sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

A Ceia do Senhor (Parte 3)

Calvino e o virtualismo
A concepção acerca da ceia conhecida como presença espiritual foi ensinada pelo grande reformador francês João Calvino (1509-1564). Seu conceito quanto à mesa do Senhor é que não se trata de um ritual em que o corpo de Cristo está presente de alguma maneira física, como ensinam os católicos e os luteranos. Para Calvino, a ceia é um sacramento em que a carne e o sangue do Salvador estão espiritualmente presentes, sendo exibidos nos elementos, de modo que os que participam do pão e do cálice alimentam-se em espírito do próprio Senhor. É nesse sentido que Calvino afirma que, ao receber o símbolo do corpo, o crente deve confiar que a ele está sendo dado também o próprio corpo.

Na concepção calvinista, o sacrifício de Cristo não se repete durante a Eucaristia, mas os benefícios de sua morte substitutiva (redenção, justiça, santificação e vida eterna) são renovados e reforçados em prol dos comungantes. Isso, porém, só acontece com quem come e bebe com fé. Os que o fazem na incredulidade não recebem tais benefícios. Antes, são condenados por sua indigna aproximação da mesa do Senhor.

É importante frisar que a doutrina da presença espiritual esposada por Calvino tem relação direta com seu conceito de sacramento. Segundo ele, há somente dois sacramentos: o batismo e a ceia. Em ambos, Cristo e seus benefícios são representados. Porém, o valor desses sinais supera o simples objetivo simbólico. Neles há uma relação espiritual entre o símbolo e a coisa simbolizada, de tal forma que os efeitos do que é simbolizado são comunicados ao símbolo, graças à atuação do Espírito Santo e a virtude da palavra que instituiu os sacramentos.

É, pois, por causa dessa visão que, no tocante à ceia, Calvino insiste em afirmar que o corpo de Cristo está fisicamente presente no céu, mas, por meio do poder do Espírito, durante a Eucaristia os cristãos participam da sua carne e do seu sangue, unindo-se desse modo ao Senhor e recebendo seus benefícios. Ele diz expressamente: “Sustentamos que Cristo desce até nós, tanto pelo símbolo exterior, quando por seu Espírito, para que nossas almas verdadeiramente vivifiquem com a substância de sua carne e de seu sangue.” Uma vez que, segundo o reformador, isso ocorre pelo misterioso poder (arcana virtus) do Espírito, esse ensino é também chamado de “virtualismo”.

A doutrina da presença espiritual de Cristo na ceia foi recepcionada pela Confissão de Fé de Westminster (1646), um dos documentos mais importantes da fé reformada, e se constitui num dos ensinos distintivos das igrejas presbiterianas. Ao longo dos séculos essa doutrina tem se imposto com notável força, não com base em sutilezas gramaticais que negam o sentido figurado da frase “Isto é o meu corpo”, mas especialmente pela ênfase no controvertido enunciado de Paulo em 1Coríntios 10:16: “Porventura, o cálice da bênção que abençoamos, não é a comunhão do sangue de Cristo? O pão que partimos não é a comunhão do corpo de Cristo?” É com o sentido dessas palavras que os oponentes da doutrina da presença espiritual são desafiados a lidar.

(Continua na próxima semana)

Pr. Marcos Granconato
Soli Deo gloria

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