, nas quais eram incluídas quaisquer obras que expusessem ideias calvinistas. As gráficas de Genebra, porém, não paravam de lançar novos títulos, numa velocidade que o parlamento não podia acompanhar. Assim, as listas de livros censurados estavam sempre desatualizadas e as obras de Calvino continuavam a ser vendidas e lidas pelo povo francês.

Além disso, sendo impossível um controle absoluto sobre o comércio de literatura por parte das autoridades de Paris, os livros proibidos procedentes de Genebra eram vendidos no mercado negro. O resultado era que as conversões à fé evangélica não paravam de ocorrer na França. Os registros históricos apontam que, em 1562, dois anos antes de Calvino morrer, existiam pelo menos 1.250 congregações calvinistas naquele país, abrangendo mais de 2 milhões de membros! Foi, certamente, por causa desses extraordinários avanços que a Venerável Companhia de Pastores, outra instituição da Genebra de Calvino, enviou 151 missionários à França só no ano de 1561! (para mais detalhes, veja-se McGRATH, Alister. A vida de João Calvino. São Paulo: Cultura Cristã, 2004. p. 203-222).

A obra missionária de Calvino também abrangeu a fundação da Academia de Genebra (1559) criada para treinar pastores e suprir a demanda que o crescimento do número de igrejas impunha aos reformadores. Muitos alunos dessa academia eram estrangeiros refugiados (franceses, ingleses, holandeses, italianos e alemães) que, depois de formados, voltavam para seus países de origem ensinando o que ali haviam aprendido. Entre esses alunos esteve John Knox, o grande reformador escocês. Foi assim que a escola fundada por Calvino tornou-se um grande centro missionário, irradiando a fé evangélica para o mundo inteiro.

É preciso ainda lembrar que os primeiros missionários protestantes que chegaram ao Brasil foram enviados precisamente por João Calvino. Eles vieram, a pedido de Nicolas Durand de Villegaignon (1510-1571), com o objetivo de ensinar a fé reformada aos colonizadores franceses do Rio de Janeiro e evangelizar os indígenas. O grupo chegou em março de 1557, mas, menos de um ano depois, foi expulso devido a conflitos doutrinários com Villegaignon. Esses conflitos resultaram na produção da Confissão de Fé da Guanabara (1558), um documento de orientação reformada escrito por cinco calvinistas leigos aprisionados por Villegaignon. Desses cinco, quatro foram estrangulados, pondo fim ao trabalho missionário de Calvino no Brasil (mais informações sobre os calvinistas enviados de Genebra ao Brasil, bem como acerca do conteúdo da Confissão de Fé da Guanabara, veja-se NASCIMENTO, Adão Carlos e MATOS, Alderi Souza de. O que todo presbiteriano inteligente deve saber. Santa Bárbara d’Oeste: SOCEP, 2007. p. 39-48).

(Continua)

Pr. Marcos Granconato
Soli Deo gloria

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