Devido a problemas que tenho na coluna, tenho praticado natação três vezes por semana. Tem sido muito bom para mim. Normalmente eu entro na piscina com dores e saio sem, bem disposto para começar o dia de trabalho. Geralmente é assim, a não ser nos dias de teste físico. Nesses dias, tenho de nadar em sessões que são cronometradas. Para o meu estado físico, alguns desses períodos são intermináveis. Preciso de todo o meu esforço e determinação para não atender o impulso de parar no meio do teste. Ao completá-lo, parece que cheguei ao final de uma maratona. Contudo, nem dá tempo de comemorar, pois uma nova série é proposta e tenho de começar tudo de novo, vez após vez. Em algumas ocasiões, penso que não serei capaz de terminar e fico muito desanimado ao olhar o relógio que perece não andar. Cada chegada me faz crer que em algum momento terei de desistir.
Meu sofrimento permanece apenas enquanto cumpro esses testes físicos e, ao final, o máximo que pode me acontecer é estar mais cansado que o normal e com algumas dores. Davi, entretanto, passou por provações que o fizeram ficar desanimado e temeroso. O Salmo 60 foi escrito em uma dessas ocasiões. O título do salmo diz “Quando ele guerreou com Aram Naharaim e com Aram Zobá e quando Joabe voltou e feriu Edom no vale do sal, doze mil homens” (behatsôtô ’et ’aram naharayim we’et ’aram tsôvâ wayyashav yô’av wayyak ’et-’edôm begê’-melah shenêm ‘asar ’alef). Aram, a que o texto se refere, é a Síria. Trata-se de um território muito grande onde Zobá está na parte sul, fazendo fronteira com o limite Norte de Israel. Já Aram Naharaim, que significa Aram “entre os dois rios” – o Eufrates e o Tigre –, fica ao norte, na região conhecida como Mesopotâmia. Empreender uma guerra para estabelecer um domínio político sobre toda essa região e comandar a principal rota comercial entre a Mesopotâmia e o Egito não é uma tarefa de pequena monta. Essa era a missão que Davi empreendia com muito custo. Era também, além dos interesses comerciais, uma estratégia de defesa, já que o território sírio servia, para Israel, como Estado “tampão” no caso de uma invasão assíria.
Apesar do grande empreendimento, o texto de 2Samuel 8, que nos oferece o contexto histórico do salmo, mostra que Davi já tinha pacificado o sul ao subjugar os filisteus a sudoeste do território israelita e os moabitas a sudeste. Diante disso, ele podia investir militarmente ao norte do seu país. Mas, agindo com traição, o povo de Edom, ao sul de Judá, resolveu aproveitar a oportunidade para atacar seu vizinho cujos exércitos estavam a cerca de quinhentos quilômetros de distância. Isso obrigou Davi a enviar uma tropa para defender o país dos edomitas, tropa que parece ter tido dificuldades para repelir os invasores do Sul. Diante do cansaço da guerra, dos inúmeros inimigos e do constante risco de ser derrotado, Davi escreve o salmo, na forma de um diálogo com Deus, que ensina lições preciosas para o servo de Deus que passa por provações longas e duras.
A primeira lição é reconhecer que as provas não fogem do controle de Deus. O revés militar é imediatamente reconhecido por Davi como uma atuação de Deus (v.1): “Ó Deus, tu nos rejeitaste, nos desmantelaste, pois tu te enfureceste” (’elohîm zenahtanû peratstanû ’anafta). Entendendo que os rumos da guerra vêm do Senhor, Davi não se ocupa apenas dos preparativos e das táticas militares como se tudo dependesse dele. Em lugar disso, ele ora àquele que conduz a história, dizendo: “Restaura-nos!” (teshôvev lanû). Parece que o pensamento de Davi é que, se Deus dá a provação, somente ele pode retirá-la. Por hora, segundo o plano traçado por Deus para esse momento, Davi e seu exército estão abalados com as dificuldades em relação ao número e à ferocidade dos inimigos (v.3): “Fizeste teu povo ver dificuldades” (hir’îtâ ‘ammeka qashâ). Ao dizer isso, Davi não tem em mente apenas o ato de “ver” a dificuldade, mas de atravessá-la, de sofrê-la pessoalmente.
Segundo o salmista, o Senhor não só tinha um propósito em relação à história de Israel, ao reinado de Davi e às suas conquistas militares, como pessoalmente implementou tais propósitos. Contudo, o fez dentro dos parâmetros que previu para tratar seu povo sem fazê-lo perecer (v.4): “Aos que te temem deste uma bandeira para onde possam fugir do alcance do arco” (natattâ lîre’eyka nes lehitnôses miffenê qoshet). Davi não explica que tipo de bandeira ou “sinal” é esse a que se refere. Como não parece ser uma descrição literal de um refúgio sinalizado por uma bandeira – já que isso era algo que um exército sempre tinha e que não poderia se enquadrar em algo especialmente dado por Deus nesse revés em particular – a linguagem de Davi deve ser figurada e a “bandeira” poderia ser o próprio Senhor a quem ele, agora em dificuldades, recorre para encontrar abrigo. A palavra “bandeira” é a mesma que, com o sufixo possessivo, forma um dos nomes pelo qual Deus é conhecido: “Jeová nissi” (o Senhor é minha bandeira) – ver Êxodo 17.15. Essa interpretação é favorecida pela confiança que Davi tem de orar a Deus no versículo seguinte (v.5): “Liberta-nos pela tua destra e responde-nos para que os teus amados possam ser livres” (lema‘an yeholtsûn yedîdeyka hôshî‘â yemîneka wa‘aneniw). No final das contas, é muito claro, na mente do salmista, o domínio de Deus sobre a situação de Israel.
A segunda lição é saber que Deus conhece a hora de por fim às provações. Esse trecho (vv.6-8) está escrito na forma de uma resposta de Deus à primeira oração de Davi (vv.1-5). Pela pena do salmista, o Senhor garante que chegará o momento de ele, novamente, favorecer os israelitas. Discute-se se o conteúdo dos vv.6-8 é o registro de uma revelação divina a Davi ou se o salmista está apenas lançando mão da confiança dada pelas promessas do Senhor registradas nas Escrituras. De qualquer modo, Davi tem convicção de que o mau momento passará e que os inimigos serão subjugados. Ele escreve (v.6): “Deus, em sua santidade, disse: Eu exultarei, pois dividirei Siquém e medirei o vale de Sucote” (’elohîm diber beqodshô ’e‘lozâ ahalleqâ shekem we‘emeq sukôt ’amaded). Siquem está situada em Efraim, a oeste do Jordão, enquanto o vale do Sucote fica em Gade, a leste do Jordão. O significado desse texto parece ser que o Senhor confirmaria a posse aos israelitas da terra que lhes deu, tanto de um lado como de outro do rio Jordão.
Ele continua (v.7) e valoriza territórios como Gileade e Manasses (a leste do Jordão – Manasses também se estendia a oeste) e Efraim e Judá (a oeste do Jordão). Por outro lado, humilha as nações ao sul, nações estas que costumeiramente causavam problemas para Davi e seus súditos (v.8): “Moabe é o meu lavabo; sobre Edom jogarei a minha sandália; sobre a Filístia eu cantarei vitória” (mô’av sîr rahtsî ‘al-’edôm ’ashlîk na‘alî ‘alay peleshet hitro‘a‘î). Com isso, os israelitas podiam esperar o término dos confrontos pela subjugação dos inimigos. O próprio Senhor poria fim às provações.
A última lição é submeter-se inteiramente a Deus como o único que pode dar alívio. A partir do v.9 Davi volta a ser a voz do salmo e faz uma pergunta que revela sua incapacidade inicial de vencer os edomitas: “Quem me levará à cidade fortificada? Quem me guiará até Edom?” (mî yovilenî ‘îr matsôr mî nahanî ‘ad-’edôm). Tais perguntas mostram que o exército israelita, que tinha como meta tomar Edom e sua capital a fim de acabar com os conflitos, não teve êxito nesse intento. A razão de tal ineficácia é o fato de Deus não tê-los feito vitoriosos até então (v.10): “Acaso tu, ó Deus, não nos rejeitaste? Por isso, ó Deus, não sais com nossos exércitos” (halo’-’attâ ’elohîm zenahtanû welo’-tetse’ ’elohîm betsiv’ôteynû). Sabendo disso, em lugar de buscar outros recursos, Davi se volta inteiramente a Deus e suplica seu auxílio (v.11): “Socorra-nos do adversário, pois nulo é o socorro do homem” (havâ-lanû ‘ezrat mitsar weshawe’ teshû‘at ’adam). A submissão à direção e à vontade de Deus dá, então, segurança ao salmista de que eles sairão vencedores dessa intensa provação (v.12): “Em Deus nós faremos proezas, pois ele investirá contra nossos adversários” (be’lohîm na‘aseh-hayil wehû’ yabûs tsareynû).
O mesmo Deus de Davi, aquele que dá provações, que sabe em que medida dá-las e que se compadece dos servos sustentando-os e livrando-os, é o mesmo Deus de hoje, o Deus da igreja. Seus métodos e objetivos também são os mesmos. Ele nos ensina por meio das dificuldades, nunca nos abandona, nos lembra da sua constante presença e da necessidade que temos de depender dele e nos protege do mal. É disso que eu me lembro quando passo por lutas. E é por isso que eu continuo seguindo quando as forças dão mostras de que acabarão. Como na piscina, o cansaço vem, mas vez após vez completamos a prova com nosso Deus nos sustentando e nos impedindo de afundar.
Pr. Thomas Tronco
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