Havia um homem, em Nova Jersey (EUA), que morava ao lado de uma rodovia. Todos os dias ele via milhares de carros passarem diante da sua porta. Imagino que fosse uma casa muito barulhenta. Certo dia, esse homem, olhando pela janela, notou o surgimento de um pequeno buraco no asfalto da rodovia. Imediatamente, ele se propôs a deixar o conforto do seu lar e tampar aquele buraco. O interessante foi o que ele disse após fazer esse pequeno, mas importante gesto: “Me custou apenas um minuto. E eu, provavelmente, economizei centenas de dólares de motoristas que passam por aqui. Isso precisava ser feito e eu não estava ocupado”. Que lição inspiradora sobre responsabilidade pessoal, abnegação e consideração pelos outros!
Há mais uma importante lição nessa história que não tem relação direta com o benfeitor, mas com o buraco em si. Não houve maiores danos aos motoristas e aos seus veículos porque o buraco foi fechado a tempo. Entretanto, aquela pequena e, até então, inofensiva brecha no asfalto, certamente continuaria a crescer e faria o que o homem de Nova Jersey previu e evitou. Pequenas brechas, quando não reparadas, sempre crescem e causam danos. Sempre!
Um campo fértil para problemas desse tipo é o coração do homem. E, talvez, nenhuma outra brecha cresça mais que os sentimentos ruins e pecaminosos. É provável que nenhum outro problema cause mais sofrimentos e conflitos que corações magoados, enraivecidos e cobiçosos. Davi percebeu algumas brechas nos corações dos servos de Deus e ensinou, no Salmo 37, a importância de evitar que cresçam. Podemos identificar, nesse salmo, pelo menos cinco sentimentos que os justos devem evitar.
O primeiro é a inveja. O contexto do salmo coloca os servos de Deus, pessoas a quem Davi se dirige, diante de ímpios que, em lugar de sofrerem o castigo de Deus por sua maldade, estavam prosperando com ela. Os justos, por sua vez, não viam dias tão bons, nem desfrutavam de uma alegria como “aparentemente” desfrutavam os ímpios. Essa situação revoltante fazia com que os justos os invejassem, pelo que Davi lhes diz (v.1): “Não sinta inveja daqueles que praticam a injustiça” (’al-teqanne’ be‘osê ‘awlâ). Podemos até entender tal sentimento. Não é fácil lutar contra as dificuldades da vida para ser uma boa pessoa e suprir sua família, enquanto se vêm homens desonestos prosperando com a maldade. É certo que, um dia, todos os injustos serão punidos pelo mal que cometeram (v.6). Mas, por hora, o pesar recai sobre o justo que os vê, incólumes, praticar o mal. Por um lado há o sentimento de revolta; por outro, a inveja e o desejo de também prosperar seguindo os mesmo expedientes. Tal sentimento, ao crescer no coração do justo, traz a ele corrupção e desvio. A receita de Davi para evitar esse mal é confiar no Senhor (vv.3a,5): “Confie no Senhor e faça o bem [...] Entregue ao Senhor o teu caminho e confie nele, pois ele agirá” (betah bayhwâ wa‘aseh-tov [...] gôl ‘al-yehwâ darkeka ûbetah ‘alayw wehû’ ya‘aseh).
O segundo é a ira. Davi aconselha os justos (v.7) da seguinte maneira: “Não se exaspere por causa daquele que faz prosperar o seu caminho, o homem que costuma fazer ardis” (’al-tithar bematslîah darkô be’îsh ‘oseh mezimmôt). Apesar de o conselho ser claro, Davi não se contentou apenas com ele. Tudo indica que a ira no coração dos justos, ao ver os ardis bem sucedidos dos ímpios, os fazia arder sobremaneira. Portanto, Davi repete o ensino de maneira mais séria e grave (v.8): “Abandone a ira; deixe a indignação” (heref me’af wa‘azov hemâ). A preocupação primária de Davi não é diretamente com os injustos ou com o que os justos possam, em sua ira, fazer a eles. Davi olha para os servos de Deus e teme pelo que a ira pode lhes causar, já que completa: “Certamente, isso serve para causar danos” (’ak-lehareah). Como remédio a esse sentimento crescente e destrutivo, o salmista oferece a esperança futura para os que agem da forma oposta (v.11): “Mas os mansos herdarão a terra e desfrutarão de fartura de paz” (wa‘anawîm yiyrshû-’arets wehit‘annegû ‘al-rov shalôm). Tal esperança é tão viva que Jesus a incentivou no sermão do monte (Mt 5.5).
O terceiro sentimento a ser evitado é a ganância. O salmista deixa transparecer o receio de ver seus irmãos imersos nesse sentimento ao graduar o valor das riquezas usando a escala da justiça e da honestidade (v.16): “Bom é o pouco para o justo mais que a riqueza de muitos ímpios” (tôv-me‘at latsaddiq mehamôn resha‘îm ravvîm). Certamente seus leitores não invejavam apenas os lucros das ações corrompidas, mas as riquezas que tais ações acumulavam. Por outro lado, é possível que tivesse surgido neles uma grande insatisfação com suas posses humildes, sem falar na ingratidão a Deus pelo suprimento diário. Dá para entender a preocupação do salmista. Para sanar esse tão grave desvio do coração, Davi oferece uma certeza mais que confortante: o cuidado que o Senhor tem pelos seus servos. Diz ele, no v.19: “Não serão envergonhados em tempos de calamidade, mas se saciarão nos dias de fome” (lo’-yevoshû be‘et ra‘â ûbîmê re‘avôn yisba‘û). Não importa se o servo de Deus não tem os recursos financeiros que garantem sua paz, pois Deus, que é o dono de tudo, supre a necessidade dos seus filhos. A esperança nos bens é passageira e inexata, enquanto, conforme revela o salmista, a esperança em Deus é segura e fundamentada em um amor que nunca passa.
O quarto é o egoísmo. A ganância nem sempre é egoísta, mas o egoísmo sempre é ganancioso. Por isso, diz o salmista (v.21), “o ímpio toma emprestado e não restitui” (loweh rasha‘ welo’ yeshallem). A ganância do ímpio não deixa que ele se incomode com o fato de prejudicar o outro. Nesse ponto, seu egoísmo se revela: ele tem lucro sobre o prejuízo alheio, como se somente o seu bem-estar e os seus interesses importassem. Esse é um sentimento contra o qual o servo de Deus deve lutar o tempo todo, já que, depois do pecado, o homem desenvolveu naturalmente uma disposição egoísta. O objetivo do crente deve ser agir de forma contrária: “O justo, contudo, tem compaixão e dá” (wetsadîq honen wenoten). É impressionante a diferença! Em lugar de usurpar, como fazem os ímpios, o justo dá sem esperar ser restituído. É o contrário do sentimento egoísta. Note bem: não se trata de esbanjar, mas de auxiliar amorosamente. É um sentimento que faz jus ao ensino de Paulo em Romanos 13.8: “A ninguém fiqueis devendo coisa alguma, exceto o amor com que vos ameis uns aos outros”. Para encorajar tal atitude, Davi lembra que, apesar da frequente escassez de posses nessa vida, os servos de Deus serão possuidores de uma herança inigualável no futuro (v.22): “Pois aqueles que são abençoados [pelo Senhor] herdarão a terra” (kî meboracayw yiyrshû ’arets).
Por fim, o quinto sentimento a ser evitado é a malícia. Como importante orientação, Davi ordena (v.27): “Afaste-se do mal e faça o que é bom” (sûr mera‘ wa‘aseh-tov). Trata-se das ações malignas cujas motivações são da mesma natureza. É um sentimento malicioso o responsável pelas más ações. Por isso, o salmista oferece, em lugar da maldade, as boas ações como padrão de vida para o servo de Deus. É um movimento duplo: se afastar do mal e se apegar ao bem. O apóstolo Paulo ensinou o mesmo aos efésios: “No sentido de que, quanto ao trato passado, vos despojeis do velho homem, que se corrompe segundo as concupiscências do engano, e vos renoveis no espírito do vosso entendimento, e vos revistais do novo homem, criado segundo Deus, em justiça e retidão procedentes da verdade” (Ef 4.22-24). Entretanto, devemos nos lembrar que essa batalha deve ser travada, em primeiro lugar, no coração, já que Jesus afirmou que é dele que vêm as ações que contaminam o homem: “Porque do coração procedem maus desígnios, homicídios, adultérios, prostituição, furtos, falsos testemunhos, blasfêmias” (Mt 15.19). Por isso, o remédio que Davi oferece para impedir que a malícia cresça no coração dos filhos de Deus é a transformação que ele sofreu na sua conversão e a adoção da Palavra do Senhor onde antes só havia malícia e corrupção (v.31): “Ele tem, no seu coração, a instrução do seu Deus” (tôrat ’elohayw belivvô).
Inveja, ira, ganância, egoísmo e malícia são sentimentos que têm muito em comum. Eles acometem os servos do Senhor, causam destruição e crescem se não forem impedidos a tempo. Isso faz com que seja primordial tanto a atenção a eles como a decisão de abandoná-los e vencê-los. Muitas vidas santas se deterioraram na história da igreja de Cristo por descuido e autoconfiança em relação ao combate a esses males. Em um aspecto, são muito parecidos com aquele buraco na rodovia da Nova Jersey: eles crescem se ninguém os combater. Por outro lado, diferem daquele buraco em relação à gravidade, pois não há dólares suficientes em termos de prejuízo que tornem qualquer buraco mais destrutivo que os sentimentos pecaminosos florescendo no coração do justo. Tampe esses buracos a fim de ter uma viagem feliz e segura, sendo guiado e protegido pelo do nosso Senhor.
Pr. Thomas Tronco
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