Uma das grandes facilidades dos dias modernos se chama “cartão de crédito”. Curiosamente, é ele quem cria as maiores dificuldades financeiras das famílias de hoje em dia. Entretanto, utilizado com sabedoria e parcimônia, é uma ferramenta muito útil na administração dos gastos. Eu possuía dois cartões de crédito, cada um deles de um banco diferente. Com o tempo, um deles foi comprado por certo banco de destaque e, sem querer, virei cliente dele. Passaram-se mais alguns meses e meu outro cartão também foi comprado pelo mesmo banco. Hoje, meus dois cartões me fazem cliente de um banco que eu nunca procurei. É desse modo que os monopólios crescem e formam conglomerados comerciais e financeiros que chegam a ser mais poderosos que muitos países pequenos.
O Salmo 47 revela um tipo de monopólio mundial. É um monopólio bem amplo que não se limita ao segmento comercial, industrial ou financeiro. Ele engloba tudo o que existe em todas as nações. O dono desse monopólio não é uma empresa multinacional, nem um banco poderoso, mas o Deus Todo-poderoso, criador de tudo o que existe. A ele pertence toda a Terra (1Co 10.26), todas as riquezas (Ag 2.8) e todas as pessoas (Sl 24.1). Ele, que tem todo o poder (Jó 25.2), detém o controle sobre tudo e, por esse motivo, o salmista conclama pessoas do mundo inteiro para exaltar o dono de tudo (v.1): “Batam palmas, todos os povos; aclamem a Deus com gritos de exaltação” (kal-ha‘ammîm tiq‘û-kaf harî‘û le’lohîm beqôl rinnâ). A razão de tal convite vem a seguir (v.2): “Pois o Senhor altíssimo é tremendo, grande rei sobre toda a Terra” (kî-yehwâ ‘elyôn nôra’ melek gadôl ‘al-kal-ha'arets).
O convite ao louvor é efusivo e enfático, tanto quanto é poderoso aquele que deve ser louvado por todos (v.6): “Façam músicas a Deus, cantem louvores; façam canções ao nosso Rei, cantem louvores” (zammerû ‘elohîm zammerû zammerû lemalkenû zammerû). Apesar de, na Língua Portuguesa, por uma questão de estilo, a mesma palavra ser traduzida de formas sinônimas, mas diferentes, o v.6, no texto hebraico, possui quatro ordens idênticas: “Cantem louvores” (zammerû – vide transliteração acima referente ao v.6). Essa intensa repetição não revela pobreza de estilo, mas uma ênfase na necessidade de os servos de Deus glorificarem seu nome publicamente. É para isso que o salmista convida seus leitores e ouvintes.
A primeira esfera do domínio do “grande rei sobre toda a Terra” é a nação de Israel. O Senhor, em sua soberania, elegeu Israel a fim de lhe dar um privilégio especial entre os outros povos do mundo (v.4): “Ele escolheu para nós a nossa herança, a exaltação de Jacó, a quem ama” (yivhar-lanû ’et-nahalatenû ’et ge’ôn ya‘aqôv ’asher-’ahev). O resultado de tal eleição foi que ele deu a Israel uma terra de onde, para tanto, foram desarraigadas outras nações. Além disso, colocou Israel, nos dias do salmista, em uma função de liderança política, conforme revela o salmo (v.3): “Ele nos submeteu os povos e colocou as nações sob os nossos pés” (yadber ‘ammîm tahtênû ûle’ummîm tahat raglênû). Eis a razão pela qual todos os israelitas são chamados a louvar a Deus com todos os seus recursos. E foi de um modo compatível com essas inegáveis vantagens que eles responderam à bênção dada por Deus (v.5): “Deus se elevou entre gritos de vitória; o Senhor, com som de trombeta” (‘alâ ’elohîm bitrû‘â yehwâ beqôl shôfar). “Elevar-se” aqui faz alusão a uma entronização. É a figura de um rei assumindo seu trono em meio à ruidosa e efusiva comemoração popular.
Dá para entender muito bem a alegria e o louvor dos israelitas. Entretanto, as nações, sob essa primeira óptica, parecem ser relegadas a um plano inferior nos decretos e nos cuidados de Deus. Que motivos, então, elas teriam para louvar o Senhor? Se Deus tratou Israel de modo especial, por que os outros povos deveriam cantar louvores àquele a quem os israelitas chamam (v.6) de “nosso rei” (malkenû)? Porém, vale lembrar que o Salmo 47 não apresenta como foco do louvor o “Deus de Israel”, mas o “grande rei sobre toda a Terra”. Isso é enfatizado na segunda parte do salmo. Aliás, a parte que se dirige em especial às nações do mundo, começa dizendo (v.7): “Pois Deus é rei de toda a Terra” (kî melek kal-ha’arets ’elohîm). Assim, o salmista reforça seu convite aos povos que não são israelitas, dizendo: “Cantem poemas contemplativos” (zammerû maskîl).
Como bom rei (v.8), “Deus reina sobre os povos” (malak ’elohîm ’al-gôyim). Por essa causa, tais povos se relacionam com ele como seu rei pessoal. Deus não é, para eles, um déspota tirano. Na verdade, Deus é tão rei das nações do mundo quanto o é em relação à nação de Israel. A submissão a Deus, tanto dos povos, como dos israelitas, os torna, juntos, súditos do mesmo rei. O resultado é que pessoas de todas as nações participam do louvor que Israel encabeça (v.9): “Os nobres das nações se ajuntam, povo do Deus de Abraão, visto que os escudos da Terra pertencem a Deus” (nedîbê ‘ammîm ne’esafû ‘am ’elohê ’avraham kî le’lohîm maginneh-’erets). Tal ajuntamento de nações, nomeadas também de “escudos”, a fim de louvar a Deus, reúne um grupo chamado pelo salmista de “povo do Deus de Abraão”. A primeira notoriedade é ver nações de todo mundo, ao se submeterem a Deus, serem chamados de “povo de Deus”. Entretanto, precisamos notar a menção a Abraão a fim de identificar o Senhor. O Deus das nações é o “Deus de Abraão”, o pai da nação israelita.
Essa aparente contradição se revolve diante da aliança que Deus fez com o patriarca. Ao lhe prometer uma descendência numerosa (Gn 12.1-3) e uma terra onde seus descendentes habitariam (Gn 13.14,15; 15.18,19), Deus também prometeu benção, por meio de Abraão, não somente para Israel, mas para pessoas de todas as nações: “Abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; em ti serão benditas todas as famílias da Terra” (Gn 12.3). Essa aliança, chamada “abraâmica”, previu bênçãos para todos os povos, israelitas e gentios, por meio de Abraão, ao que Paulo assim ressalta: “Ora, tendo a Escritura previsto que Deus justificaria pela fé os gentios, preanunciou o evangelho a Abraão: Em ti, serão abençoados todos os povos. De modo que os da fé são abençoados com o crente Abraão” (Gl 3.8,9). É claro que se pode perguntar o que Abraão teria de especial para abençoar tanta gente. A isso, Paulo responde identificando a fonte da bênção como o descendente ilustre de Abraão, o Senhor Jesus: “Ora, as promessas foram feitas a Abraão e ao seu descendente. Não diz: E aos descendentes, como se falando de muitos, porém como de um só: E ao teu descendente, que é Cristo” (Gl 3.16).
A obra de salvação realizada por Jesus na cruz beneficia, independente da nação e da etnia (Cl 3.11), todos os que nele crêem: “Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que crêem no seu nome” (Jo 1.12). Deste modo, rei sobre toda a Terra, o Senhor dispõe a história como lhe apraz (Ef 1.11). Escolheu Israel para ser seu povo particular, por meio de quem traria à humanidade o Deus eterno, Jesus Cristo (Rm 9.4,5). Aprouve-lhe, diante da incredulidade dos israelitas, afastá-los do foco da mediação da sua graça na Terra, fazendo com que crentes de outros povos assumissem tal função e recepção da graça (Rm 11.11; 1Pe 2.9 cf. Ex 19.5,6) – apesar de reservar uma parte dos israelitas para continuar neles, nesse tempo, sua atividade graciosa (Rm 11.2-5). E, um dia, aproximará novamente Israel a si e cumprirá todas as promessas que fez aos seus pais (Rm 11.15,24).
Eis aí um motivo para pessoas de todas as nações louvarem a Deus. Ele é rei, não apenas de direito, mas também de fato. Ele controla a história, tanto em relação aos grandes rumos das nações, como em termos de detalhes da vida particular de cada pessoa. Tamanho controle, poder e majestade, deve nos tocar como pessoas que observam tais qualidades em meio a grande admiração e reverência. Tal visão da glória divina nos faz, sem dúvida, ouvir e atender ao convite do salmista, ainda que o tenha feito há tanto tempo atrás. Para nós, que servimos a Deus e nos admiramos de ver seu poder nos rodear, o contive é tremendamente atual e relevante. A visão do monopólio de Deus sobre o controle das nações assim nos chama (v.7): “Pois Deus é rei de toda a Terra; cantem poemas contemplativos” (kî melek kal-ha’arets ’elohîm zammerû maskîl).
Pr. Thomas Tronco
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