Chegamos novamente no Natal e, mesmo com as tentativas do mundo de colocar o Papai Noel como personagem central do mês de dezembro, muita gente ainda se recorda que, na verdade, é a encarnação do Verbo divino que celebramos nesta época do ano. Por isso, fatalmente, ouvimos comentários de pessoas (geralmente as religiosas) explicando o porquê de Cristo ter vindo ao mundo. E podem conferir: a repisada explicação é que Jesus nasceu para nos dar um bom exemplo de vida.
Isso, porém, é só parcialmente verdade. O motivo principal pelo qual Cristo veio aqui é bem outro e, como seria de se esperar, os teólogos do passado perceberam esse fato claramente. Dentre eles o que mais impressiona, pelo menos a mim, é Anselmo de Canterbury (1033-1109).
Anselmo nasceu em Aosta, na Itália e, desde a infância era muito religioso. Aos 27 anos foi estudar no mosteiro de Bec, na Normandia (França), onde, em 1078, se tornou abade. Mais tarde, em 1093, Anselmo foi nomeado arcebispo de Canterbury, no Sul da Inglaterra. Ocupando esse cargo, ele lutou contra a simonia, o nicolaísmo e a interferência do Estado na vida da igreja. Por isso, Anselmo foi exilado duas vezes (1097-1100 e 1103-1107).
A obra literária do bispo de Canterbury marcou indelevelmente o pensamento cristão ocidental. Ele escreveu o Monologion (1076) e o Proslogion (1078), dois livros de teologia filosófica. A obra, porém, em que tratou da necessidade da encarnação do Verbo foi Cur Deus homo? (Por que Deus se fez homem?), escrito entre 1094 e 1098. Para Anselmo, Cristo se fez carne a fim de tornar possível a expiação e, assim, satisfazer as justas exigências de Deus relativas ao pecado humano.
O ponto de partida de Anselmo na exposição de sua tese é que “a satisfação deve ser proporcional ao pecado”. Então, ele segue afirmando que o pecado contra Deus é tão grave que o homem, em suas evidentes limitações, não pode, de si mesmo, prover essa satisfação. Anselmo vai além e diz que “... ninguém pode prestar essa satisfação exceto Deus mesmo.”
É nesse ponto que surge um impasse cuja solução parece impossível: a culpa do homem é tão grande que só Deus pode prover a satisfação para ela. Porém, ninguém deve fazê-lo senão o homem, já que a culpa pertence exclusivamente a ele. Percebe-se, assim, pelo raciocínio do bispo de Canterbury, que, no tocante à culpa do pecado humano, só Deus pode pagá-la, mas, para que haja justiça, somente o homem deve pagá-la. Como solucionar esse problema de tal modo que o ser humano se livre da culpa sem que Deus ponha sua justiça de lado?
A solução está em Cristo. Anselmo afirma: “... se só Deus pode e só o homem deve fazer essa satisfação, então necessariamente deve fazê-lo quem seja ao mesmo tempo Deus e Homem.” Eis aí a necessidade do Natal, o motivo pelo qual Cristo se encarnou, fazendo-se verdadeiramente homem, sem deixar sua natureza divina. De fato, ele nasceu em Belém para poder satisfazer a culpa decorrente do pecado humano (Rm 3.25-26; 8.3). Por isso, o Natal é tão importante para os cristãos de verdade. Nele se comemora não somente o nascimento do fundador do cristianismo, mas também o dia em que foi dada solução para o problema horrível do pecado e veio à luz a única Pessoa que podia, por sua plena divindade e real humanidade, pagar a dívida infinita do homem finito.
Pr. Marcos Granconato
Soli Deo gloria
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