No dia 17 de dezembro de 1927, um submarino da classe S-4 sofreu uma colisão acidental com um navio da guarda costeira americana na costa de Massachusetts (EUA). Avariado, o submarino, com 38 tripulantes, afundou rapidamente até tocar o fundo do oceano, pouco mais de trinta metros abaixo da superfície. Um grande número de navios com equipes especializadas se uniu para tentar o resgate dos tripulantes. Apesar de todo o aparato utilizado, a dificuldade não se resumia a um procedimento delicado em um lugar de difícil acesso, mas a fazê-lo movido pela extrema urgência que a situação exigia. Nenhum esforço teria êxito se os marinheiros morressem por falta de oxigênio. Tanto as equipes de resgate como os marinheiros no submarino sabiam disso.
Um mergulhador, se aproximando do submarino, encostou seu capacete no casco e ouviu batidas vindas de dentro. Rapidamente, percebeu tratar-se de uma mensagem em código Morse. Ela vinha de seis sobreviventes alojados na sala de torpedos dianteira. Depois de estimarem que o suprimento de oxigênio acabaria em cerca de 48 horas, a pergunta codificada que retumbava dentro do enorme sepulcro de aço era: “Há alguma esperança?”. Às vezes, a única coisa que resta ao homem é a esperança.
Se há alguém que soube o que é andar na corda bamba da vida apoiado apenas pela vara da esperança, esse alguém foi Davi. A diferença, entretanto, entre o rei de Israel e os marinheiros naufragados do S-4 é que os marinheiros foram vítimas de um infeliz acidente, enquanto Davi foi vítima das consequências do seu pecado. O Salmo 38 revela, em meio ao pedido de perdão do salmista, a gravidade das consequências dos seus atos, ao passo que frisa a esperança que tinha de ser perdoado e aliviado do fardo por meio da bondade do Deus a quem servia.
O início do salmo mostra que o escritor, que bem conhecia seus atos, interpretava o intenso sofrimento que atravessava como uma dura – e merecida – punição por parte do Senhor (v.2): “Pois tuas flechas se fincam em mim e cai sobre mim a tua mão” (kî-hitseyka nihatû bî watinhat ‘alay yadeka). Por isso mesmo, seu pedido a Deus é (v.1): “Ao repreender-me, ó Senhor, não o faças na tua ira, nem me castigues na tua irritação” (yehwâ ’al-beqetspeka tôkîhenî ûbahamateka teyasserenî). Esse pedido visa a que Deus limite seu castigo a fim de não destruir o salmista. Apesar da dureza com que Deus o tratava nesse momento, Davi não culpa o Senhor nem lhe acusa de injustiça. Na verdade, ele declara saber que o que sofre vem da sua própria iniquidade (vv.3,4): “Não há bem-estar nos meus ossos por causa do meu pecado, pois as minhas iniquidades ultrapassaram a altura da minha cabeça” (’ên-shalôm ba‘atsamay mipenê hatta’tî kî ‘aônotay ‘ovrû ro’shî). Diante disso, a atitude de Davi é exatamente aquela ensinada nas Escrituras. Ele busca o Senhor e confessa a ele seu pecado, dizendo (v.18): “De modo que eu confesso a minha culpa; estou inquieto devido ao meu pecado” (kî-‘aônî ’agîd ’ed’ag mehatta’tî).
A situação caótica enfrentada pelo escritor, descrita ao longo de todo o salmo, não o fez desistir. É comum ver homens cometendo loucuras ao se verem abatidos pelas reviravoltas da vida. Talvez Davi tivesse mais razões para isso que a maioria dos que passam por duras provas. É certo que não era a primeira vez que sofria perseguição de inimigos. Nelas, Davi sempre mostrou forte convicção de que Deus olhava para a injustiça dos adversários e o livrava das suas mãos. Mas essa situação era diferente. Quem o perseguia dessa vez era a mão do Senhor punindo-lhe o pecado. O protetor divino, nessa ocasião, era a fonte da dura disciplina. Mesmo assim, Davi permaneceu de pé e, mesmo manco por causa dos golpes, prosseguiu sua jornada. O motivo foi a esperança que tinha no próprio Senhor Deus. Podem-se notar, ao longo do salmo, pelo menos quatro razões para a esperança de Davi na situação desesperadora em que vivia.
A primeira razão para a esperança era a certeza de ser ouvido em oração. As esperanças de Davi se revelam nos seus pedidos. Ele orava porque acreditava que Deus o atenderia e isso o enchia de esperanças. Por isso ele se dirige ao Senhor dizendo (v.9): “Diante de ti, ó Senhor, está todo o meu lamento e a minha ansiedade não é oculta a ti” (’adonay negdeka kal-ta’awatî we’anhatî mimmeka lo’-nistarâ). Davi sabia que não estava tratando com um juiz impiedoso diante de quem não se pode pedir clemência. Conhecedor do caráter divino, o salmista olha com esperança para a oração. Ele tem a certeza de que Deus a ouvia e não se endurecia diante dela, além de notar, dentro do coração do pedinte, a veracidade do seu quebrantamento. O escritor se aquecia ao saber que Deus reagiria de modo compatível com seu caráter diante do filho que implora o perdão do pai e que se derrama em lágrimas com suas dores à vista.
A segunda razão para esperança era o relacionamento inquebrável com Deus. Davi sabia da capacidade do Senhor no que tange ao conhecimento de tudo e de todos, conforme demonstra no Salmo 139. Tal capacidade fazia com que Deus conhecesse os pontos positivos do salmista, ao mesmo tempo em que conhecia todo o seu pecado e impureza. Se Davi sabia que estava sendo disciplinado, sabia também que Deus tinha ciência da sua iniquidade. Ainda assim, ele revela confiança de isso não faria com que o Senhor o rejeitasse definitivamente. Logo (v.15), ao dizer “em ti eu espero, ó Senhor” (leka yehwâ hôhaletî), ele chama o mesmo Senhor de “meu Deus” (’elohay). Para Davi, o Senhor continuava sendo o “seu” Deus. Tal relacionamento não pode se quebrar porque a fidelidade do Senhor, e não a do homem, o mantém nas situações adversas. No pecado, o Senhor disciplina o filho, mas não o deserda.
A terceira razão é a presença constante do Senhor. O próximo pedido do rei de Israel, ao qual tem esperanças de ver atendido pelo bom Deus, é (v.21): “Não me abandone, ó Senhor meu Deus; não se afaste de mim”. Davi certamente se lembrava de como o Senhor tratou Saul, retirando dele seu Espírito e entregando-o aos tormentos do maligno (1Sm 16.14). Entretanto, Saul, diferente de Davi, nunca demonstrou a disposição de servir de fato a Deus, de crer nele e de se deixar guiar pelo soberano Senhor. Com o passar do tempo, foi se endurecendo cada vez mais e terminou a vida em rebeldia. O salmista não era assim e sua esperança era receber um tratamento diferente do que foi dado ao antigo rei. Desse modo, sua esperança está no fato de que sabia ser muito razoável pedir a Deus que não se afastasse dele e permanecesse junto dele, mantendo também a comunhão. O Pai nunca abandona seus filhos, mas permanece sempre ao seu lado.
A quarta razão para esperança era a confiança na sabedoria divina. Davi, ao ver a situação de urgente necessidade que atravessava, faz uma ressalva interessante em seu pedido (v.22): “Se apresse em socorrer-me, ó Senhor” (hûshâ le‘ezratî ’adonay). Digo se tratar de uma ressalva interessante, pois ela não está sempre presente nas orações davídicas. Enquanto a confiança na bondade de Deus sempre transparece, a urgência nem sempre se faz perceber nas poesias desse salmista. Contudo, esse é um caso diferente. A perseguição dos inimigos parece ser tão feroz que o livramento urgente é necessário para que Davi não pereça na mão deles. E, ao que parece, ao orar pedindo que Deus se apresse ao socorrê-lo, Davi transmite a esperança de que a sabedoria de Deus é capaz de avaliar cada situação e tratá-la de maneira individual, não como uma força impessoal e mecânica, mas como um sábio que conhece as peculiaridades das pessoas e das circunstâncias. Caso contrário, seria inútil orar desse modo.
Infelizmente, a esperança dos marinheiros do S-4 foi inútil. Uma forte tempestade atrasou o resgate e as opções escolhidas para o salvamento se mostraram equivocadas. Todos morreram e a esperança dos marinheiros pereceu com eles. Por decepções como essa, talvez muitos crentes, ao pecarem, se afastam de Deus não somente pela iniquidade dos seus atos, mas pela falta de esperança de continuarem a ser amados por ele. Desse modo, já que a comunhão foi ferida pelo pecado, eles terminam de matá-la se entregando ainda mais ao descaso e à falta de arrependimento. O ensino desse salmo é que tais posturas são erradas e inúteis, visto que Deus está pronto a perdoar o pecador arrependido. Essa é a melhor esperança que o pecador contrito pode ter: a de que será recebido nos braços do Pai quando volta para casa. Portanto, abandone seu pecado e busque o Senhor. Nele, a esperança dos cristãos nunca naufraga.
Nenhum comentário:
Postar um comentário