quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

O Maior de Todos os Contrastes

Em minha família, somos três irmãos: dois homens e uma mulher. Meu irmão mais novo é alguém muito alegre e animado, assim como eu mesmo costumo ser. Mas há um fator interessante entre nós: somos, no geral, extremamente diferentes. Nossos gostos são diferentes. Nossos hábitos nem sequer se parecem. Nossas habilidades são distintas. Fizemos cursos superiores de áreas opostas. Nossas amizades nunca se dariam bem entre si. Até nossa aparência difere, de modo que as pessoas que nos conhecem há pouco tempo nem imaginam que somos irmãos. É difícil acreditar que fomos gerados no mesmo ventre e educados no mesmo lar. Apesar de tanta diferença, nos damos bem porque ainda guardamos muitas semelhanças e compartilhamos de muitos valores.

Por maiores que sejam os contrastes entre meu irmão e mim, há um muito maior. No Salmo 36, o rei Davi evidencia os contrastes entre o homem ímpio e o Deus santo. Muitos são os contrastes nesse texto e eles podem ser identificados sob diversas ópticas. Um deles é o disparate entre a ausência de bem no injusto e a fartura das qualidades divinas e das bênçãos vindas de Deus. Se precisássemos traduzir isso em termos de metragem, mediríamos o pecador na escala de milímetros, enquanto o Senhor seria representado na escala dos quilômetros.

O primeiro desses contrastes se dá no campo da confiabilidade. O homem que não segue Deus não é alguém em quem se possa confiar. Seus padrões morais e éticos não são guiados pela verdade e pela retidão. Há nele ausência de um caráter justo (v.1), pois “não há temor de Deus diante dos seus olhos” (’ên-pahad ’elohîm leneged ‘ênayw). Assim, não há limites nem escrúpulos naquilo que faz, visto não ter medo de ser julgado por alguém superior aos homens. Diante de tal ausência, Deus superabunda em termos de confiança para os que o seguem (v.6), pois “aos céus chegam a tua fidelidade, ó Senhor; a tua confiabilidade chega até as estrelas” (yehwâ behashamayim hasdeka ’emûnateka ‘ad-shehaqîm). Se pensarmos bem, não há como medir os atributos do Deus ilimitado. Assim, quando o salmista cita os céus e as estrelas, não é para oferecer uma medida ou um alcance exato, mas para exaltar a “fartura” de tais atributos. É a comparação entre a ausência de veracidade no homem amigo do pecado e a abundância da confiabilidade do Senhor. É uma imagem que vislumbra a pequena estatura de um homem comparado à distância entre o chão e as estrelas. É um contraste e tanto!

O segundo contraste está na área da justiça. O ímpio se sente bem com seus procedimentos injustos. O v.2 diz que “ele lisonjeia a si mesmo aos seus olhos” (hehelîq ’elayw be‘ênayw). Significa que ele se parabeniza ao contemplar o seu pecado, a sua culpa e a sua ausência de justiça. Destilar sua maldade sobre os outros não lhe causa rubor nem lhe afeta a consciência. Antes, faz com que se vanglorie disso. Por outro lado, Deus transborda de justiça (v.6): “A tua justiça é como as montanhas de Deus; o teu juízo é como um oceano muito profundo” (tsidqateka keharrê-’el mishpateka tehôm ravvâ). Mais uma vez, a grande dimensão das montanhas e a profundidade e tamanho dos mares representam o proceder justo do Senhor. Aliás, não há ninguém mais justo que ele. Sua justiça nem sequer pode ser mensurada.

O terceiro se dá no relacionamento. Relacionar-se com os injustos é difícil e perigoso pela ausência da benignidade, ou seja, a disposição de promover o bem alheio. Falando do homem ímpio, Davi afirma que (v.3) “as palavras da sua boca são falsidade e traição” (divrê-pîn ’awen ûmirmâ). Conviver com pessoas assim é um grande risco, pois, não somente não são confiáveis, como também tramam males contra o próximo. Enquanto apertam as mãos das pessoas, pensam em como causar-lhes dano para promover o benefício pessoal. Suas palavras são boas aos ouvidos, mas suas tramas abrem uma cova para quem os acolhe. Os homens ao redor devem se afastar dos injustos a fim de se protegerem. De modo diametralmente oposto, a proximidade do Senhor é o que protege seus filhos. Sobre Deus, diz o salmista (v.7): “Os filhos do homem se protegem à sombra das tuas asas” (benê adam betsel kenafeika yehesayûn). Como um grande pássaro, mais forte e poderoso que os predadores, o Senhor protege aqueles que o buscam. Essa proteção é efetiva e tem como razão a “benignidade” do Senhor. Ele não vira o rosto para quem o busca. Antes, se relaciona com eles em meio à bondade. Ele oferece um relacionamento extremamente saudável para seus servos, assim como um pai ao se relacionar com os filhos ou como uma ave que abraça e protege seus filhotes.

O quarto contraste surge na área do auxílio. Se pensarmos em termos de ações positivas e benéficas em relação a outras pessoas, nosso modelo nunca pode ser o homem injusto, pois (v.3) “ele renunciou ao entendimento e à prática do bem” (hadal lehaskîl lehêtîv). O senso comum do bem não está nesse homem. Ele age como se ignorasse os conceitos relacionados a fazer o bem aos outros. Ninguém pode esperar dele um auxílio verdadeiro e desinteressado, pois tais atos são desconhecidos para ele. Por outro lado, se os servos do Senhor necessitam do auxílio divino (v.8), “eles se saciam de gordura da tua casa” (yirweyun middeshen). Essa é a imagem de um homem faminto sendo alimentado por um anfitrião generoso. O benfeitor oferece comida em abundância; nada falta. Além disso, trata-se de uma comida nutritiva que sustenta o faminto – deve-se levar em consideração que, nos dias do salmista, a gordura, diferente de hoje, não era vista sob uma óptica negativa, como produtora de doenças, mas como uma parte importante da alimentação. Assim, Deus age como um benfeitor que supre as necessidades dos aflitos de modo generoso e abundante. Esse fato é corroborado na sequência do texto: “Tu lhes dá de beber da torrente das tuas delícias” (nahal ‘adaneyka tashqem). O auxílio divino é farto e fruto da sua bondade. 

O último contraste está no caráter. O v.4 diz que o perverso “trama o mal” (’awen yahshov). Entretanto, essa não é a causa do seu caráter perverso, mas o efeito dele. O motivo de esse homem agir assim é que “ele não recusa a maldade” (ra‘ lo’ yim’am). A perversidade faz parte dele. Seu caráter é assim e, por isso, ele nunca se tolhe das más ações, nem se refreia. Tal homem vive escravizado nas trevas do pecado. Deus é o oposto disso, pois, segundo o salmista (v.9), “em ti está a fonte da vida; na tua luz nós vemos a luz” (‘immeka meqôr hayyiym be’ôreka nir’eh-’ôr). O caráter de Deus é santo, justo e amoroso, o que é representado, pelo salmista, por meio da ideia de “luz”. Pela observação da natureza divina relevada nas Escrituras, o servo do Senhor tem seu caminho iluminado e sabe por onde andar com segurança. Ele, mirando no Deus santo e vivo, é preenchido com a verdadeira vida. Tudo isso com sobra e abundância.

A aplicação desses tão grandes contrastes vem na forma de uma oração do salmista ao Senhor. Ele, que parece ter desistido de confiar na força e na sabedoria humana, talvez cansado de sofrer tantas decepções, roga a Deus (v.10): “Alongue a tua bondade aos que te conhecem e a tua justiça aos que são retos de coração” (meshok hasdeka leyode‘eyka wetsidqotka leyishrê-lev). A confiança de Davi está na manutenção diária e abundante da bondade do Senhor para com seus servos. Não poderia haver um contraste mais vantajoso para os que creem em Deus e lhe são seguidores. Se o homem não é confiável, o Senhor é a fonte de toda a confiança. Se o homem trama armadilhas, Deus protege seus filhos delas. Se os pecadores são maus, Deus é o exemplo máximo da bondade. A pergunta que fica é: “O que você quer? Seguir os caminhos secos e tortos dos incrédulos, ou saborear a vida e a santidade que vem de Deus a da sua Palavra?”

Pr. Thomas Tronco

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