Acho incrível como os policiais são treinados para descreverem suspeitos e reconhecerem tais características nas pessoas. Enquanto certos indivíduos são maus fisionomistas, alguns homens da lei conseguem, ao olhar para uma pessoa, saber sua altura, peso, cor dos olhos e notar marcas como cicatrizes e tatuagens. Muitas vezes, a descrição física de um suspeito, para alguns policiais, equivale a um retrato. É uma qualidade admirável – e útil – que não compartilho com os agentes da segurança pública. Apesar de eu nunca me esquecer de um rosto, eu não sei descrever ninguém.
Ao que me parece, um dos salmistas soube fazer muito bem uma descrição. Na verdade, o escritor do Salmo 10 soube descrever o “perverso” tão bem que é como se tivéssemos um retrato dele.
O v.2 diz que o perverso age “com arrogância”, bega’awat, que também pode significar “com orgulho” ou “com majestade”. É o sentimento de quem se julga um tipo de rei. Para ele, seu valor pessoal supera o de todos ao redor. Ele deve ser servido e sua vontade atendida. Esse sentimento maligno, segundo o texto, o leva a perseguir o pobre, tramando contra ele. Nenhum sentimento de injustiça o dissuade de agir mal contra alguém, pois ele se acha no direito de fazer o que quiser.
Enquanto a cobiça é apontada pelas Escrituras como pecado e é vista com desprezo até pelo mundo, o perverso “se gloria da cobiça da sua alma” ou nos “desejos da sua alma” (v.3). A ideia de gloriar-se está expressa no verbo halal que, no grau em que se apresenta no texto, tem o sentido de “louvar, elogiar, exaltar”. É isso que o perverso faz: ele rende a si mesmo louvor e exaltação ao observar o “apetite da sua alma”, ta’awat naphshô. Apesar de essa expressão poder ter um sentido positivo, como em Isaías 26.8, o próprio v.3 dá pistas de quais são os “desejos” e “apetites” do perverso ao chamá-lo de “avarento”. Na verdade, o salmista usou um verbo para descrever a ação do perverso, botsea‘, que aponta para “aquele que arranca para si o lucro”. Nessa disposição, tal homem, diz o texto, “maldiz o Senhor”. Os anseios de tal homem são, portanto, diametralmente opostos ao desejo e ao caráter de Deus.
O fato de o perverso ser tão contrário a tudo que Deus é e ensina, não o preocupa. Na verdade, ele sequer se detém para avaliar sua vida. O v.4 diz que, por causa do seu orgulho, ele “não investiga” o fato de Deus não fazer parte de todas as suas cogitações. Darash é uma “busca” que o perverso não realiza. Afinal, que erros podem ser encontrados pelo soberbo em si mesmo? Confiado na sua perfeição e no seu valor que excede o valor dos outros, ele “desafia”, yaphyah, todos quantos se opõem a ele (v.5). Sua confiança de jamais ser abalado e de não ser alvo de nenhum mal, conforme o v.6, é algo que ele repete para si mesmo “em seu coração”, belibô. Seu mal, sua soberba e sua confiança enganosa são algo nutrido no seu íntimo. Tais sentimentos estão enraizados nele.
Não são apenas os atos do perverso que são maus. Aquilo que ele fala é “cheio” de maldade. Ele pronuncia “maldição”, ’alah, por meio da sua boca. Sua língua é suficiente para causar destruição em sofrimento. O v.7 nos diz que naquilo que o injusto profere há “mentira”, mirmah,“engano”, tok, “opressão”, ‘amal, e “maldade”, ’awen. Não há como minimizar o mal e a violência capazes de ser exercidos pela boca do ímpio. Sua língua deve ser mais temida que suas mãos.
Munido de tamanha maldade, o perverso olha para o desamparado e fica de “tocaia” (v.8), e prepara-lhe uma “emboscada” (v.9). Seu objetivo, segundo o v.8, é “exterminar os inocentes”, yaharog naqy, e, conforme o v.9, “arrastar com sua rede”, bemoshkô berishtô. Como um predador esperando a vítima, diz o v.10, ele “se abaixa e fica encurvado”, wadakah yashoah, preparando, assim, um ataque mortal. Essas três expressões transmitem ideias de caça: um animal matando uma presa para devorá-la, um pescador puxando sua rede com o peixe desavisado e um leão se ocultando na savana para atacar de surpresa. São três modos contundentes de avisar-nos sobre o perigo que representam os perversos para aqueles que não são como eles.
Finalmente, o v.11 mostra que o perverso, como muitos criminosos e corruptos no nosso país, tem a certeza da sua impunidade. Quando olha para sua maldade e suas ações traiçoeiras, diz para si mesmo que “Deus se esqueceu”, shakah ’el, no sentido de não se importar com o que acontece. Para o perverso, não há um juiz superior que o possa punir pelo que faz simplesmente porque tal juiz não atua. Por isso, ele se convence de que seu mal Deus “não vê nunca”, bal-ra‘ah lanetzah. Tal convicção não vem apenas da arrogância, mas também do desprezo por Deus e pela sua justiça e santidade.
Esse é um retrato terrível de alguém com quem devemos nos preocupar. O homem perverso é um risco para os servos do Senhor. Aquele que despreza Deus e a sua salvação é inimigo dos que amam o Senhor Jesus, ainda que não lhe tenham feito nada de mal. Portanto, na convivência com eles e até na pregação do Evangelho a eles, o cristão deve manter cautela a fim de não ser ferido, seja por meio da oposição aberta, seja por meio do desvio velado em um contato mais íntimo com o ímpio. Muitos servos do Senhor têm sido perseguidos pelo ódio dos ímpios, enquanto outros têm se desviado da santidade por meio do “amor” dos incrédulos. As táticas para abater a presa são muitas.
Com o retrato do perverso em mãos, devemos ficar atentos como os policiais a fim de reconhecer o perigo e nos prevenir dos seus males. Afinal, depois de a casa ser roubada, pouco sobra para a polícia fazer.
Pr. Thomas Tronco