Certa vez, ouvi uma espécie de piada que frisava diferenças entre homens e mulheres. Segundo a piada, as mulheres se cumprimentam dizendo “nossa, você está linda, magrinha”; mas quando vão embora, dizem: “Como ela está gorda!”. Por sua vez, os homens se encontram e dizem: “Fala, seu gordo, careca”; ao partirem, o homem comenta: “Esse cara é gente fina”.
Piadas à parte, algo que realmente acontece é pessoas usarem palavras que não refletem o que pensam. E, pior: palavras que depois são contraditas por declarações pejorativas e destrutivas. Em resumo, trata-se de pessoas que pela frente dizem uma coisa e, por trás, outra.
Olhando para esse problema, Davi, no Salmo 12.1, pede “libertação” (do hebraico yasha‘) ao Senhor, pois, segundo ele, “acabaram-se os leais” (gamar hasîd), ou seja, os homens que agem com lealdade e veracidade. Junto com tais pessoas, também “desapareceram os confiáveis” (cassû ’emûnîm). A situação descrita por Davi é a de um covil de mentirosos. Mas, note bem: não se trata de inimigos abertos. Pela frente, tais homens são agradáveis, pois moldam sua imagem com o cinzel da mentira. Dizem coisas que seus corações não sentem e que são agradáveis aos ouvidos. Entretanto, pelas costas, destilam um veneno destruidor.
O v.2 expande essa idéia ao dizer que tais pessoas falavam “falsidades uns com os outros”. A mentira era uma atividade tão difundida e comum naquele meio que aqueles que mentiam eram também alvo da mentira de outros. Uns querendo levar vantagem sobre os outros fingindo ser o que não eram de verdade. Ao observá-los, Davi percebeu duas táticas desses homens para alcançar o fim que almejavam. O primeiro era usar “lábios bajuladores” (sefat halaqôt) que lisonjeiam os ouvintes com a intenção de manipular suas reações. A segunda era esconder os verdadeiros sentimentos e planos atrás de um “coração fingido” (lev yedabberû).
Apesar da falsidade, os desleais não temiam ser desmascarados e punidos. Além de a soberba (v.3) ser o combustível de suas línguas, o v.4 relata que, mesmo diante de Deus, sua arrogância era sentida, visto julgarem não haver ninguém que os pudesse deter ou reprovar. De forma desafiadora, Davi os vê agir como quem diz “quem é senhor para nós?” (mî ’adôn lanû), ou seja, “quem é que pode nos dizer o que fazer, ou nos punir se não o fizermos?”.
Não é de surpreender que Davi tenha pedido a Deus para libertá-lo de homens assim. Na verdade, eles são mais perigosos que os homens perversos e violentos, pois desses nos afastamos, enquanto, dos bajuladores falsos e desleais, acabamos mantendo o contato e pondo neles a confiança.
Mas Davi, ao mesmo tempo que observa a deslealdade dos homens, vê também a repulsa de Deus sobre essa atividade e a punição consequente, dizendo que “o Senhor corta” (yakret yehwah) todos os lábios bajuladores. Diante da opressão causada por esses egoístas lisonjeiros e mentirosos (Rm 16.18), o Senhor diz que intercede pelos que anseiam por libertação dos tais (v.5).
Assim, a confiança do rei está em Deus. Mesmo que os ímpios estejam por toda parte (v.8), o Senhor, que não é como eles e cujas palavras são “puras” (tehorôt) como a prata purificada várias vezes (v.6), é aquele que “guarda” e “cuida” (do hebraico shamar e natsar, respectivamente) dos que nele esperam.
Confesso que nessa época de eleições e de políticos agindo como esses homens descritos por Davi, talvez presentes até na sua corte, senti-me confortado e confiante em Deus, que vê e controla todas as coisas. Lembrei-me que, por mais que tais homens e mulheres desejem a ascensão, mesmo que isso signifique nossa ruína, o Senhor, ao mesmo tempo, olha com dureza para a arrogância e a maldade dos desleais e se levanta para socorrer os que não têm como se defender dos seus ardis.
Por fim, lembrei-me, também, da responsabilidade de não agir como aqueles que tememos e cujas ações nós reprovamos, seja no campo da política, da economia, do direito e até naquelas conversas informais quando encontramos conhecidos pela rua. Com todos, tenhamos apenas “uma cara” e “um discurso” Que o nosso “sim” sempre queira dizer “sim” e o nosso “não” queira, realmente, sempre dizer “não” (Mt 5.37)! Assim, no falar e no agir, sejamos nós mesmos “gente fina”.
Pr. Thomas Tronco
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