sexta-feira, 29 de outubro de 2010

O Batismo Infantil (Parte 1)

A prática do batismo infantil foi adotada muito cedo pela igreja cristã. De fato, já no século 2 há evidências de que os cristãos batizavam seus bebês, uma vez que criam no batismo como uma forma de remissão de pecados e capaz de garantir a salvação das vítimas de morte prematura.

É verdade que Tertuliano de Cartago († c. 220) se insurgiu contra essa prática. Porém, ele o fez porque entendia que o arrependimento para perdão de pecados mortais só poderia ocorrer uma vez depois do batismo. Segundo Tertuliano, esse fato deixava os que eram batizados muito cedo em situação perigosa, sujeitos a perder, irremediavelmente e para sempre, o favor de Deus na fase adulta. Para ele, esse era o motivo pelo qual o batismo devia ser protelado até que a pessoa se sentisse mais distante do perigo de cometer pecados mortais como o adultério, o assassinato ou a apostasia.

Se, por um lado, há ampla evidência histórica para o pedobatismo, de outro, não há nenhum fundamento bíblico para essa prática. A despeito disso, os defensores do batismo infantil apresentam alguns argumentos em sua defesa.

O primeiro desses argumentos (e talvez o mais popular) é construído a partir da história narrada em Atos 16.27-34, referente à conversão do carcereiro de Filipos e seus familiares. Segundo o texto, depois que ouviram a Palavra do Senhor, o carcereiro foi batizado, ele e todos os da sua casa (At 16.33). No entender dos pedobatistas, certamente havia crianças bem pequenas naquela família, sendo todas incluídas no batismo realizado naquela ocasião. É difícil, porém, levar esse argumento a sério, posto que se sustenta unicamente sobre o frágil alicerce da  imaginação e da criatividade dos seus proponentes. Para desmantelá-lo, basta lembrar o fato óbvio de que nem todas as famílias têm bebês em casa.

A defesa do batismo infantil tem, na verdade, colunas de apoio muito mais sólidas do que o argumento exposto acima. Seus proponentes mais capazes expõem razões que merecem consideração séria e análise mais bem elaborada.

É o caso do argumento relativo ao Pacto. Os pedobatistas entendem que, assim como os bebês dos israelitas eram circuncidados pelo fato de seus pais pertencerem ao Pacto entre Deus e a nação judaica (Gn 17.10-14), da mesma forma os bebês dos crentes devem ser batizados, uma vez que seus pais, desde o dia em que se converteram, tornaram-se participantes do mesmo Pacto por meio da fé em Cristo (Gl 3.7,29). Essa concepção ainda admite expressamente que os filhos de quem participa do Pacto também pertencem ao Pacto, estando aí a razão principal para que se sujeitem ao símbolo do Pacto. Ora, no passado, o símbolo do Pacto foi a circuncisão, mas, como ela foi anulada (Gl 5.2,6; 6.15), o batismo a substituiu. Assim, de acordo com essa visão, o batismo infantil é o correspondente cristão da circuncisão judaica.

Essa conexão entre circuncisão e batismo é defendida especialmente com base em Colossenses 2.11-12. Nesse texto, dizem, circuncisão e batismo estão ligados, ambos representando o fim da velha vida de pecado, havendo, assim, forte associação entre os dois ritos. Em seu desdobramento final, toda essa argumentação afirma o seguinte: se Paulo iguala a circuncisão e ao batismo e se o primeiro era aplicado aos bebês, nenhum absurdo há em aplicar também o batismo aos recém-nascidos.

Outro intrigante argumento em prol do batismo infantil é baseado em Romanos 4.11. Esse argumento é construído assim: Em Romanos 4.11, Paulo define a circuncisão como “selo da justiça da fé”. Ora, no Velho Testamento, Deus ordenou que esse “selo da justiça da fé” fosse aplicado a bebês que não tinham fé (Lv 12.3). Logo, não é errado gravar com um selo de fé as crianças que ainda não creem. Condenar essa prática seria reprovar o que o próprio Deus ordenou! Assim, considerando que o batismo também é um selo de fé, nada há de errado em aplicá-lo ao bebê que ainda não crê. Se o próprio Deus mandou que isso fosse feito, quem somos nós para dizer que é preciso crer antes de receber o selo da fé?

Se tudo isso é correto, por que os batistas e outros evangélicos não batizam bebês? As razões disso serão expostas na próxima parte deste artigo.

Pr. Marcos Granconato
Soli Deo gloria

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Os Malfeitores e o Verdadeiro Órgão de Defesa do Consumidor

Ultimamente, ando decepcionado com as lojas e com as prestadoras de serviço. Tive péssimas experiências de ser bem atendido na hora de adquirir algo e, depois, na hora de receber o produto ou de ter suporte técnico e manutenção, ser extremamente negligenciado.

Dentre todas essas más experiências que acumulei, as piores foram aquelas cujo contato se dá por telefone. O motivo disso é que as empresas, ao que me parece, deliberadamente criam um sistema em que a burocracia vence os esforços dos clientes e burla o senso de justiça. Resumindo, elas fazem o que querem e você nunca tem com quem reclamar, já que os atendentes não passam de funcionários cuja função é apenas falar com as pessoas, registrar seus pedidos e – coitados deles – testemunhar a fúria de clientes explorados e enganados pelas empresas.

Desse modo, as ricas corporações ficam cada vez mais ricas, enquanto os pobres, principalmente os que têm menos recursos a que possam recorrer, ficam cada vez mais pobres. O desgosto do consumidor é tão grande que é comum ouvir: “Todos esses homens são desonestos e não há um deles que não seja ladrão”. É muito provável que a realidade não seja exatamente essa e que haja corporações que respeitem os direitos das pessoas, mas, ainda assim, concordamos, muitas vezes, com frases desse tipo.

Davi viveu uma situação parecida com a nossa. Mas o objeto do seu protesto não foram empresas de telefonia ou de cartões de crédito. O Salmo 14 é um protesto contra os “malfeitores” (v.4), os quais ele chama literalmente de “causadores de lamentos” (po‘alê ’awen). Trata-se de pessoas cujas ações trazem sofrimento àqueles que, por vezes, não têm como se defender: os “justos” (v.5) e os “pobres” (v.6). Os pobres vivem, quase sempre, à margem dos meios de justiça sem ter acesso a ele ou sem alcançar a empatia dos agentes da promoção da lei e da ordem. Os justos, por sua vez, são privados, por sua própria justiça, de terem reações vingativas ou condignas do desrespeito com que foram tratados. Sabendo disso, os malfeitores abusam deles ainda mais.

Davi diz, no v.1, que esses homens insensatos falam para si mesmos: “Não há Deus” (’ên ’elohîm). Apesar de a afirmação se parecer com a proposta dos ateus, não é provável que no mundo politeísta do passado houvesse muitos que acreditassem em um vácuo divino. Na verdade, o que passava no coração daqueles homens maus e injustos é que não havia um vingador das injustiças que eles cometiam. Para eles, não havia um juiz maior que todos que os pudesse deter ou punir. Por isso, diz o texto, eles “se perverteram” (hishhîtû) e “procederam de modo abominavelmente cruel” (hit‘îvû ‘alîlâ).

O v.2 contempla o Senhor fazendo uma sondagem nesses homens para ver se há, dentre tais homens, “aquele que busca a Deus” (doresh ’et-’elohîm). A resposta, duas vezes pronunciada (vv.1,3), é “não há quem faça o bem” (’ên ‘oseh-tôv). O v.3 reforça o quadro ruim demonstrando que, apesar da busca apurada, o resultado dela é que “não há nem sequer um” (’ên gam-’ehad) que aja bem ou busque a Deus. Apesar de Paulo aplicar esse texto à realidade de “toda” a raça humana em relação ao pecado (Rm 3.10-12), parece que o universo de “todos” aqueles que não fazem o bem compreende, no Salmo 14, apenas os “malfeitores”, que são contrastados, nesse salmo, com os “justos” e com os “pobres”. Trata-se de “todos” os que, conforme o v.3, “juntos se desviaram e se corromperam” (sar yahdan ne’elahû).

Por fim, a maldade e a falta de temor de tais homens são tão grandes que, além de não buscarem a Deus (v.2), também “não clamam a Deus” (yehwâ lo’ qara’û) por nada. São homens completamente desligados de Deus, confiantes em seus próprios recursos e confiantes de que não há quem os possa deter ou repreender. Por essa causa, eles se aproveitam dos indefesos de modo que Deus se refere a eles como “aqueles que devoram o meu povo como quem devora pão” (’okelê ‘ammî ’okelê lehem). Não há limites para os anseios desses malfeitores. Nenhum obstáculo os faz parar nem sua consciência os acusa de nada. Prejudicam as pessoas e conseguem, mesmo assim, dormir tranquilos.

Entretanto, esse abuso não é bem visto por Deus. Nem o Senhor se omite diante de tantas perversidades. Davi diz que, apesar de os malfeitores “ridicularizarem os alertas dos pobres” (‘atsat-‘anî tavîshû) sobre as consequências de agirem daquele modo, o Senhor atua em dois sentidos. O primeiro é agir como “refúgio” dos seus (v.6). Em segundo, agir como vingador no mal, causando “grande pavor” nos malfeitores (v.5). Por fim, Davi, que no momento vê os injustos prevalecerem, olha com esperanças para as promessas de Deus desejando que elas se cumpram logo e que o Senhor, em breve, venha a “restaurar o seu povo” (v.7), trazendo-lhe exultação e alegria.

Não sei mais quantas vezes serei tratado injustamente pelas empresas que são mais ricas e mais fortes do que eu. Mas sei que elas não podem conter a atuação de Deus, nem impedir que ele faça justiça aos seus, seja confortando-os no sofrimento, seja livrando-os das suas armadilhas. Por isso, olho para o futuro cheio de esperanças e fazendo coro com o rei Davi: “Tomara de Sião viesse a salvação”.

Pr. Thomas Tronco

A ‘Teoria da Relatividade’ de Davi

“Deste aos meus dias o comprimento de um palmo; a duração da minha vida é nada diante de ti. De fato, o homem não passa de um sopro” (Sl 39.5).

Não há nada em nossa vida que não esteja intimamente relacionado com o tempo. Se somos ágeis ou lerdos, se estamos adiantados ou atrasados, se nos locomovemos ou se simplesmente pensamos, o tempo ainda é o “pano de fundo” de tudo que nos cerca. Mas, afinal, o que é o tempo?

Vejamos dois pensamentos a respeito do conceito de tempo:

“Se não me perguntarem, eu sei o que é. Se tiver de explicar para alguém, não sei. O problema é que o passado não está mais aqui, o futuro ainda não chegou e o presente voa tão rápido que parece não ter extensão alguma. Aliás, se o presente só surge para virar passado, não daria para dizer que o tempo é uma caminhada rumo à não-existência?” (Agostinho de Hipona – 354-430).

“Uma ilusão. A distinção entre passado, presente e futuro não passa de uma firme e persistente ilusão” (Albert Einstein – 1879-1955).

A primeira explicação pertence a Agostinho de Hipona, um filósofo cristão. A segunda é do primeiro físico teórico pop do mundo, Albert Einstein. Apesar de Agostinho ter abraçado a fé cristã, contrariamente ao que optou Albert Einstein, ambos expressam perplexidade sobre o conceito de tempo por ângulos diferentes.

Nota-se, por exemplo, que o atributo “absoluto” não pode ser concedido ao tempo e que essa privação confere relatividade a tudo que nos cerca.

Davi, rei de Israel “segundo o coração de Deus”, inspirado pelo Espírito Santo, descreveu a perplexidade do tempo sob a óptica de sua própria longevidade. Aproximadamente. 1.400 anos antes de Agostinho de Hipona e 2.900 anos antes de Albert Einstein, o rei Davi escreveu o Salmo 39 do qual foi retirada a epígrafe deste artigo. Nesse versículo, vemos porque o pretenso atributo “absoluto” do tempo se esmigalha. “Absoluto” é um atributo inerente a Deus, o autor do tempo e da vida. Logo, todos os conceitos expressos por Davi se relativizam sob o Deus absoluto e infinito, pois a criação (tempo) não pode conter o Criador (Deus).

Davi teve vida longa segundo os padrões pós-diluvianos de sua época: setenta anos. A título de comparação, a expectativa média de vida no Brasil, 3 mil anos depois, é de 72,8 anos. Logo, considerando os parâmetros atuais da expectativa de vida, Davi alcançou boa longevidade. Entretanto, “curiosamente”, Davi diz que seus “dias” de vida são como um “palmo” e um “sopro” diante de Deus.

Ele realça, de forma poética, a pequenez do período de setenta anos diante de Deus. Para entendermos porque um palmo é uma ilustração de pequenez, imagine-se medindo um pequeno terreno com suas mãos. Você perceberá que sua paciência é menor do que imaginava. Ademais, o que é um sopro? Por meio de um aparelho chamado espirômetro, nota-se que o ser humano normal, quando é solicitado a soprar forçosamente, é capaz de expirar 97% da “capacidade vital” (quantidade de ar que há nos pulmões que se pode expirar) em aproximadamente três segundos. Enfim, três segundos parecem ser muito pouco tempo para se correlacionar com setenta anos!

Estaria Davi sendo ingrato por seus setenta anos? Com certeza, não! Ao iniciar o seu texto, ele assegura a santidade das palavras que se seguem: “Vigiarei a minha conduta e não pecarei em palavras” (Sl 39.1a). E, corroborando a defesa de que Davi não é ingrato, “setenta anos se transformaram em três segundos” porque Davi se comparou ao Deus eterno. Em verdade, é até impróprio dizer que a vida de Davi é de “três segundos”, pois ele mesmo diz que sua vida é “nada” diante de Deus. Ou seja, infinitamente menos em relação aos três segundos.

Para darmos mais corpo à “relatividade” de Davi, que transformou setenta anos em três segundos, qual a duração mínima do tempo para que percebamos setenta anos como três segundos? Com o auxílio da proporção matemática, chega-se ao valor de, aproximadamente, 54 bilhões de anos. Ou seja, setenta anos em 54 bilhões de anos têm a mesma proporção que três segundos em setenta anos.

Logo, mesmo que um cristão vivesse setenta anos de ininterrupta agonia e sofrimento, isso equivaleria, no mínimo, a 54 bilhões de anos de perfeito, infinito e inefável regozijo com Deus! Todavia, sabemos que àqueles que receberam o Filho de Deus, Jesus Cristo, foi-lhes dada a honra de viverem eternamente com Deus. Logo, se utilizarmos o limite ao infinito em nossos cálculos, nossa vida terrena é igual a zero diante de Deus! Daí vem o “nada” dito por Davi. 

Mas há ainda um aspecto interessante em relação ao “palmo” e ao “sopro”. Quando o mesmo “palmo” e o “sopro” provêm do “absoluto” (Deus) os resultados não denotam pequenez, mas infinita glória! Em humilhação santa que a Palavra de Deus pode nos proporcionar, a “palma” da mão Deus é usada para medir um universo estimado em mais de 150 bilhões de anos-luz de diâmetro: “Quem mediu as águas na concha da mão, ou com o palmo definiu os limites dos céus?” (Is 40.12a). E, em relação ao “sopro”, temos a magnífica criação da humanidade: “Então, o Senhor Deus formou o homem do pó da terra e soprou em suas narinas o fôlego de vida, e o homem se tornou um ser vivente” (Gn 2.7).

Talvez você quebre um dos recordes de longevidade pós-diluviana de que se têm notícia: 175 anos (Abraão). Mas, serão anos difíceis, cheios de sofrimento e rápidos: “Os anos de nossa vida chegam a setenta, ou a oitenta para os que têm mais vigor; entretanto, são anos difíceis e cheios de sofrimento, pois a vida passa depressa, e nós voamos!” (Sl 90.10).

É imprescindível, para termos uma vida serena, a constante consciência daquilo que nos espera: a vida eterna com Deus! Uma vida em que o tempo não se aplica, pois os ponteiros do relógio do paraíso não existem! Uma vida em que nos está reservada a função de reinar com Cristo, servir e louvar a Deus com constante alegria. Quando você olhar para esse imaginário relógio celestial, você constatará: “Essa minha alegria não tem hora para acabar!”

Diz o Salmo: “Ensina-nos a contar os nossos dias para que o nosso coração alcance sabedoria” (Sl 90.12). Esse versículo fala sobre a importância de contarmos os dias em que nos encontramos em comunhão e obediência a Deus. Todavia, é necessário expandir e enfatizar a sua aplicação para os dias difíceis e de sofrimento que estão no mesmo salmo. Crente, “faça as contas” dos dias difíceis e de sofrimento que vem tendo. O resultado será “séculos dos séculos” de regozijo no paraíso com Deus.

Crente, una-se ao apóstolo Paulo e ore com convicção: “Por isso não desanimamos. Embora exteriormente estejamos a desgastar-nos, interiormente estamos sendo renovados dia após dia, pois os nossos sofrimentos leves e momentâneos estão produzindo para nós uma glória eterna que pesa mais do que todos eles. Assim, fixamos os olhos, não naquilo que se vê, mas no que não se vê, pois o que se vê é transitório, mas o que não se vê é eterno” (2Co 4.16-18).

Leandro Boer

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Você Frequenta a Escola Bíblica Dominical?

Certa vez, um pastor da Igreja Metodista de Atlanta – Estados Unidos, chamado Pierce Harris, foi pregar em um presídio. Conta ele que lá estavam vários homens, todos com a mesma roupa, sentados em um pátio enquanto aguardavam o início do culto. Um dos internos, que estava posicionado à parte dos outros a fim de apresentar o pregador, dirigiu-se aos seus colegas dizendo: “Muitos anos atrás, dois garotos viviam na mesma comunidade no norte da Georgia. Eles frequentaram a mesma escola, brincaram com os mesmos colegas e iam à mesma escola bíblica dominical. Um deles abandonou a escola dominical porque sentiu que ‘já tinha passado dessa fase’. O outro garoto permaneceu frequentando-a, pois realmente acreditava nela. O garoto que deixou de ir à escola dominical é este que hoje faz essa apresentação. O garoto que continuou a ir é o distinto pregador dessa manhã”.

Eu sei que muitos que agora leem este texto, já imaginando aonde ele vai chegar, estão pensando: “Essa história não quer dizer nada. Não é a frequência ou não à escola bíblica dominical (EBD) que define o que a pessoa vai ser na vida”. Para esses eu diria: “Talvez sim, talvez não”. De fato, a história das pessoas se baseia em muito mais coisas e circunstâncias do que um fator somente. Não dá para olhar para o menino sentado na carteira da escola dominical, e até os mais velhos assentados nos bancos da igreja, com o material em mãos, e lhes prever o futuro. Entretanto, é possível dar um bom palpite. Isso, porque a frequência à EBD é, em si mesma, uma “causa” e um “efeito”.

Como “causa”, ela produz nos crentes que dela participam um conhecimento mais profundo das Escrituras. Paulo, olhando para as necessidades do jovem Timóteo, orienta-o: “Até à minha chegada, aplica-te à leitura [das Escrituras inclusão minha]” (1Tm 4.13a). Em relação aos jovens da igreja, Paulo ordena a Tito que lhes dê instrução: “Quanto aos moços, de igual modo, exorta-os para que, em todas as coisas, sejam criteriosos” (Tt 2.6), além de o salmista ressaltar a importância da Palavra na luta contra o mal: “De que maneira poderá o jovem guardar puro o seu caminho? Observando-o segundo a tua Palavra” (Sl 119.9).

Quanto à criança, a Palavra de Deus indica que devem ser insistentemente educadas no caminho da justiça e da verdade: “Estas palavras que, hoje, te ordeno estarão no teu coração; tu as inculcarás a teus filhos, e delas falarás assentado em tua casa, e andando pelo caminho, e ao deitar-te, e ao levantar-te” (Dt 6.6,7), e “ensina a criança no caminho em que deve andar e, ainda quando for velho, não se desviará dele” (Pv 22.6). É certo que tais cuidados não são exclusivos do ambiente eclesiástico – e nem devem ser – mas a EBD se presta a tanto e é um complemento fundamental para aqueles que, em casa, na escola e no trabalho, dedicam-se a aprender a Palavra de Deus e ensinar seus filhos.

Como “efeito”, o interesse pela EBD e por aquilo que ela tem a oferecer parte de corações desejosos de passar por um crescimento espiritual, de ter comunhão com Deus e de participar mais efetivamente da obra do nosso Senhor Jesus Cristo. Tenho visto, ao longo dos anos, muita gente desinteressada pela Palavra e inerte na vida da Igreja de Cristo presentes nos cultos da noite, perdidas no meio daqueles que sabem, de fato, o porquê de estarem ali. Entretanto, não costumo vê-los na escola bíblica dominical.
Não esquecendo de fazer justiça àqueles que “realmente” são impedidos de frequentar a EBD, nela normalmente se encontram cristãos sérios que querem que suas vidas sejam moldadas pelo Senhor a partir da renovação da sua mente (Rm 12.1,2). São também aqueles que não desperdiçam as oportunidades de estar com os irmãos e, principalmente, cultuar o Senhor (Hb 10.25). Esses são aqueles que, mesmo no culto da noite, participam integralmente cantando, orando e prestando a máxima atenção à pregação, enquanto outros, por vezes, nem sabem dizer o assunto ou o texto central do sermão.

Portanto, não é sem motivo que me preocupo com as pessoas que não vejo nos domingos de manhã. Elas são, no mínimo, pessoas que, por um lado, não dão prioridade a Deus e, por outro, não estão sendo suficientemente alimentadas.

Pense nisso! Nem todos aqueles que buscam modicamente o aprendizado da Bíblia e a comunhão e proteção da igreja irão parar na prisão. Mas, certamente, muito poucos desses – ou nenhum deles – serão pessoas que irão transformar, de algum modo, pela Palavra e pelo procedimento, o meio em que vivem.

Pr. Thomas Tronco

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Quando o Socorro Parece Atrasar

Sou um grande fã de filmes. Meus preferidos são filmes de aventura, de ação, de preferência se forem baseados em fatos reais. Alguns filmes marcam pela emoção que causam nas pessoas e, em mim, mais ainda. Um dos momentos mais emocionantes dos filmes é quando o mocinho está para ser pego e, em cima da hora, surge alguém ou algo que o livra quando tudo parecia perdido. Alguns exemplos nesse sentido que me vêem à mente são a cena onde Blondie (Clint Eastwood) atira na corda da forca do seu comparsa dependurado pelo pescoço em “O bom, o mau e o feio” e a cena da primeira luta travada em “Gladiador”, quando Maximus (Russell Crowe - foto), general do império, quase sucumbe diante do inimigo até que um cavaleiro romano, que passa rapidamente pela cena, desfere um golpe mortal no adversário.

Resumindo, em quase todos os filmes de ação o herói se safa no último momento. Essa é “quase” uma certeza matemática para os cinéfilos. Entretanto, na vida real não é tão certo que os heróis sejam salvos em cima da hora. Muitas vezes eles são pegos, são maltratados e até são mortos. Quando um perigo da vida real acerca alguém, não sabemos se todos serão “felizes para sempre” ao final de tudo. Muitas vezes os homens esperam um livramento, mesmo que no último momento, e ele não vem.

É nessa circunstância em que encontramos o rei Davi ao escrever o Salmo 13. Na verdade, esse salmo é uma oração a Deus em um momento de angústia. Talvez, mais do que isso. Esse salmo é um modelo de reação dos servos de Deus em momentos de angústia, quando o socorro perece demorar a vir. É um movimento crescente das emoções e reações que levam o servo de Deus do “vale da sombra da morte” (expressão usada por Davi no Salmo 23) até a “sombra do Onipotente” (expressão utilizada pelo escritor do Salmo 91).

Nessa jornada, Davi passa por três fazes. A primeira delas é a angústia, sentimento perceptível nos dois primeiros versículos do Salmo 13. Nesse trecho, Davi pergunta quatro vezes “até quando?” (‘ad-’anâ), ou “por quanto tempo?”, se dirigindo ao Senhor. Trata-se de uma pergunta feita por alguém que parece ter chagado em seu limite. Ele aguentou o quanto podia e quer saber quanto mais terá de suportar sem ter forças para tanto. Tais palavras refletem o desespero de quem não sabe se conseguirá se manter em pé diante da aflição. Ele olha para Deus e pergunta: “Por quanto mais tempo o Senhor me deixará nessa situação?”.

Davi pergunta até quando o Senhor “se esquecerá” dele e “ocultará seu rosto” (v.1). O contexto demonstra que Davi, ao se referir desse modo, não crê, de fato, que o Senhor o tenha abandonado, mas que ele está retardando sua atuação. É como se tivesse se esquecido de Davi e como se, desprezando-o, tivesse lhe virado o rosto como que zangado. O interesse de Davi não é saber por que o Senhor não o ama mais, mas até quando retardará sua libertação. Davi expõe diante de Deus, no v.2, a consequência dessa aparente demora perguntando ate quando ele lutará contra o que ele chama de “lamento diário no meu coração” (yagôn bilvavî yômam). Termina perguntando por quanto tempo seus inimigos “se levantarão” (yarûm ’oyevî ‘alay) ou “serão exaltados” sobre ele. Perguntas que, mais que o desejo de encontrar respostas, servem para expor sentimentos de angústia pela situação difícil.

Muita gente se perde nessa fase. O desespero as vence e elas caem em profunda depressão ou tomam atitudes mais destrutivas que benéficas, tanto para elas como para os outros. Mas Davi, nosso exemplo de servo que passa por problemas que não se resolvem, exibe mais uma atitude exemplar: a oração. Davi apresenta ao Senhor, nos vv.3,4, três pedidos. Os dois primeiros são: “olhe, por favor, e responda a mim” (havvîtah ‘anenî), desejando ser alvo da atenção especial do Senhor e ter sua oração atendida. Davi não pensa que Deus não o vê, mas deseja que o Senhor se compadeça dele na situação em que está e, diante da sua oração, atue agora, não com silêncio, mas com ação. Ele também pede “traga luz sobre mim, por favor” (há’îrâ ‘ênay). Trata-se de um pedido de solução para as trevas em que se encontra; um clamor pela atuação de Deus livrando-o daquilo que o oprime que, no caso, para que ele não seja morto pelos inimigos e para ele eles não sejam vitoriosos (vv.3b,4). “Olhe”, “responda” e “traga luz” são os pedidos que revelam um servo que leva a Deus seus problemas por meio da oração sabendo que somente ele pode responder os pedidos dos fiéis e dar fim à sua angústia.

Finalmente, a última fase da jornada de Davi é o descanso em Deus (vv.5,6). Três verbos expõem as ações de Davi, mesmo diante da circunstância desfavorável e persistente, no sentido de entregar completamente, não apenas o problema, mas também suas reações aos cuidados Senhor soberano e amoroso. Davi diz: “Eu, porém, confio na tua lealdade” (wa’anî behasdeka batahtî). Na verdade, é preciso uma explicação maior que a palavra “lealdade” para descrever o objeto da confiança de Davi. Ele confiava que as palavras de Deus eram verdadeiras e que ele cumpriria o que prometeu, não importasse quão complicadas fossem as circunstâncias, não apenas por que vinham de uma boca que só diz a verdade e de mãos honradas que não quebram um compromisso assumido, mas também de um coração amoroso, benigno e compassivo. Davi continua dizendo “meu coração se alegra na tua salvação” (yagel luvvî bîshû‘ateka). O objeto da alegria e da exultação de Davi, a “salvação” (yeshû‘â), é a ação libertadora identificada pelo próprio nome do “salvador” Jesus. Como resultado de tal exultação, Davi diz a si mesmo “cante eu ao Senhor” (’ashîrâ layhwâ). O motivo do louvor a Deus é surpreendente. No meio da situação difícil em que se encontrava, Davi vê o Senhor agindo no sentido de tratar-lhe bem.

Resumindo, a jornada de Davi o leva do desespero à oração e da oração ao descanso. O que parece impossível em um primeiro momento, é exemplificado diante de todos os servos de Deus como modelo de esperança e de dependência do Deus altíssimo. A oração, a confiança, a observação e a lembrança daquilo que Deus fez e faz na vida dos seus servos é um remédio contra a depressão mais poderoso do que queiram quaisquer indústrias farmacêuticas. Não se trata de autoajuda, mas da busca daquele que é soberano sobre o universo e amoroso para com os seus. O “eu, porém” de Davi no início do v.5 demonstra o conhecimento pessoal de rei sobre o quanto os acontecimentos são fracos e reversíveis nas mãos daquele cuja vontade nunca pode ser frustrada (Jó 42.2; Ef 1.11).

O cinema quase sempre mostra o mocinho se dando bem no último momento. Mas em um conceito estreito de “se dar bem”. Para tanto, ou ele “se dá bem” vendo a situação desesperadora ser revertida no último momento, ou “se dando mal” e isso reverter para o bem alheio, o que, no cinema, ainda faz um final feliz. Contudo, a vida do servo de Deus prevê um “bem” que vai além de todas as situações. Independente do final, o crente deve sempre manter seus olhos naquele que faz todas as coisas contribuírem para o benefício dos seus (Rm 8.28), mesmo quando os propósitos de Deus para eles são misteriosos.

Portanto, acima de tudo, a “certeza matemática” dos que creram em Cristo é: “minha história, agora ou no futuro, terá o maior dos finais felizes”. A esperança da vida presente dos cristãos é: “Nós, sim, seremos felizes para sempre”!

Pr. Thomas Tronco

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

O Perigo Por Trás da Língua Bajuladora

Certa vez, ouvi uma espécie de piada que frisava diferenças entre homens e mulheres. Segundo a piada, as mulheres se cumprimentam dizendo “nossa, você está linda, magrinha”; mas quando vão embora, dizem: “Como ela está gorda!”. Por sua vez, os homens se encontram e dizem: “Fala, seu gordo, careca”; ao partirem, o homem comenta: “Esse cara é gente fina”.

Piadas à parte, algo que realmente acontece é pessoas usarem palavras que não refletem o que pensam. E, pior: palavras que depois são contraditas por declarações pejorativas e destrutivas. Em resumo, trata-se de pessoas que pela frente dizem uma coisa e, por trás, outra.

Olhando para esse problema, Davi, no Salmo 12.1, pede “libertação” (do hebraico yasha‘) ao Senhor, pois, segundo ele, “acabaram-se os leais” (gamar hasîd), ou seja, os homens que agem com lealdade e veracidade. Junto com tais pessoas, também “desapareceram os confiáveis” (cassû ’emûnîm). A situação descrita por Davi é a de um covil de mentirosos. Mas, note bem: não se trata de inimigos abertos. Pela frente, tais homens são agradáveis, pois moldam sua imagem com o cinzel da mentira. Dizem coisas que seus corações não sentem e que são agradáveis aos ouvidos. Entretanto, pelas costas, destilam um veneno destruidor.

O v.2 expande essa idéia ao dizer que tais pessoas falavam “falsidades uns com os outros”. A mentira era uma atividade tão difundida e comum naquele meio que aqueles que mentiam eram também alvo da mentira de outros. Uns querendo levar vantagem sobre os outros fingindo ser o que não eram de verdade. Ao observá-los, Davi percebeu duas táticas desses homens para alcançar o fim que almejavam. O primeiro era usar “lábios bajuladores” (sefat halaqôt) que lisonjeiam os ouvintes com a intenção de manipular suas reações. A segunda era esconder os verdadeiros sentimentos e planos atrás de um “coração fingido” (lev yedabberû).

Apesar da falsidade, os desleais não temiam ser desmascarados e punidos. Além de a soberba (v.3) ser o combustível de suas línguas, o v.4 relata que, mesmo diante de Deus, sua arrogância era sentida, visto julgarem não haver ninguém que os pudesse deter ou reprovar. De forma desafiadora, Davi os vê agir como quem diz “quem é senhor para nós?” (mî ’adôn lanû), ou seja, “quem é que pode nos dizer o que fazer, ou nos punir se não o fizermos?”.

Não é de surpreender que Davi tenha pedido a Deus para libertá-lo de homens assim. Na verdade, eles são mais perigosos que os homens perversos e violentos, pois desses nos afastamos, enquanto, dos bajuladores falsos e desleais, acabamos mantendo o contato e pondo neles a confiança.

Mas Davi, ao mesmo tempo que observa a deslealdade dos homens, vê também a repulsa de Deus sobre essa atividade e a punição consequente, dizendo que “o Senhor corta” (yakret yehwah) todos os lábios bajuladores. Diante da opressão causada por esses egoístas lisonjeiros e mentirosos (Rm 16.18), o Senhor diz que intercede pelos que anseiam por libertação dos tais (v.5).

Assim, a confiança do rei está em Deus. Mesmo que os ímpios estejam por toda parte (v.8), o Senhor, que não é como eles e cujas palavras são “puras” (tehorôt) como a prata purificada várias vezes (v.6), é aquele que “guarda” e “cuida” (do hebraico shamar e natsar, respectivamente) dos que nele esperam.

Confesso que nessa época de eleições e de políticos agindo como esses homens descritos por Davi, talvez presentes até na sua corte, senti-me confortado e confiante em Deus, que vê e controla todas as coisas. Lembrei-me que, por mais que tais homens e mulheres desejem a ascensão, mesmo que isso signifique nossa ruína, o Senhor, ao mesmo tempo, olha com dureza para a arrogância e a maldade dos desleais e se levanta para socorrer os que não têm como se defender dos seus ardis.

Por fim, lembrei-me, também, da responsabilidade de não agir como aqueles que tememos e cujas ações nós reprovamos, seja no campo da política, da economia, do direito e até naquelas conversas informais quando encontramos conhecidos pela rua. Com todos, tenhamos apenas “uma cara” e “um discurso” Que o nosso “sim” sempre queira dizer “sim” e o nosso “não” queira, realmente, sempre dizer “não” (Mt 5.37)! Assim, no falar e no agir, sejamos nós mesmos “gente fina”.

Pr. Thomas Tronco

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Quem Lava Mais Branco?

Nos dias de hoje, é praticamente impossível fazer uma lista de compras doméstica sem incluirmos o sabão em pó. O sabão em pó tornou-se um elemento indispensável na economia doméstica e fundamental para a limpeza e higiene da sociedade pós-moderna. Muito do seu sucesso se deve à mudança do hábito das mulheres que deixaram de passar horas esfregando colarinhos com sabão em barra para lançarem toda a roupa em máquinas de lavar roupas sofisticadas que fazem todo o trabalho com grande eficiência. A tecnologia do sabão tem aumentado a cada dia e, na “guerra comercial do sabão” que vemos todos os dias na mídia, quem lava mais branco e preserva as cores e a qualidade do tecido parece cativar mais o consumidor.

A mais antiga evidência da existência do sabão está vinculada à antiga Babilônia, no século 28 a.C. Esse sabão primitivo era produzido à base de cipreste, cinzas de animais e óleo de gergelim. Outras grandes civilizações também desenvolveram o sabão com a tecnologia básica do sabão, que é a adição de sais alcalinos a óleos vegetais (saponificação), como no antigo Egito, no século 15 a.C.

Especula-se que o nome “sabão” tenha sido emprestado do “Monte Sapo”, um suposto monte aos redores de Roma. Diz-se que nesse monte as religiões pagãs sacrificavam animais, como os sapos, e o material orgânico (gordura) era arrastado pelas águas correntes misturando-se às cinzas. Tal processo resultava na formação de uma substância nos rios, aos pés desse monte, que fez com que as mulheres “lavassem mais branco” as roupas de seus maridos romanos.

Entretanto, a luta por lucros no mercado bilionário do sabão em pó no Brasil, algumas vezes, torna a competição “suja”. Comumente, os líderes do mercado acusam os fabricantes das marcas populares de estratégias de marketing desleais. Cabe, obviamente, à justiça dirimir os conflitos. No Brasil, o sabão Omo, da Unilever, é líder de vendas. Omo é uma sigla inglesa: old mother owl (“velha mãe coruja”). E essa “velha mãe coruja” está com os olhos bem abertos sobre seu principal concorrente nas classes A e B: Ariel, o sabão em pó sintético mais vendido na Europa e Estados Unidos, da Procter & Gamble.

De modo interessante, a Palavra de Deus também fala sobre a lavagem, mas não banaliza o seu significado como os slogans dos fabricantes de sabão em pó. Para se exemplificar como Paulo utiliza cuidadosamente suas palavras, é importante notar que a palavra “lavar/lavagem”, do grego loutron, aparece no Novo Testamento apenas duas vezes (Ef 5.26; Tt 3.5). O texto de Tito 3 diz: “Mas quando se manifestaram a bondade e o amor pelos homens da parte de Deus, nosso Salvador, não por causa de atos de justiça por nós praticados, mas devido à sua misericórdia, ele nos salvou pelo lavar regenerador e renovador do Espírito Santo, que ele derramou sobre nós generosamente, por meio de Jesus Cristo, nosso Salvador” (Tt 3.4-6).

Nota-se que a misericórdia de Deus é a base de nossa lavagem, mas não uma lavagem simples como vemos nas propagandas de sabão em pó. A lavagem do Espírito Santo não só lava nosso coração sujo de pecado, mas o regenera! Isso é algo que não encontramos nos sabões em pó, pois, por mais que deixemos uma roupa rasgada ou esgarçada com o melhor dos sabões em pó na máquina de lavar roupas mais sofisticada, o tecido terminará o ciclo de lavagem até mais limpo, mas em pior estado do que antes. Além disso, não há economia na medida do lavar do Espírito Santo. Nosso Salvador, Jesus Cristo, derrama generosamente o Espírito Santo restaurador e renovador em nosso deteriorado coração.

Também encontramos outro agente da lavagem: o Evangelho. Constata-se, no trecho de Efésios 5, que o Evangelho santifica, purifica e glorifica a igreja, ou seja, os salvos por nosso Senhor Jesus Cristo: “Maridos, amem suas mulheres, assim como Cristo amou a igreja e entregou-se a si mesmo por ela para santificá-la, tendo-a purificado pelo lavar da água mediante a palavra, e apresentá-la a si mesmo como igreja gloriosa, sem mancha nem ruga ou coisa semelhante, mas santa e inculpável” (Ef 5.25-27).

São notáveis os elementos básicos da lavagem celestial: o Espírito Santo e a Palavra de Deus. Mais interessante são, porém, os resultados do lavar celestial: restauração, renovação, santificação, purificação, eliminação das manchas do pecado e justificação. 

Davi, movido pelo Espírito Santo, sabia dos efeitos supracitados e os desejou ardentemente. O rei de Israel, que possuía as vestes mais lindas e limpas, sentia-se sujo, pois havia pecado contra Deus numa sequência ultrajante de ócio, adultério, mentira e assassinato. É traço característico do pecador arrependido o anseio pelo lavar restaurador de Deus. Diz Davi: “Purifica-me com hissopo, e ficarei puro; lava-me, e mais branco do que a neve serei” (Sl 51.7). Ademais, aquele que crê genuinamente em Jesus Cristo sabe que a renovação do perdão de Deus é incrivelmente purificadora. 

A frase “mais branco do que a neve” não é marketing, é promessa! Não é exagero, é o poder da restauração de nossos corações por Deus! Essa inacreditável lavagem, pela certeza de seus resultados, é caríssima. Todavia, ela já foi paga por Jesus Cristo na cruz do Calvário. 

Contudo, os crentes em Jesus Cristo, mesmo tendo sido lavados pelo seu sangue, podem sujar seus pés durante a peregrinação até a cidade celestial. Seu corpo está limpo. Porém, eventuais pecados constantemente sujam os pés dos peregrinos de Deus e a limpeza dessa sujeira deve ser diligentemente observada. O apóstolo João registrou o seguinte diálogo: “Chegou-se a Simão Pedro, que lhe disse: ‘Senhor, vais lavar os meus pés?’. Respondeu Jesus: ‘Você não compreende agora o que estou lhe fazendo; mais tarde, porém, entenderá’. Disse Pedro: ‘Não; nunca lavarás os meus pés’. Jesus respondeu: ‘Se eu não os lavar, você não terá parte comigo’. Respondeu Jesus: ‘Quem já se banhou precisa apenas lavar os pés; todo o seu corpo está limpo. Vocês estão limpos, mas nem todos’. Pois ele sabia quem iria traí-lo, e por isso disse que nem todos estavam limpos” (Jo 13.6-11).

Todavia, para aquele que ainda não creu em Cristo, todo o seu ser permanece sujo perante Deus. O odor de seu pecado é percebido à distância. Mas, maravilhosa graça é a de nosso Senhor Jesus Cristo que pode lavar por completo a vida de um pecador que se arrepende. Definitivamente, temos de examinar nosso coração. Devemos nos perguntar: necessito que o Senhor Jesus lave apenas meus pés ou todo o meu corpo? A constatação é fácil, mas, às vezes, um tanto desagradável.

E então? Quer ser lavado por aquele que “lava mais branco”?

Leandro Boer

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

A História da Graça e o Ânimo na Oração

Que o crente deve orar está acima de qualquer discussão. É verdade que já surgiram “pregadores” dizendo que a oração é desnecessária, devendo o crente “determinar” ou “reivindicar” o que anela. Porém, essas vozes jamais foram levadas a sério pelos crentes de verdade. Para estes quem determina tudo é Deus. A gente só suplica que sua vontade seja feita.
 
E essa súplica não é opcional. É um dever! Temos que orar sem cessar (1Ts 5.17), sabendo que isso requer tempo, esforço e disposição (Cl 4.13,14). Aliás, quem tenta se tornar uma pessoa de oração, cedo descobre como esse alvo é difícil de ser alcançado.

É que, especialmente nos nossos dias, tudo o que não produz resultados práticos, notáveis e instantâneos parece inútil. Aprendemos a rejeitar qualquer coisa que não funcione ao simples toque de um botão.

Por isso, precisamos de encorajamentos e incentivos legítimos para nos dedicar à oração. Infelizmente, dizer que a Bíblia ordena que oremos, não basta para nos fazer dobrar os joelhos. Nossa obtusidade é tamanha que as ordens do próprio Deus têm pouco impacto sobre a consciência. Daí a necessidade que temos de outros estímulos.

Um desses estímulos pode ser a história dos atos graciosos de Deus na nossa vida. De fato, poucas coisas encorajam mais o crente angustiado a buscar a face de Deus do que a lembrança dos grandes livramentos que ele realizou no passado. Prova disso é o Salmo 126.

Esse pequeno salmo de apenas seis versículos se inicia com a menção da maravilhosa restauração que Deus operou em prol da nação israelita quando pôs fim ao exílio babilônico. “Quando o Senhor restaurou a sorte de Sião, ficamos como quem sonha...” Eis a lembrança da ministração da graça que, nos dias antigos, mostrou-se abundante e rica, enchendo de júbilo e de alegria o coração do povo agora liberto do cruel opressor.

E como prossegue o salmo? Após recordar a história da redenção, o salmista, passando agora certamente por novos apuros, se sente encorajado a orar pedindo outro livramento: “Restaura-nos, Senhor, como as torrentes no Neguebe.” Foi a história do socorro divino que o encorajou a clamar. Assim, é provável que se a nossa memória for exercitada, trazendo à superfície da mente tudo o que o Senhor já fez, talvez nos tornemos, afinal, pessoas de oração.

Vou dar aqui um testemunho pessoal que reforça a validade disso. Quando eu era criança meu pai trabalhava como policial na perigosa noite paulista. Ele só chegava em casa de madrugada e lembro-me de tê-lo visto ferido e ensangüentado pelo menos uma vez por causa de embates com marginais. 

Assim, as horas que antecediam a chegada do meu pai eram horríveis. Eu não conseguia dormir. Prostrado na cama, encolhido sob os velhos cobertores, eu implorava a Deus que o protegesse, enquanto o silêncio da madrugada era quebrado pelos soluços da minha mãe. Então, num dado momento, as dobradiças do portão de madeira rangiam, nosso cachorro latia e, aliviado, eu escutava os passos do meu pai no quintal. Nesse momento a súplica se transformava em louvor e, então, eu finalmente me rendia ao doce sono de criança.
Hoje, quando as nuvens do medo cercam novamente meu coração; quando o silêncio não é de paz, mas de ameaça; quando a vida se transforma em noite, com graves perigos por perto e inimigos cruéis rondando a porta, eu me lembro da escuridão daquele quarto, do menino prostrado, dos soluços abafados e, cheio de esperança, recordo também o rangido do portão, o latido do cachorro, os passos no quintal. Então me prostro e digo: “Senhor, eu sou aquele menino que gemia no interior de uma casa pobre. Sim, sou eu de novo! O tempo passou, mas ainda tenho medo. Tenho medo porque o perigo é real e eu sou fraco, já que não passo de um menino. Tenho medo porque está escuro e eu não sei como andar ou o que fazer. Tudo o que sei é que o Senhor ouviu outrora minhas súplicas e, por isso, imploro que, em meio às trevas da incerteza, o Senhor me faça ouvir novamente o som alegre do seu livramento”.

E é assim que a história do modo como Deus respondeu os clamores da criança estimula as pobres orações do adulto. Sim, a graça evidente no fato passado robustece a força da fé no presente.

Pr. Marcos Granconato
Soli Deo gloria

terça-feira, 5 de outubro de 2010

O Pessimista e Aquele que Confia em Deus

Muitos personagens dos desenhos animados ficaram gravados na mente de toda uma geração. E, acreditem, esses personagens ainda fazem parte do dia a dia de muita gente crescida. Basta ver como as pessoas utilizam tais personagens nas suas conversas. Por exemplo, se alguém está com o carro quebrado, diz que só pode andar se for com os pés, como faziam os Flintstones. Ou, se tem um palpite muito bom sobre algo, diz que teve uma “visão além do alcance” como dizia o líder dos Thundercats. Ainda, se há alguém muito forte, é apelidado de He-Man.

Um dos personagens de desenho animado que ainda é muito recordado é uma hiena chamada Hardy. Ele e seu amigo, o leão Lippy, fizeram parte da infância de muita gente, inclusive eu. O pessimismo do Hardy faz com que, até hoje, ele seja o modelo perfeito da pessoa pessimista. Para ele, tudo estava mal e nada daria certo. Sua famosa frase, repetida até hoje, era: “Ó céus; ó vida; ó azar”. Essa frase ainda pode ser ouvida nas rodas de amigos em imitações com o sotaque característico do personagem. Toda vez que a ouço, tenho saudades da minha infância.

Parece-me que tal pessimismo não é privilégio dos desenhos animados. O rei Davi conviveu com pessoas que, a exemplo do Hardy, não tinham qualquer esperança de ver o bem prevalecer sobre o mal. Pessoas que, ao primeiro sinal do mal, manifestavam a disposição de abandonar tudo sem recorrer a Deus como protetor e auxiliador dos que o buscam.

O Salmo 11 inicia com uma declaração da confiança de Davi em Deus: “No Senhor me refugio” (v.1). Essa declaração não é sem propósito. É uma afirmação que se contrapunha ao que Davi ouvia nos seus dias. Ele se dirige a tais pessoas e diz “como dizeis à minha alma?”, ’êk to’meru lenafshî. O fato de o verbo se apresentar na segunda pessoa masculina plural mostra que Davi se dirige a vários homens com essa pergunta, homens próximos dele. O rei está indignado com algo que eles lhe disseram. Em outras palavras, ele brada: “Como é que vocês podem me dizer uma coisa dessa?”.

O teor do discurso que irritou Davi foi: “Foge, como pássaro, para o teu monte. Porque eis aí os ímpios, armam o arco, dispõem a sua flecha na corda, para, às ocultas, dispararem contra os retos de coração. Ora, destruídos os fundamentos, que poderá fazer o justo?” (vv.1b-3). Segundo tais palavras, os maus eram tão poderosos quanto caçadores bem armados. Os justos, alvos dos caçadores, deveriam, portanto, fugir como se fossem um pássaro indefeso cuja única vantagem era a velocidade e o alcance da sua fuga. Segundo esses conselheiros do rei, a justiça perecera e nada podia reverter o mal; nada!

Davi não concorda com isso. É certo que ele não minimizava os riscos dos ataques e a ferocidade dos inimigos. Ele não confiava na sua habilidade, nem no poder da sua guarda pessoal. Ele não via a situação com um otimismo sem lógica, nem dizia que tudo terminaria bem apenas por dizer. Ele olhava para o Senhor e nele se refugiava, conforme revelou na primeira frase do salmo. A partir do v.4, Davi fornece, então, as razões para ter recorrido a Deus e para nele confiar.

Em primeiro lugar, Davi localiza o Senhor “no seu templo santo”, behêkal qadshô, e “no seu trono nos céus”, bashamayim kis‘ô. Esse é o lugar, figuradamente falando, onde habita alguém que, ao mesmo tempo, é Deus e rei acima de todos os reis. Um rei divino como autoridade e poder máximos. De seu trono, “seus olhos veem”, ou “prestam atenção”, ‘ênayw yehezû. Não há nada que o Senhor não conheça. Ele sabe tudo o que os homens fazem e até o que lhes passa no coração.

O v.5 é um texto de difícil tradução e diversas versões apresentam possibilidades plausíveis. A dúvida está em se Deus prova ou testa apenas o justo, ou se ele o faz em relação a ambos, o justo e o ímpio. Entretanto, algo sobre o qual não há qualquer dúvida é o fato de que “a sua alma [de Deus] odeia aqueles que amam a violência”, ’ohev hamas sane’â nafshô. Certamente, são palavras bem duras para se referir a uma reação ainda mais dura da parte do Senhor contra os perseguidores violentos dos justos. Amor e ódio estão presentes nessa frase e um é condicionado ao outro. O ódio de Deus não é gratuito, mas uma reação contra o amor ímpio dos homens pela maldade. Diante disso, o Senhor realmente toma o partido dos retos e antagoniza os maus.

O v.6 contém figuras de linguagem que têm a função de aclarar, para os leitores, a intensidade da ira de Deus que atingirá os perversos. A primeira figura vislumbra fogo caindo dos céus sobre os inimigos dos justos. E, nesse caso, é muito importante notar que o verbo “chover” está em um grau que, em hebraico, leva o nome de hiphil. Nesse caso, o texto não está dizendo que “irá chover”, mas que Deus “fará chover”, yamter: “Ele fará chover sobre os ímpios”. É uma atuação deliberada de Deus com a finalidade de punir. Tal castigo é descrito como uma chuva de “brasas de fogo e enxofre”. Como ler essas palavras e não se lembrar da destruição punitiva das cidades de Sodoma e Gomorra?

A figura de linguagem continua e é dito que um “vento violento”, ruah zil‘afôt, algo parecido com um furacão, seria sorvido pelos injustos como “a porção da taça deles”, menat kôsam. É irônico que o prazer dos perversos, como o de degustar um vinho, seja justamente a causa de receberem o contrário do prazer que buscam. Em lugar do paladar da bebida, o que alcançam estes é uma tormenta que os despedaça.

Para encerrar, Davi revela os motivos, não só para a sua confiança, mas para a atuação da parte de Deus ao punir o mau e proteger o reto. Ele diz que “o Senhor é justo”, tsadîq Yehwâ. Seu caráter é justo; sua natureza é justa; sua existência é justa. Não é possível que ele mude ou que afrouxe seus justos padrões. A justiça é parte do que ele é. Além disso, ele também “ama a justiça”, tsedaqôt ’ahev. Deus se compraz naquilo que é justo. Esse é o motivo, tanto de ele se opor aos injustos, como do fato de que “os retos verão a sua face”. Assim, ele punirá os perversos e receberá os retos para si mesmo.

Agora entendemos a indignação de Davi diante dos conselhos para que fugisse dos maus e da afirmação de que a injustiça teria prevalecido. Davi não era um otimista inconsequente, mas um conhecedor de Deus e da sua justiça. Ele sabia que podia recorrer a Deus e que ninguém há que possa se comparar em força a ele. Davi tinha convicção de que o Senhor é refúgio dos crentes em qualquer situação e de que o final de todas as histórias dos servos do Senhor é vitorioso na presença daquele que os protege.

Hoje em dia, com tantos receios sobre o futuro dos crentes e da igreja cristã, é nisso que você crê? Você confia no Senhor acima de todas as circunstâncias? Se a resposta for não, “ó céus; ó vida; ó azar”.

Pr. Thomas Tronco

domingo, 3 de outubro de 2010

Abrindo o Mar Vermelho e Fechando a Bíblia

Em agosto de 2010, os pesquisadores Carl Drews (Departamento de Ciências Atmosféricas e Oceânicas da Universidade do Colorado) e Weiqing Han (Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica dos Estados Unidos) publicaram o artigo científico intitulado Dynamics of Wind Setdown at Suez and the Eastern Nile Delta.[1]

Sabe-se que a manutenção do vento (estresse eólico) sobre uma superfície da água pode rebaixar o seu nível (wind setdown) e expor porções de terra anteriormente submersas (vide figura abaixo). Como exemplo, pode-se ilustrar o fenômeno com exemplos descritos pelos próprios autores: em setembro de 2004, o furacão Frances (233 km/h) rebaixou o nível da água no Cedar Key Harbor, na Flórida (EUA), tendo sua normalização após nove horas do evento. Semelhantemente, ventos intensos rebaixaram em 2 m a porção oeste do lago Erie em dezembro de 2006 e janeiro de 2008.[2]


Com base em estudos de imagens de satélites e antigos mapas disponíveis sobre o delta do rio Nilo, os autores recriaram, virtualmente, a região ao leste do rio Nilo, bem ao norte do canal de Suez, buscando assemelhá-la ao que haveria sido em 1250 a.C.[1]

Esse modelo virtual foi submetido a um vento com direção leste de 28 m/s (aproximadamente 100 km/h) durante doze horas. Constatou-se a exposição de uma porção de terra com 3-4 km de extensão e 5 km de largura que permaneceu insubmersa por quatro horas. A porção de terra exposta estava localizada a 2 m de profundidade do nível normal.

Os autores concluem que o modelo é útil para melhor conhecimento da navegação em áreas de águas rasas que podem ser rebaixadas por ocasionais ventos de alta velocidade oriundos do oceano.

Todavia, o que há de tão especial nesse estudo atmosférico/hidrodinâmico? Os autores sugerem, em seu estudo, que essa região recriada seria a localização da travessia do Mar Vermelho por Moisés e os hebreus que o acompanharam rumo à Canaã, a “Terra Prometida”. Logo, estaria cientificamente respaldada a travessia do Mar Vermelho.

Nesse momento, surge a pergunta: “Mas a região do antigo braço Pelusium, a leste do delta do rio Nilo não se localiza no extremo norte do canal de Suez, ou seja, a centenas de quilômetros ao norte do Mar Vermelho?”

Essa mudança radical da localização do milagre do Mar Vermelho pode ser decorrente da teologia liberal que relativiza a autoridade do texto bíblico e o coloca sob suspeita de falibilidade sob o crivo científico. A adoção desse tipo de exegese bíblica pode fazer com que palavras como “Mar Vermelho” sejam entendidas como um “rio anexado a um lago”, porque seria naturalmente impossível, na mente dos liberais, que a abertura do Mar Vermelho acontecesse como no relato bíblico. A própria historicidade dos milagres bíblicos é contestada nesse movimento teológico, pois os ditames da ciência secular têm, para seus adeptos, preeminência sobre o relato bíblico.

Em relação à interpretação da palavra “mar” no texto contido em Êxodo 14, há justificativa para que se adote a localização proposta pelos autores? Seguramente, “não”. Vejamos, abaixo, alguns pontos importantes, retirados do próprio texto bíblico, sobre a impossibilidade de adotarmos a mesma visão dos autores desse estudo em relação à posição geográfica e o recurso utilizado para separação das águas (vento):

Moisés, o líder que retirou os hebreus do Egito, cresceu no Egito e foi educado em todas as suas ciências (At 7.22). A agricultura era uma das principais ciências locais, visto que a subsistência desse antigo império dependia das cheias do rio Nilo e da consequente fertilidade das margens fluviais. Certamente, devido à familiaridade com o local, o autor do Pentateuco saberia discernir bem quanto a usar a expressão “rio” (Nilo) e “mar” (Vermelho). Nota-se, por exemplo, que Moisés usa a palavra “Nilo” no livro de Gênesis referindo-se ao “rio” com o qual teve contato em todo o seu período no Egito. Ademais, as ciências militares, transmitidas ao seu príncipe (Moisés), ensinaram-lhes que o Mar Vermelho era um importante obstáculo natural contra invasões oriundas do Leste. É muito improvável que Moisés tenha confundido essas duas localizações. Aliás, Moisés era tão conhecedor daquela região que jamais levaria o povo a um lugar sem saída. Eles não possuíam barcos e Moisés sabia que o povo jamais conseguiria transpor o enorme mar à frente deles naquela região. Moisés, inclusive, já havia passado por aquela região, mas seguiu adiante com o povo. Todavia, para que o Faraó tivesse a impressão de que o povo estava desorientado e, consequentemente, vulnerável, sem liderança e perdido, Deus ordenou que os hebreus retornassem ao local onde justamente era humanamente impossível escapar: “Disse o Senhor a Moisés: diga aos israelitas que mudem o rumo [outras traduções: ‘que retrocedam’] e acampem perto de Pi-Hairote, entre Migdol e o mar. Acampem à beira-mar, defronte de Baal-Zefom” (Ex 14.1-2). Essa foi uma estratégia de guerra criada pelo próprio Deus que usou a presunção egípcia como isca: “O faraó pensará que os israelitas estão vagando confusos, cercados pelo deserto” (Ex 14.3). Os arrogantes egípcios foram atraídos para o local de “águas profundas” para que fossem, justamente, afogados posteriormente.
No Velho Testamento, o termo yam-sûph ([Ws-<y^) é utilizado para designar várias localizações geográficas como: a) região dos lagos amargos próximo ao norte do golfo de Suez e ao longo do canal de Suez; b) golfo de Suez; c) golfo de Aqabah ou d) Mar Vermelho propriamente dito. Dessa forma, até mesmo entre os exegetas “fundamentalistas” há dúvida em relação ao local exato do milagre do Êxodo.[10,11] Entretanto, algumas informações do texto bíblico nos ajudam a tender para regiões contrárias às defendidas pelos autores do artigo em questão: “águas profundas” e “cercados pelo deserto”. Sabe-se que as características geográficas daquela região mudaram desde a época de Moisés, mas é possível inferir, com base nos próprios mapas usados pelos autores, que a região não sofreu drásticas mudanças. O que parece contraditório ao texto bíblico é que à medida que a suposta localização para o milagre se aproxima do Norte de Suez, mais próximo se encontra da Região Leste do delta do Nilo. Ou seja, uma região fértil por causa das cheias do Nilo, não desértica. Além disso, os lagos daquela região, que até poderiam ser interpretados como “mar”, são regiões pantanosas com profundidades em torno de 20 a 25 m.[7] Nota-se, por exemplo, a região do lago Timsah,  mais ao norte de Suez, um grande “mar” de 14 km², mas com profundidade de 1 m.[8] Chamar por “mar” grandes porções de água por causa de sua área em detrimento da profundidade é algo possível. O próprio lago Tiberíades ou “Mar da Galiléia” possui 166 km² de área e módicos 25,6 m de profundidade média.[9] Pelo contrário, à medida que se aproxima do golfo de Suez e o Mar Vermelho (propriamente dito), as profundidades aumentam significativamente. No golfo de Suez, as profundidades oscilam entre 55 e 73 m ao passo que no Mar Vermelho a profundidade média é de 491 m. Além disso, essas “águas profundas” estão mais “cercadas pelo deserto” que as regiões candidatas mais ao norte. Veja, na figura abaixo, como o local eleito pelos autores pouco se harmoniza com o texto bíblico, ainda que não conheçamos o local exato do milagre.



Os autores dizem que uma região submersa em 2 m foi exposta com dimensões de 3-4 km de extensão e 5 km de largura. Como podemos ver na figura abaixo, retirada do próprio artigo, não há, nesse modelo, a formação de paredes de água por toda a extensão do trecho, nem mesmo uma mureta. Note que essas águas se encontrariam represadas a 2,5 km de distância (se considerarmos uma pessoa no ponto médio da largura do trecho). Como poderia o retorno dessas águas, com apenas dois 2 m de diferencial do nível normal, durante o retorno de 2,5 km, encobrir os carros de guerra egípcios e seus cavaleiros provocando a morte de todos os que estavam no local (Ex 12.28)? Por que Moisés diz que “águas profundas” e “volumosas” (Ex 15.5,10) encobriram todo o exército egípcio? Há quem diga que Moisés fosse megalomaníaco e suas hipérboles foram usadas para enaltecer os hebreus. Se sim, por que ele mesmo escreve sobre as marcantes humilhações que o povo sofreu perante Deus devido à rebeldia?



Explicações hidrodinâmicas para o milagre ocorrido no Mar Vermelho não são recentes [3-6]. Igualmente não é recente a tentativa de turvar o poder de Deus e seus milagres. Adota-se entre muitos cientistas que milagre é a palavra usada para quando não se pode explicar cientificamente (ainda) o ocorrido. No entanto, quando o milagre contraria as leis naturais, descarta-se a possibilidade de o milagre ser verdadeiro e o fato é reclassificado como “fábula”, “mito”, ou, até mesmo, “delírio”.

A negação do sobrenatural é uma pressuposição. E essa pressuposição parece ter permeado o pensamento dos autores, pois eles buscaram testar suas hipóteses em localizações em que a separação das águas fosse um fenômeno estritamente natural. Como vimos, o texto bíblico permite pensarmos em outras localizações, mas improváveis do ponto de vista natural. Bom seria termos a mesma metodologia em outras regiões candidatas e que se mostrasse que a separação das águas pela ação do vento per si é impossível. Essa constatação científica reforçaria a ação sobrenatural da separação das águas para os hebreus. Em suma: um milagre de nosso Senhor.

Considerar em nossas observações a possibilidade do sobrenatural maximiza as percepções do ser humano sobre o que o cerca. Aliás, a melhor maneira de se delinear o plano natural é por meio da observação a partir do plano sobrenatural. Crer no sobrenatural não anula a veracidade das leis naturais, mas tão somente considera que elas podem ser revogadas momentaneamente por uma autoridade absoluta, o Deus trino. E essa atuação sobrenatural não é banalizada por Deus: a escassez dessas incríveis ocorrências é sabiamente administrada por ele em seu plano redentor de seus filhos e para sua honra e glória. E mais: Deus não está limitado a ações naturais. Tudo está sob o seu domínio e a ele compete atuar como quiser, ora naturalmente, como o crescimento do arroz e feijão das lavouras que nos sustentam todos os dias (“É o Senhor que faz crescer o pasto para o gado, e as plantas que o homem cultiva, para da terra tirar o alimento” – Sl 104.14), ora sobrenaturalmente, como a ressurreição dos mortos (“Deus ressuscitou este Jesus, e todos nós somos testemunhas desse fato” – At 2.32), e até mesclando as duas modalidades, como controlar os corvos que promoveram o primeiro serviço de delivery de comida da história (“Você beberá do riacho, e dei ordens aos corvos para o alimentarem lá” – 1Rs 17.4).

Havia um vento oriental no dia em que Moisés regozijou-se da visão privilegiada que teve da atuação divina? Sim (Ex 14.21), mas quem abriu o mar colocando suas águas como soldados que se enfileram protegendo e cortejando o povo que passa foi Deus, não o vento. Como demonstrado no artigo, o vento é capaz de fazer (apenas) o que os autores constataram.

Ademais, é importante lembrar que a velocidade do vento atribuída pelos autores foi balizada pela limitação humana para a caminhada sob o vento. Enfim, ventos de maior intensidade que, por ventura, separassem águas em regiões mais profundas, impediriam que o povo caminhasse pela brecha marítima. Cremos que tal limitação já seria muito prevalente entre crianças, idosos e mulheres considerando a velocidade do vento nesse estudo (100 km/h), pois no modelo proposto não ocorre a formação de paredes de água que os protegesse das rajadas eólicas.

E vale a lembrança: o mesmo Deus que sabe abrir o Mar Vermelho sabe abrir o “coração vermelho” do pecador: “Venham, vamos refletir juntos, diz o Senhor. Embora os seus pecados sejam vermelhos como escarlate, eles se tornarão brancos como a neve; embora sejam rubros como púrpura, como a lã se tornarão” (Is 1.18). A profundidade do pecado que está no coração do homem não é de apenas “2 m”. Deus pode abrir o “mar de pecado” do seu coração, fazê-lo atravessar até a margem em que ele está e afogar o “velho homem” (Rm 6.6). E há a garantia: um dia você olhará para trás e verá, como Moisés viu os corpos dos egípcios na praia, o “velho homem” morto na praia da vida mundana. Que vitória!

O Deus trino permanece abrindo corações vermelhos de pecado ainda hoje, mas você já saiu do Egito?

Leandro Boer


Referências bibliográficas

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