Em 1991, fui convidado, junto com um amigo, a integrar a equipe de voleibol de Jundiaí. Eu na posição de levantador e meu amigo como atacante. Íamos três vezes por semana para lá a fim de participar dos treinos. Mas os poucos horários de ônibus entre Atibaia e Jundiaí fizeram com que o tempo que permanecemos nessa rotina fosse uma aventura muito cansativa. Tal aventura começou no primeiro dia de treino. Não havia transporte de Jundiaí para Atibaia depois das 17 horas. Como o treino terminava por volta das 21 horas, planejamos ir de ônibus até a cidade de Itatiba e, de lá, pegar outro “suposto” ônibus para casa. Ao chegarmos em Itatiba, descobrimos que nossa pesquisa foi falha e que não havia qualquer condução naquele horário.
Sem ter o que fazer, resolvemos esperar na rodoviária até o dia amanhecer a fim de pegar o primeiro ônibus para casa. Nossa paciência durou apenas até meia-noite. Não aguentávamos mais ficar ali sentados e, assim, tivemos uma brilhante ideia: caminhar até Atibaia. Imaginamos que os cerca de trinta quilômetros não seriam difíceis de serem transpostos já que estávamos juntos, éramos atletas e iríamos conversando. Só percebemos que a sede e o treino físico que fizemos em Jundiaí nos fariam sofrer por todo o caminho quando já não dava para voltar. Andamos a noite toda e chegamos em Atibaia às 7 horas. O cansaço era inacreditável; as dores, também. Entretanto, não me arrependo hoje de ter feito aquela horrível jornada, visto que já descansei dela e que não sinto mais dor alguma. Agora que tudo já terminou, tenho apenas uma história engraçada para contar.
O Salmo 49 trata de um conceito parecido. Ele fala de “valores passageiros”. Segundo o texto, depois de esses valores ficarem para trás, nenhum benefício trarão aos homens. Por outro lado, apresenta um valor superior que perdurará para sempre, tornando-o caro ao homem e alvo de uma busca séria e sábia. Na verdade, o Salmo 49 é, em certo aspecto, muito diferente dos outros salmos, sendo mais parecido com o conteúdo de Eclesiastes e de Provérbios. Podemos, com toda propriedade, chamar esse capítulo de “salmo de sabedoria”.
O salmo inicia com um chamado geral (v.1): “Que todos os povos ouçam isto; Que todos os moradores da Terra deem ouvidos” (shim‘û-zo’t kal-ha‘ammîm ha’azînû kal-yoshvê haled). É importante notar que esse chamado é mesmo para todas as pessoas, independente da situação de cada um, o que inclui (v.2) o “rico” (‘ashîr) e o “pobre” (’evyôn). O que será dito no salmo vale para todos igualmente. Poucas realidades são iguais para os ricos e os pobres, a não ser aquelas ligadas à vida humana, em termos biológicos, e ao destino eterno definido pelo relacionamento que se tem, em vida, com o Senhor. Nessas áreas há duas certezas: todos morrem e todos são julgados por Deus.
Tratando assuntos nesse campo, o escritor explica o teor do seu discurso, que, na verdade, é uma aula para todos os homens (v.3): “A minha boca falará de sabedoria e a minha reflexão será de prudência” (pî yedaber hokmôt wehagût livvî tevûnôt). Ninguém deve duvidar da sabedoria que o salmista afirma ter, pois o teor do seu ensino, em consonância com as Escrituras, prova que ele fala o que é verdadeiro. Por isso, continua (v.4): “Inclinarei meus ouvidos a um provérbio; exporei o meu enigma com uma harpa” (’atteh lemashal ’oznî ’eftah bekinnôr hîdatî). Essa combinação das palavras “provérbio” e “enigma” ocorre outras vezes no Antigo Testamento (Sl 78.2; Pv 1.6; Ez 17.2; Hc 2.6) e está sempre ligada à exposição de um tipo de literatura de sabedoria. Assim, a que o salmista se propõe é expor conceitos que afetam de maneira fundamental a vida das pessoas. Aprender com sua mensagem é ser sábio, ao passo que ignorá-lo é a típica ação das pessoas tolas.
Tendo dito isso, o assunto é introduzido, a saber, o futuro inevitável de todos os homens na morte (v.10): “Pois se vê que os sábios, sem exceção, morrem, assim como sucumbem o tolo e o néscio” (kî yir’eh hakamîm yamûtû yahad kesîl waba‘ar yo’vedû). Tal futuro, segundo o texto, não pode de modo algum ser evitado (vv.7,9): “Um homem não pode remir o irmão, nem pagar a Deus pelo seu resgate... para que continue a viver perpetuamente e não veja o túmulo” (’â lo’-padoh yifdeh ’îsh lo’-yitten le’lohîm kafrô... wîhî-‘ôd lanetsah lo’ yir’eh hashahat). “Remir”, nesse contexto, significa “livrar da morte”. Ou seja, não há o que se faça para que os homens vivam para sempre sem morrer. Quem se rende a lutar por essa finalidade, diz o texto (v.8), “desiste” (hadal). Isso, certamente, torna os problemas presentes menores aos nossos olhos e, por isso, o próprio escritor não supervalorizava os problemas que atravessava na vida, pelo que diz (v.5): “Por que eu terei medo, nos dias maus, quando me acercar a iniquidade dos meus perseguidores?” (lammâ ’îra’ bîmê ra‘ ‘aôn ‘aqevay yesûvvenî). Afinal, no final da vida, depois de tudo ter passado, que importa se a vida foi mais ou menos difícil?
O texto revela que os homens, na esperança de superar o tempo e a morte (v.11), tolamente “chamaram as suas terras com seus próprios nomes” (qar’û bishmôtam ‘alê ’adamôt). Entretanto, o que têm de volta é o mesmo fim de todo ser vivo (v.12): “Eles perecem como os animais” (kabbehemôt nidmû). Inúteis são as riquezas, os feitos, as posses, as glórias e os elogios (vv.16-20). É uma visão bastante pessimista da vida. Se o salmo terminasse aqui, só seria fonte de tristeza e depressão.
Entretanto, o salmista vê mais longe que isso. Sua visão não é a de quem olha a vida encerrar em um velório, mas de alguém que, de uma posição superior, além da vida, a vê depois da morte. Surpreendentemente – para o contexto do Antigo Testamento, segundo o conceito da revelação progressiva –, o salmista tem conceitos muito definidos da vida eterna e do modo pelo qual o homem pode ter acesso a ela (v.15): “Deus, porém, livrará a minha alma das mãos da morte, pois me tomará para si” (’ak-’elohîm yifdeh nafshî miyyad-she’ôl kî yiqqahenî). Davi também usou, com os mesmos termos, a ideia de ter liberta “a sua alma da morte” (Sl 16.10). No seu contexto – do Salmo 16 –, isso significava ser protegido da morte que intentavam os inimigos. Mas, no Salmo 49, o contexto aponta para a inevitabilidade da morte. Aqui, o significado do v.15 não é que Deus impede o servo de morrer, mas que, quando ele morre, Deus não deixa seu servo sob os horrendos efeitos da morte, nem, tampouco, que se perca dele. O Senhor o livra da morte e o recebe para si.
O Novo Testamento, como porção final do que Deus revelou e, por isso mesmo, portador de pontos específicos e aprofundados da doutrina bíblica, concorda em todos os sentidos com o escritor do salmo. Jesus também disse que as riquezas são transitórias diante do poder da morte, de modo que chamou de “louco” aquele que coloca nos bens a sua alegria e não busca a verdadeira riqueza do relacionamento com Deus (Lc 12.19-21 cf. Mt 16.26). Na verdade, Jesus frisou a total incapacidade do homem perante a morte, dizendo: “Qual de vós, por ansioso que esteja, pode acrescentar um côvado ao curso da sua vida?” (Lc 12.25).
Mas a Bíblia não se ocupa apenas dos efeitos físicos da morte e, assim como o próprio autor do Salmo 49, olha para a morte sob um prisma mais amplo e se preocupa com o modo de reverter os seus efeitos espirituais, ou seja, a separação de Deus. Paulo escreveu aos romanos que “o salário do pecado é a morte” (Rm 6.23a). Imediatamente, completa: “Mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Rm 6.23b). Dizendo isso, ele tanto demonstra estarem na morte as consequências eternas do pecado, como estar em Jesus a fonte da vida.
Se o salmista afirmou que o homem não pode promover o livramento dos efeitos da morte e, também, que tinha a esperança de ver Deus atuando como redentor, temos no Novo Testamento o perfeito paralelo. Paulo escreveu que “o homem não é justificado pelas obras da lei” (Gl 2.16a), mas que, por outro lado, é justificado “mediante a fé em Jesus Cristo” (Gl 2.16b). Jesus, como Deus que é, cumpre a esperança do salmista de redimir a alma do servo para que não permaneça na morte, segundo diz: “Tal como o Filho do Homem, que não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos” (Mt 20.28). Para alegria do salmista – e de todos os que creem em Jesus como seu Deus e salvador –, o resultado final de tal obra é que viveremos para sempre na presença de Deus, sem sofrer os danos e a condenação contidos na morte: “Em verdade, em verdade vos digo: se alguém guardar a minha palavra, não verá a morte, eternamente” (Jo 8.51).
O efeito que essa verdade teve sobre o escritor do salmo é que ele mantinha a tranquilidade nas provações e aguardava com esperança a redenção completa da sua alma na vida eterna. E nós, temos tido essa mesma esperança? Temos lançado as nossas preocupações na conta da certeza da redenção divina? Ou, à semelhança da minha cansativa jornada noturna, temos carregado um fardo por quilômetros e mais quilômetros sem fim?
Pr. Thomas Tronco
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