quarta-feira, 4 de maio de 2011

Nos Limites da Angústia

Os ingleses, certa vez, ficaram perplexos com a notícia de que um senhor de 65 anos havia tirado sua própria vida em circunstâncias inusitadas. Ele, que perdera a mulher, tinha uma vida solitária desde então. Essa é, contudo, a história de muita gente que, nem por isso, dá cabo da sua vida. Porém, um agente agravante pesou a balança para o lado de uma tristeza incontida. O casal tinha um papagaio que aprendeu muitas frases ensinadas pela mulher. Depois que ela morreu, o papagaio continuou a repetir diariamente aqueles dizeres que relembravam o viúvo da sua falecida esposa, fazendo-o sofrer constantemente. Isso prosseguiu até ao ponto de ele não suportar mais a falta da mulher e o sofrimento por causa da saudade. Uma overdose voluntária levou-o à morte.

Histórias como essa servem para nos lembrar que mesmo as pessoas mais fortes e decididas têm seus limites ao suportar a angústia e o sofrimento. O Salmo 55 foi escrito quando Davi, seu compositor, estava próximo dos seus próprios limites. A descrição da angústia do salmista é dramática. Também estão presentes expressões que revelam um desespero que, costumeiramente, leva as pessoas a cometerem loucuras. Contudo, o valor do salmo está em Davi apontar o caminho que leva o homem a retornar à esperança e à confiança no Senhor, impedindo-o de fazer coisas terríveis.

A perplexidade de Davi não era exagero de sua parte. A maldade ao seu redor cresceu a tal ponto de fazê-lo identificar seu estado como o limite da sua resistência. Ele diz (v.2): “Estou agitado com a minha queixa e vivo a murmurar” (’arîd besîhî we’ahîmâ). Para entender melhor o ânimo de Davi nesse momento, outro modo de traduzir o que escreveu na segunda parte do v.2 é: “Não aguento mais a minha preocupação e ando muito perturbado”. Os verbos dessa sentença não são usados por Davi em nenhum outro lugar. Parece que ele escolheu termos adequados a representar poucas situações da vida. Esse é um momento singular que lhe produz um sofrimento singular. Sendo assim, os verbos foram escolhidos de modo a traduzir a singularidade da sua perturbação.

A razão para tanto é dada logo na sequência (v.3): “Por causa da voz do inimigo e da pressão do perverso” (miqqôl ’ôyev miffenê ‘aqat rasha‘). Essa opressão não parece ser militar, mas, pior, uma batalha travada no campo das palavras. Isso normalmente acontece por meio de difamações e tramas às ocultas e o objetivo não é conquistar cidades fortificadas, mas corações de ouvintes para que se voltem contra o salmista e engordem as fileiras dos seus opositores. O fato de não ser um embate militar ou uma tentativa de homicídio contra Davi, não faz com que os ataques sejam menos violentos ou perigosos, visto que o salmista completa a ideia dizendo: “Pois eles descarregam problemas sobre mim e raivosamente me hostilizam” (kî-yamîtû ‘alay ’awen ûbe’af yistemûnî). Além da agressividade das ações e do meio desleal de combater – fofocas e difamação –, outra razão para o abatimento de Davi é que a fonte de tais ataques não são os inimigos declarados (v.12), mas os amigos falsos (v.13): “Mas [o inimigo] és tu, ó homem que age como se fosse meu companheiro, meu amigo e meu confidente” (we’attâ ’enôsh ke‘erkî ’allûfî ûmeyudda‘î).

O impacto de tais ações, temperadas com toda a ira dos inimigos, produziram algo que não se vê sempre nos escritos e nos relatos sobre Davi: ele se sentiu realmente muito abalado. Os vv.4,5 são uma coletânea de expressões de pavor que o salmista reúne para explicar o que passa no seu íntimo: “Meu coração se retorce no meu interior e sobre mim recaem terrores de morte. Temor e tremor me advêm e o pavor me encobre” (livvî yahîl beqirbî we’êmôt mawet naflô ‘alay yir’â wara‘ad yabo’ bî watekassenî pallatsût).

No limite da sua resistência, Davi se vê diante de duas opções a fim de sentir alívio. A primeira delas é se lançar às ilusões. Bem no início, depois de lançar a Deus suas desesperadas queixas, ele deixa sua mente viajar um pouco “nas asas da imaginação”, no mundo do “quem que dera?”. Necessitando fugir do sofrimento, ele diz (v.6): “Quem me dera ter asas como a pomba? Eu voaria e pousaria” (mî-yitten-lî ’ever kayyônâ ’a‘ûfâ we’eshkonâ). Quando ele diz “posaria”, a ideia é “pousar em um lugar distante”, “ir para longe”. Essa figura prossegue (vv.7,8): “Eu emigraria para longe e ficaria no deserto. Eu apressaria a minha fuga das correntes dos ventos fortes e da tormenta” (hinneh ’arhîq nedod ’alîn bammidbar selâ ’ahîshâ miflat lî merûah so‘â missa‘ar).

O uso da figura da pomba e do seu vôo não constitui exatamente o que queremos dizer com “se lançar às ilusões”. A pomba, aqui, é apenas uma figura de linguagem metafórica. O problema está em, longe das coisas reais como as promessas de Deus, o salmista se satisfazer no consolo que a imaginação pode fornecer. É como pensar: “Quem me dera desaparecer daqui?”. É um pensamento parecido com o que a maioria das pessoas têm. Quem passa por problemas financeiros, muitas vezes pensa: “Quem me dera receber uma herança de um parente desconhecido?”. Quem está solitário, pensa: “Quem me dera namorar o ator ou a atriz do filme?”. Quem se sente diminuído pela sociedade, pensa: “Quem me dera ser o artilheiro da seleção campeã do mundo e ser respeitado por todos?”. Tendo dito tais coisas, as pessoas passam horas, até noites inteiras, imaginando como seria sua vida caso o sonho fosse verdadeiro. O problema é que, apesar de trazer alívio em momentos de sofrimento, esse tipo de ilusão tende a alienar as pessoas da realidade, faze-las se omitir das responsabilidades que têm e se causar desinteresse pelas coisas reais, as quais se tornam cada vez mais enfadonhas para o sonhador.

A segunda opção que o salmista tem é confiar em Deus. Apesar da tentação de se ver livre do sofrimento por meio da mera imaginação de soluções e situações maravilhosas, o salmista lança mão de encarar a realidade de frente e lançar suas esperanças no Senhor Todo-poderoso, o qual está acima de todas as circunstâncias. Diz ele ao encerrar o salmo (v.23): “Mas eu confiarei em ti” (wa’anî ’avtah-bak). Ele faz essa declaração ao contrapor o que espera que Deus faça por meio da sua graça que protege os servos e por meio da sua justiça que abate os injustos: “Tu, ó Deus, os fará descer ao buraco da sepultura” (’attâ ’elohîm tôridem liv’er shahat).

Davi olha, nesse momento, para uma realidade que ainda inexiste. Contudo, diferente das divagações das ilusões, os servos de Deus têm elementos para, nessa esperança, se apoiarem. As promessas de Deus de cuidado com os servos e de juízo para os maus, ainda que encontrem seu cumprimento em um tempo futuro, são realidades nas quais os crentes podem crer. Além do mais, mesmo que em uma medida menor do que o alívio completo que o servo almeja, tais benefícios já são presentes no dia a dia dos que pertencem ao Senhor. Por isso, Davi confia e, confiando, ora a Deus por proteção e libertação da mão dos traidores (v.16): “Eu clamarei a Deus e o Senhor me salvará” (’anî ’el-’elohîm ’eqra’ wayhwâ yôshî‘enî). Sua oração é coroada pela esperança de vê-la atendida por Deus, pois, caso contrário, nem haveria razão para as súplicas (v.18): “Ele resgatará com paz a minha alma dos que guerreiam contra mim” (padâ beshalôm nafshî miqqarav-lî).

Essa é a diferença entre quem confia em Deus e quem divaga na terra dos sonhos: a esperança do crente é real, enquanto as ilusões são meramente imaginárias. Além de real, a esperança também é produtiva, pois leva o servo de Deus a atuações que têm benefícios verdadeiros. Por outro lado, conheço um monte de gente que nunca dá os passos necessários nessa caminhada, pois perde tempo imaginando o que seria dele em outras circunstâncias. Alguns pensam tanto nisso, que acabam por nutrir esperanças baseadas na mera imaginação. Enquanto os incrédulos chamam a esperança em Deus de “ópio da alma”, tal efeito placebo advém das falsas esperanças quem não têm base em Deus, nem nas suas promessas. Ou nos lembramos que Deus é não somente o nosso futuro, mas também o nosso presente, ou os problemas dessa vida ficarão nos atormentando o tempo todo, como um papagaio que repete sempre a mesma coisa até que nos faça desejar o nosso fim.

Pr. Thomas Tronco

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