sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

A Ceia do Senhor (Parte 2)

Lutero e a consubstanciação

A doutrina da transubstanciação tem sua irmã gêmea no conceito de consubstanciação. Esse segundo modo de interpretar a ceia do Senhor foi proposto inicialmente por Martinho Lutero (1483-1546). Ele rejeitou a transubstanciação por considerá-la uma doutrina irracional e também condenou o ensino de que o sacrifício de Cristo se repete na eucaristia. Porém, Lutero não via possibilidade de interpretar a fórmula “Isto é o meu corpo” de outro modo que não fosse o literal. Por isso, propôs que mesmo o pão continuando a ser pão e o vinho continuando a ser vinho, a presença física de Cristo é real na ceia, sendo seu corpo recebido por todos os participantes da mesa do Senhor.

Para Lutero, portanto, o corpo de Cristo estava nos elementos e com os elementos, sem que o pão e o vinho se transformassem em carne e sangue. Assim, por propor que na ceia a substância dos elementos é recebida pelo crente junto com a substância do corpo físico do Senhor, a doutrina ensinada pelo reformador recebeu posteriormente o nome de consubstanciação.

A concepção de Martinho Lutero acerca da ceia estava atrelada à sua proposta acerca da ubiqüidade do corpo de Cristo. Na verdade, a doutrina da consubstanciação depende exclusivamente desse conceito. Ubiqüidade significa onipresença. Lutero ensinava, pois, que o corpo físico de Cristo tinha atributos divinos, podendo estar em vários lugares ao mesmo tempo e não somente sentado à direita do Pai nas alturas. Daí a possibilidade de estar junto aos elementos da ceia e servir de alimento para os cristãos.

O maior oponente de Lutero nesse assunto foi o reformador suíço Ulrico Zuínglio (1484-1531). Ele combateu a consubstanciação dizendo que os benefícios da ceia eram puramente espirituais, não havendo sentido nem necessidade de qualquer presença corporal de Cristo no pão e no vinho. Além disso, Zuínglio rejeitou o conceito de ubiqüidade exposto por Lutero, afirmando que a encarnação não ocorreu de tal modo que a natureza humana de Cristo, em seu aspecto corporal, se tornasse onipresente.  Com base em João 6.63, ele frisou que “a carne para nada aproveita” e insistiu que a fórmula “Isto é o meu corpo” devia ser interpretada como uma metáfora.

Zuínglio estava certo em tudo isso. De fato, nunca existiu qualquer fundamento racional ou bíblico para a doutrina da consubstanciação, sendo evidente que Lutero a elaborou por estar ainda fortemente ligado a tradições romanistas, sendo-lhe difícil romper radicalmente com elas, depois de ter vivido tanto tempo sob o papismo. Aliás, vários argumentos expostos anteriormente e usados contra a crença católica acerca da transubstanciação podem ser usados também contra as noções de Lutero, o que comprova o notável grau de semelhança entre as duas posições.

A despeito disso, a doutrina da consubstanciação seguiu seu curso dentro do luteranismo. Ela apareceu na primeira edição da Confissão de Augsburgo (1530), escrita por Filipe Melanchton, foi claramente afirmada na Fórmula da Concórdia (1577), um documento produzido para por fim às controvérsias que haviam surgido dentro do luteranismo, e continua sendo defendida pelas igrejas luteranas ao redor do mundo, através da confiante afirmação, presente em seus credos, de que a ceia do Senhor “é o verdadeiro corpo e sangue de nosso Senhor Jesus Cristo para ser comido e bebido por nós, cristãos, sob o pão e o vinho”.

(continua na semana que vem)

Pr. Marcos Granconato
Soli Deo gloria

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