Um dos desastres naturais mais conhecidos da história da humanidade foi a destruição de Pompéia, na Itália, no ano 79, devido à forte erupção do vulcão de nome Vesúvio. O interesse por Pompéia e pela história da sua tragédia sempre foi muito grande, principalmente depois das descobertas arqueológicas. Parte da história de vários cidadãos da cidade foi reconstruída a partir dos achados. Entre elas, está a de uma mulher rica. Ela, que devia ter uma vida abastada e tranquila, cheia de respeito e pompa, viu sua sorte mudar em questão de minutos quando quis, a todo custo, manter sua paz baseada nos bens.
Enquanto boa parte de população decidiu fugir do alcance destruidor das emissões do vulcão, essa mulher parece ter voltado, ou se demorado, a fim de reunir e levar consigo suas riquezas. Antes que ela pudesse juntar tudo e fugir, uma grande quantidade de cinzas a atingiu tirando sua vida e transformando-a em uma estátua que permanece, até hoje, com as mãos recheadas de pérolas, diamantes, rubis, safiras, brincos e um broche de ouro, riqueza que seria hoje avaliada em milhares de dólares. Essa mulher é uma lição viva – ainda que por meio da morte – de que a paz proveniente da prosperidade pode se esvair pelas vicissitudes da vida e trair aqueles que nela confiam.
Quase onze séculos antes dessa tragédia, o rei Davi parece ter aprendido a mesma lição. O Salmo 30 mostra que ele descobriu, a custo de sofrimento pessoal, que a confiança nos bens e nas circunstâncias favoráveis pode ser traída por mudanças bruscas e indesejadas. Por outro lado, ele também aprendeu que o Senhor é a base da segurança e a fonte de alegria dos que o buscam, ainda que passem por revezes. Além disso, o Senhor é aquele que, conforme seu desejo e sabedoria, conduz a história dos homens, de modo que seus servos devem sempre esperar dele tudo aquilo de que necessitam.
O salmo, que começa com o louvor do seu escritor a Deus, só deixa compreender seu contexto à medida que avança para o final. O que Davi revela sobre sua situação é que ele, que vivia tranquilo devido à posição política e à riqueza, confiando que isso garantia seu descanso e alegria (v.6), viu tudo ruir de uma hora para outra (v.7). Inimigos o deixaram em uma situação tão complicada que Davi teve de recorrer a Deus (vv.2,8,10) diante do risco de morrer nas mãos de tais homens (vv.1,3,9). Deus, então, atendeu sua oração (vv.1-3,11), restaurou sua posição, pelo que o salmista agora o louva (vv.4,12). Nesse contexto, Davi parece ter aprendido três lições sobre a paz e o sofrimento na vida dos servos de Deus.
A primeira lição é que o sofrimento do servo de Deus não é uma realidade final. É muito comum vermos as pessoas – o que inclui a nós mesmos –, em meio a um revez, agirem como se achassem que o sofrimento jamais passará. Isso faz com que atitudes tolas e destrutivas compliquem até o que parece não poder ficar pior. Se essa era a realidade de Davi, ele percebeu que Deus é poderoso para mudar as piores situações e dar dias melhores aos que lhe pertencem (v.5): “ao anoitecer pousa o pranto, mas pela manhã há alegria” (ba‘erev yalîn bekî welabboquer rinneh).
Davi parece associar tal pranto a uma ação disciplinar de Deus, pois explica: “Pois sua ira é momentânea; seu favor dura a vida toda” (kî rege‘ be’apô hayyiym birtsônô). O salmista vê Deus, como disciplinador, trazer desconforto ao servo até que mude novamente sua sorte, dando-lhe descanso. O que Davi ensina faz eco às palavras do profeta Jeremias que, depois de testemunhar a disciplina de Deus sobre Israel, reconhece sua graça como a razão pela qual o Senhor retém a disciplina antes de ela dar cabo das pessoas: “As misericórdias do Senhor são a causa de não sermos consumidos, porque as suas misericórdias não têm fim; renovam-se cada manhã. Grande é a tua fidelidade” (Lm 3.22,23). A graça de Deus concede perdão e misericórdia e, frequentemente, faz com que o sofrimento seja seguido de alívio.
A segunda lição é que a paz vinda da prosperidade é frágil e aparente. Nesse ponto Davi é muito honesto ao confessar seu arrogante erro (v.6): “Mas eu dizia: no meu bem-estar jamais serei abalado” (wa’anî ’amartî beshalwî bal-’emmôt le‘ôlam). Uma das palavras hebraicas usadas por Davi nessa frase – le‘ôlam – significa “para sempre” e é muito forte ao transmitir a sensação de onipotência que Davi sentia quando tudo ia bem. Para ele “nunca” haveria nada que pudesse afligi-lo, como se tivesse, ele mesmo, poder para controlar tudo à sua volta e garantir, por seus próprios meios, o sucesso e a felicidade.
Entretanto, tamanha arrogância foi quebrada por Deus através da demonstração de quem é o soberano e quem é o alvo das mãos do soberano – Deus e os homens respectivamente. O salmista evidencia tal verdade ao dizer resignado (v.7): “Tu ocultastes teu rosto e eu passei a viver em pânico” (histarta paneyka hayiytî nivhal). Davi, que imaginava controlar seu destino por meio do assento real e das riquezas que possuía, viu Deus simplesmente desampará-lo e tudo o que parecia seguro ruiu. Sem a mão protetora de Deus, nenhum bem, posição, acordo ou exército pode garantir a paz de quem quer que seja. Não é em tais coisas que o servo de Deus deve confiar. Todas elas podem falhar e tolo é o homem que, orgulhosamente, põe nelas a sua alegria e delas espera a paz.
A terceira lição é que a verdadeira alegria vem por meio da atuação de Deus. A guinada na vida de Davi fez com que ele, munido de uma nova postura, buscasse o Senhor. Como é fato que, diante de uma situação segura, costumamos nos sentir poderosos e dominadores do nosso destino, é certo também que quando as circunstâncias mudam para pior, nos lembramos que é Deus quem controla tudo e corremos para ele. Assim fez Davi (vv.8-10) e isso em nada nos impressiona. O que surpreende, mesmo, é a disposição constante de Deus de perdoar e restaurar.
Por isso mesmo, depois de receber a atuação benéfica de Deus, o salmista testemunha (v.11): “tu transformastes o meu lamento em festejos; retirastes meu pano de saco e me vestistes de alegria” (hapakta mispedî lemahôl li pittahta saqqî wate’azzerenî simhâ). Que transformação: o choro vira riso; as vestes de luto viram vestes de comemoração. Somente Deus pode causar tamanha mudança. Mas essa transformação tem um propósito. Se antes o nome do Senhor fora deixado em segundo plano, Deus quer que, agora, ele volte a ter primazia na vida do servo. Por isso Davi explica o motivo do favor de Deus nos seguintes termos (v.12): “para que eu cante a ti e não emudeça” (lema‘an yezammerka kavôd welo’ yiddom). Diante disso, o resultado é: “louvar-te-ei para sempre, ó Senhor, Deus meu” (yehwâ ’elohay le‘ôlam ’ôdeka).
Essa lição marcante deve ter acompanhado Davi durante toda sua vida. O mesmo deve acontecer conosco. Pode ser que tenhamos vivido experiências do mesmo tipo ou pode ser que ouvimos histórias de pessoas que viram sua auto-suficiência desmantelada por uma chacoalhão de Deus, vulcões que abalaram suas vidas. De qualquer modo, o conhecimento, seja por experiência própria ou de ouvir relatos como esse, deve nos fazer refletir sobre a condição humana, a potência divina e o que realmente é valioso na vida dos servos de Deus. Que isso nos impeça de menosprezar o nosso Senhor como guia de nossas vidas e nos livre de parecemos estátuas mortas com dinheiro preso aos dedos.
Pr. Thomas Tronco
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