sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

A Liberdade Incoerente

Já me acostumei, ao longo dos anos, a ouvir uma certa resposta de pessoas que me ouvem falar sobre minha fé na soberania de Deus (Ef 1.11) e na sua graça que nos elegeu para a salvação e perdão de pecados (Ef 1.4,5). Elas dizem: “Isso não faz sentido; não há ‘lógica’ nisso”. Apesar de ser exatamente o oposto, não me espanto mais com tal conclusão e passo a apresentar a base bíblica das doutrinas da graça – motivo pelo qual creio nelas.

Entretanto, não é possível deixar de notar a ironia da acusação. Na verdade, é um sistema bastante lógico: que Deus, superando a incapacidade humana de buscá-lo (depravação total do homem), nos aproximou dele de modo eficaz (graça irresistível) e, para tanto, elegeu alguns antes da fundação do mundo para aplicar sobre eles tal graça (eleição incondicional). Para providenciar o meio necessário de nos justificar, enviou seu Filho a fim de fazer expiação pelos eleitos e comprar, com seu sangue, a sua igreja (expiação limitada), de modo que, sendo ele o inteiro responsável pela redenção dos crentes, a mantém até que os leve para junto de si, sem, por motivo algum, perdê-los no caminho (preservação dos santos). Nada mais lógico e matemático, cuja lógica perde apenas para a vasta evidência bíblica de apoio a cada uma dessas doutrinas.

Por outro lado, a posição concorrente é fundamentada sobre uma incoerência nata. Pelágio baseava sua defesa do livre arbítrio na suposta condição não maculada do homem ao nascer. Para ele, o homem nem herdava de Adão o pecado, nem este lhe era imputado. Nascia puro, tendo diante de si apenas o mau exemplo de Adão. Sendo assim, seria possível ter plena liberdade para decidir seguir a Deus.

É claro que dizer que o homem nasce sem pecado é heresia (Gn 5.3; Sl 51.5; Rm 5.12) e há poucos teólogos que defendem isso atualmente. Quantas pessoas são capazes de dizer que o homem, ao nascer, pode optar por permanecer bom, sem pecado, e ter acesso ao céu sem que o seja por meio de Cristo, mas por merecimento próprio? A constatação de que os defensores do livre arbítrio não clamam, na sua esmagadora maioria, por uma posição como essa, aponta, também, para a incoerência do seu sistema. Creem que o homem nasce iníquo, mas faz escolhas como se fosse bom. Afirmam a escravidão do pecado, enquanto proclamam a liberdade da vontade. Concordam com Jesus quando diz que os incrédulos são “filhos do diabo” (Jo 8.44), mas negam que o horrendo pai tenha domínio sobre seus intelectos e desejos (2Co 4.3,4; Ef 2.1,2). Dizem que o homem entende que precisa buscar o Senhor, quando a Bíblia diz que “não há quem entenda, não há quem busque a Deus” (Rm 3.11).

Outra acusação que sempre ouço é que se trata de uma discussão acadêmica e inútil para a vida prática. Esse é mais um engano. O que os crentes precisam saber é que essa luta não é apenas pela “ortodoxia” (doutrina correta), mas também pela “ortopraxia” (prática correta). O fato é que quem não crê na “depravação total do homem” menospreza o tamanho da graça de Deus e da sua obra salvadora ao salvar quem não tinha “nada” de bom em si (Rm 3.24 cf. 3.10-12). Quem não crê na “graça irresistível”, tende a pregar o evangelho como se a aceitação do perdido dependesse do pregador e dos seus métodos, minimizando a participação soberana do Espírito Santo (Jo 16.8; At 16.14; 1Co 2.4). Quem renega a “eleição incondicional”, acaba por manter conceitos limitados sobre a soberania de Deus como se ele não tivesse controle sobre tudo realmente (Is 46.10,11, Dn 4.35; Ef 1.4,5). Aqueles que ignoram a “expiação limitada” reduzem o valor e o sentido da morte de Jesus como pagamento efetivo de pecados e resgate dos salvos (Jo 10.11; At 20.28). Finalmente, quem acha absurda a “preservação dos santos”, tende a render ao homem a participação na obra de salvação e a macular a doutrina da fidelidade de Deus e da inerrância das Escrituras (Jo 10.28; Rm 8.37-39; Jd 24).

É um preço muito alto, tanto na teologia como na prática da vida cristã, somente para afirmar que o homem é livre. E é “lógico” que ninguém quer atacar coisas tão importantes assim, não é mesmo?

Pr. Thomas Tronco

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Um Tratamento Especial

alguns anos, testemunhei o início da carreira de um político que tinha uma história de luta contra as dificuldades da vida. Em suas primeiras semanas de mandato, flagrei-o carregando arquivos pesados em um posto de saúde e fazendo serviço braçal nas ruas da cidade, de enxada na mão, com a intenção de servir à população – apesar de esses trabalhos serem de responsabilidade dos funcionários da prefeitura e não dele. O fato é que, mesmo inexperiente na vida política, aquele homem, simples no falar e no agir, realmente queria fazer jus ao cargo para o qual foi eleito.

Não somente as responsabilidades eram novidades para esse político, mas, também, as prerrogativas. Ele se apresentava em todos os lugares como detentor de um cargo eletivo a fim de ser admirado pelos outros ou tratado com certa deferência. Certa vez, quando alertado por um motorista sobre a possibilidade de ser multado caso fosse pego por um policial sem usar o cinto de segurança do veículo, ele respondeu que não havia problema, pois bastava mostrar sua carteirinha de político para que o agente da lei desistisse de qualquer tipo de punição – o que popularmente chamamos de “carteirada”. É claro que seu cargo não era tão alto assim, de modo que o desejo desse tipo de tratamento diferenciado, principalmente ao infringir a lei, me pareceu até risível.

Houve outro detentor de um cargo administrativo que pediu um tratamento diferenciado e o obteve. Fora eleito por Deus para o cargo de rei da nação israelita. Ele, o rei Davi, é o autor do Salmo 28, no qual clama a Deus para ser tratado de um modo peculiar em relação a outro grupo de pessoas. Contudo, ele não pede para receber vantagens em detrimento dos pobres e necessitados. Ele, que possivelmente corria o risco de morrer na mão dos inimigos (vv.1,2), clama a fim de ser tratado de forma diferente daquela que Deus trata os perversos. Ele quer ser alvo da graça e da misericórdia do Senhor, enquanto os ímpios são punidos com justiça. Para tanto, ele apresenta a Deus três modos de agir dos perversos que não eram compartilhados por ele, motivo pelo qual solicita, em humildade, um tratamento diferente.

O primeiro modo condenável de agir dos perversos é praticar o mal. Davi escreve (v.3): “Não me arrastes com os maus e com aqueles que praticam a iniquidade” (’al-timshekenî ‘im-resha‘îm we‘im-po‘alê ’awen). A palavra hebraica para “iniquidade” (’awen) foi bem escolhida por Davi. Ela produz, na mente do leitor, a ideia não apenas dos atos perversos em si, mas, também, das suas consequências lastimáveis. Tais pessoas, na verdade, são “produtoras de lamentos” nos homens, pois causam dor aos que os cercam. Imagine que Raquel, pouco antes de morrer na sequência do parto de Benjamim, registrou todo seu sofrimento, tanto do parto doloroso como da iminência da morte, no nome do filho a quem chamou inicialmente de ben-’ônî, cujo significado é “o filho do meu lamento”, utilizando a mesma palavra hebraica (Gn 35.18). Davi pede para não receber o tratamento duro que Deus daria a esses homens malévolos.

O segundo modo de agir dos perversos é falar falsamente. Davi se refere a eles (v.3) como “aqueles cujas palavras são pacíficas para com seus companheiros” (dovrê shalom ‘im-re‘êhem). Isso parece soar muito bem. Faz-nos imaginar pessoas agradáveis e sorridentes que elogiam e parecem ser favoráveis às pessoas ao redor. Entretanto, essa visão se torna turva e tempestuosa quando Davi, na sequência, contrapondo a primeira impressão, mapeia para os leitores o coração dos perversos: “Mas há maldade no coração deles” (wera‘â bilvavam). A realidade era que, enquanto suas bocas adulavam os ouvintes, seus corações tramavam o mal. Essa é uma atitude muito perigosa para os alvos de tal procedimento, pois, não apenas é difícil criar defesas contra os malvados ataques, como, às vezes, é improvável que se descubram os tais ataques. Trata-se daquela circunstância em que, aquele que é ferido, se senta à mesa com o agressor em plena comunhão aparente.

A terceira prática condenável dos perversos é desprezar Deus. O v.5 vislumbra o modo de Deus agir na história e na criação por meio das expressões “os trabalhos do Senhor” (pe‘ullot yehwâ) e “a obra das suas mãos” (ma‘aseh yadayw). Ao ouvir tais frases, recordamos da criação divina de tudo que veio a existir a partir do nada (Gn 1.1; Hb 11.3), do modo como Deus sustenta o universo e cuida do homem (Mt 6.28-34; Hb 1.3) e das coisas que prometeu fazer no futuro (Is 61.11; Ap 22.6,7). Segundo o que descreveu Davi, os perversos não se impressionam com nada disso, visto que diz: “Pois não atinam para os trabalhos do Senhor, nem para as obras das suas mãos” (kî lo’ yabînû ’el- pe‘ullot yehwâ we’el- ma‘aseh yadayw). A grandeza da atuação de Deus não cria neles louvor, temor ou adoração. Eles desprezam os atos de Deus por desprezarem o próprio Deus eterno. O “deus” de tais homens é criado e sustentado por sua própria cobiça. Quanto ao Deus verdadeiro e único, seus corações não têm espaço para ele por ignorarem definitivamente sua revelação, seu caráter e seu poder.

Diante dessas três características dos homens maus e do caráter de Davi como servo de Deus, o salmista pede um tratamento especial para o Senhor, diferente do que receberão os ímpios. O resultado de cada tratamento é descrito a fim de encorajar os leitores a servir a Deus em lugar de agirem mal. Segundo o salmista, quanto aos ímpios, “ele [Deus] os demolirá e não os reconstruirá” (yehersem welo’ yivnem). Davi descreve figuradamente, tratando o caso como se fosse uma construção, o fato de que os ímpios receberão uma punição permanente devido a uma decisão sem volta. Por outro lado, a esperança de Davi – e sua oração – é que receba o tratamento próprio daqueles que temem a Deus e esperam, pela fé, em sua bondade (v.8): “O Senhor é a força deles” (yehwâ ‘oz-lamô). O povo de Deus não fica sem amparo, pois ele é o seu defensor.

Infelizmente, o que acontece nos dias de Davi acontece hoje também. Há muitos que agem conforme seus maus desejos e acreditam poder convencer Deus do contrário. A arrogância do homem tem feito com que se ache conhecedor de todas as respostas e dominador de todos os segredos. Para ele, Deus faz parte de uma imaginação humana desnecessária para o século 21. Até mesmo em muitas igrejas, o conceito de Deus se deteriorou dando lugar a um tipo de antropocentrismo doentio. Por outro lado, a boa notícia é que, assim como Davi temia e servia ao Senhor, há hoje, também, um grande número de pessoas que, pela fé no salvador Jesus Cristo, foram transformadas, perdoadas, justificadas e abençoadas com a dádiva da vida eterna. Elas servem a Deus e anunciam o evangelho de Jesus Cristo. São dirigidas pela Palavra de Deus e procuram santificar suas vidas à semelhança do seu Senhor. Esses são aqueles que receberão um tratamento diferenciado do Senhor com direito a viver por toda a eternidade ao seu lado.

Minha pergunta, diante disso, é uma: você já tem direito ao tratamento especial que Deus dará aos seus filhos por crerem em Jesus, ou você, ao comparecer diante do inevitável tribunal de Deus, pretende ver se pode se dar bem por meio de uma “carteirada”?

Pr. Thomas Tronco

Escondido nos Braços do Pai

Quando minha filha era pequena, tinha um modo muito curioso de se comportar. Nunca se arriscava. Descia pequenos degraus se apoiando nas paredes ou em qualquer anteparo que a pudesse proteger de uma queda. Gostava de interagir com animais, porém, à distância, sem se arriscar a tomar uma mordida ou uma picada. Amava correr e brincar nos mais diversos lugares, desde que não estivesse sozinha. Quando comparo tais atitudes com os acidentes e “artes” comuns às crianças, sempre fico intrigado com a cautela da minha filha sem que ninguém a tivesse ensinado.

Contudo, apesar de ser cuidadosa ao extremo, desde que estivesse comigo, ela nunca teve medo de fazer coisas que dariam medo nas outras crianças. Bastava eu dizer “confie em mim”. Essa era a senha para que ela fizesse qualquer coisa. A impressão que eu tinha é que, no meu colo, nada a amedrontava, não porque se sentisse poderosa, mas protegida. Não sei qual era a visão que tinha sobre mim, ou quanto poder achava que eu tivesse, mas a confiança que minha filha tinha no pai era ilimitada.

Davi não era criança, mas parecia compartilhar com minha filha a confiança inabalável quando estava na presença do pai – não o carnal, mas o Pai celestial. O Salmo 27 não foi escrito em uma situação de paz para o salmista. Como nos salmos precedentes, Davi estava sofrendo por causa da fúria e das tramas dos seus inimigos. Entretanto, o tom que prevalece nesse salmo não é de clamor ou angústia, mas de confiança e ânimo, por incrível que pareça. Todo o salmo se deixa guiar pela disposição demonstrada desde seu início (v.1): “O Senhor é a minha luz e a minha salvação; a quem temerei?” (yehwâ ’ôrî weyish‘î mimmî ’îra’). Segundo Davi (v.2), quando seus inimigos o atacaram, “eles escorregaram e caíram” (hemmâ kashlû wenafalû). Mesmo se a guerra fosse declarada e Jerusalém fosse cercada totalmente, diz Davi (v.3): “Mesmo assim, eu sou confiante” (bezo’t ’anî bôteah).

Toda essa confiança não anula, contudo, a oração do salmista. Ele ainda tem anseios e continua tendo petições. Mas elas são de surpreender aqueles que, porventura, não têm uma ligação vital com seu Redentor. O maior desejo de Davi, ao ver-se atacado por pessoas perigosas, é o de estar com Deus. Sabendo do que tramam contra ele, conta ao Pai celestial seu anseio (v.4): “Assentar-me todos os dias da minha vida na casa do Senhor” (shivtî bebêt-yehwâ kol-yemê hayyay). O contexto sugere que Davi, ao dizer “casa do Senhor”, tem em mente o tabernáculo localizado na cidade de Jerusalém. Entretanto, os pedidos de Davi nos indicam que seu interesse maior não era o local em si, mas a presença de Deus. Ele queria se sentir acolhido pelo Senhor. Os motivos de se assentar diariamente na casa do Senhor são expostos: “A fim de contemplar a beleza do Senhor e para refletir no seu templo” (lahazôt beno‘am-yehwâ ûlebaqqer behêkalô). “Contemplar” e “refletir” implicam a ideia da busca de um relacionamento íntimo com Deus. O salmista quer meditar sobre quem Deus é e sentir-se em comunhão com ele. Quer que sua felicidade venha do fato de ser amado pelo Senhor.

A preocupação primária de Davi – a contemplação do Senhor – é seguida pelo seu anseio por um refúgio seguro. Tal fortaleza, porém, não consiste de muralhas e de portas robustas, mas da proteção divina. Representando, ainda, a presença de Deus pela figura do tabernáculo (v.5), Davi escreve: “Pois ele me esconderá no tabernáculo no dia mau e me guardará no esconderijo da sua tenda” (kî yitspenenî besukoh beyôm ra‘â yastirenî beseter ’ahalô). Davi não almejava se esconder debaixo das cortinas da tenda, mas debaixo do cuidado do Pai. É possível até imaginar uma criança no colo do pai escondendo seu rosto do problema enquanto o pai o protege, consola e o “esconde” de todo perigo.

Essa visão, exposta por Davi, é tão reconfortante que é improvável que os beneficiários de um tratamento tão magnífico não sejam agradecidos à fonte da sua segurança. Se pessoas salvas em incêndios ou em acidentes de carro fazem quase sempre questão de demonstrar sua gratidão aos bombeiros que os resgataram, imagine o desejo de Davi diante da atuação de Deus em seu favor. De maneira quase incontida ele afirma (v.6): “Que eu ofereça, no seu tabernáculo, sacrifícios de alegria; que eu cante e faça músicas ao Senhor” (we’ezbehâ be’ahalô zivhê terû‘â ’ashîrâ wa’azammerâ layhwâ). “Gritos de vitória” é um bom modo de entender o que são os “sacrifícios de alegria” escritos por Davi com a intenção continuar utilizando a figura do tabernáculo para representar sua busca e culto a Deus e, também, a disposição do Senhor de ser encontrado, de proteger e de manter comunhão com o servo.

Quem não gostaria de ter o ímpeto de Davi de servir a Deus e adorá-lo com todas as suas forças? Quem pensa assim, normalmente olha para Davi como um “superservo” e se esquece de que ele, pecador como nós, também era guiado por Deus para que assim agisse. Davi conta (v.8) que do seu íntimo surgia uma convite divino que lhe apontava o caminho da presença do Senhor: “A teu respeito diz meu coração: ‘Busque a minha face’” (leka ’amar livvî baqshô panay). O ensino do Novo Testamento sobre a atuação do Espírito Santo como guia (Jo 16.13) parece encontrar, nesse texto, a comprovação da ação correspondente no período vétero-testamentário. Em resposta ao convite paternal, Davi responde positivamente: “Buscarei a tua face, ó Senhor” (’et-paneyka yehwâ ’avaqesh). Como quem vê o pai segurando as mãos frágeis do filho, ensinando-o a andar passinho após passinho, Davi se sente dirigido por Deus.

Os braços do Senhor, na visão do salmista, são tão seguros quanto imutáveis. Não há em Deus apenas poder, mas também constância. Os impulsos, mudanças e desapontamentos que fazem os homens mudarem de atitude uns com os outros não estão presentes na natureza divina. Deus é aquele em quem não há “variação nem sombra de mudança” (Tg 1.17). Por isso, Davi sabe que, ainda que não seja sempre um bom filho, o Senhor nunca o abandonará, nem nas circunstâncias mais extremas. Para expressar essa certeza, ele sugere uma situação realmente extrema que exalta a fidelidade do Senhor (v.10): “Se o meu pai e a minha mãe me desampararem, o Senhor, contudo, me acolherá” (kî ’avî we’immî ‘azavûnî wayhwâ ya’aspenî).

Como não nos sentir seguros ao nos escondermos em braços paternos tão poderosos, amáveis, constantes e fiéis? Não é sem motivo que Davi esperava ser cuidado pelo Senhor, em quem se refugiava e se escondia do mal. Davi imagina o contrário e não vê esperanças (v.13): “Que seria se eu não tivesse crido que iria ver a bondade do Senhor na terra dos vivos?” (lûle’ he’emantî lir’ôt betûv-yehwâ be’erets hayyîm). A resposta natural que nós mesmos podemos dar é: “Não haveria esperanças”. Entretanto, a realidade é que ele – e nós, que cremos no Senhor Jesus – temos, ao nosso redor, braços que podem nos tomar como pequenos bebês e nos dar o cuidado necessário. Assim como minha filha, nós também podemos fazer as coisas mais improváveis para pessoas fracas e falhas. Basta lembrarmos que nosso Pai nos estende as mãos e diz: “Confie em mim”.

Pr. Thomas Tronco

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Satanás e a Lenta Construção da Mentalidade Atual

Satanás é paciente! Ele planta a semente do mal e a cultiva por longos e longos anos, até vê-la frutificar. Prova disso é o modo como age para corromper a mentalidade universal. Na busca desse objetivo tão vasto, ele não se intimida. Aos poucos, sem forçar, por décadas a fio, o diabo vai instilando na mente das pessoas o que é do seu interesse. A mídia, a política, a filosofia e a religião são, talvez, os instrumentos mais eficazes que usa. Utilizando esses veículos, Satanás dá lenta e sutilmente aos seus ensinos uma coloração bonita. Em seguida, sugere que quem discorda deles é pessoa atrasada, ignorante ou ingênua. Finalmente, depois de acostumar a cabeça das pessoas com o que quer que elas aceitem, eleva à categoria de crime qualquer manifestação contrária aos seus pensamentos diabólicos.

Tudo isso leva tempo. Mas tempo Satanás tem de sobra. E ele não tem pressa. Se quer conquistar uma geração para si, investe nas três ou quatro gerações anteriores àquela, lançando as bases para a futura mentalidade perversa. Essa mentalidade acolherá, então, tudo que o diabo ama e verá com naturalidade a banalização do sexo, a destruição da família e a ridicularização da Palavra de Deus.

Foi por meio dessa estratégia que a cultura pós-moderna nasceu.  Há cerca de duzentos anos, o diabo, por meio de seus ministros, fez o mundo acreditar que a chave para o encontro da verdade estava na razão humana (racionalismo). Segundo essa proposta, nada que não pudesse ser comprovado racionalmente devia ser recebido por pessoas cultas e inteligentes que realmente quisessem conhecer a verdade.

Ocorreu, porém, que a razão humana mostrou-se ineficaz para a obtenção das respostas que o coração humano perseguia. Então, aos homens decepcionados e frustrados, Satanás, pela boca dos seus arautos, propôs outra mentira. Desejando confundi-los novamente, e lançando já as sementes do pensamento pós-moderno, disse que a verdade podia ser conhecida por intermédio de alguma forma de experiência vivida pelo indivíduo (existencialismo). Os homens acreditaram nisso e buscaram essas experiências tanto no prazer como em coisas corriqueiras e até nas drogas. Mais uma vez, porém, a desilusão invadiu o coração das pessoas.

Foi aí que, tendo provocado intencionalmente tanta frustração nas pessoas das outras gerações, Satanás finalmente propôs aos homens das últimas décadas que não há verdade alguma para ser buscada. Maliciosamente, sem deixar que suspeitassem que tudo tinha sido armação dele, mostrou o quanto as gerações dos dois últimos séculos se afadigaram inutilmente na procura de uma base fixa para o pensamento. Em seguida, disse aos que viviam sob sua influência que eles deviam cessar essa busca sem sentido. Ousadamente ensinou que a verdade única não existe, que cada um tem a sua verdade particular, devendo viver conforme os ditames de seu próprio coração. 

Foi como se o diabo literalmente dissesse aos filósofos do nosso tempo: “Vejam como aqueles antigos perseguidores da verdade foram pessoas perdidas e confusas. Vejam como foram infelizes e não chegaram a lugar algum. Isso aconteceu porque eles perderam tempo crendo que a verdade objetiva existe. Quanta tolice! A verdade depende de cada um. Cada indivíduo a cria conforme quer. Essa é a resposta. Querem ser livres e felizes? Aceitem isso!”. Então, primeiro, os filósofos recentes, e, depois, toda a nossa geração, compraram a nova proposta satânica.

Vê-se assim que, de todas as levas da humanidade, a nossa foi aquela a quem Satanás mais demonstrou seu ódio mortal. Sim, pois, se para as gerações passadas, ele ofereceu frutos de cera, para a nossa ele deu arsênico. É certo que o racionalismo e o existencialismo, belas maçãs artesanais, não podiam dar vigor, mas pelo menos não exterminavam (em suas melhores expressões) as noções de decência, honra e virtude que tanto nos distinguem dos animais. Para o homem pós-moderno, porém, o diabo não ofereceu uma maçã de cera. Ele lhe ofereceu uma maçã envenenada. Primeiro mostrou-lhe o gosto amargo do fruto artificial comido pelos antigos e, depois, em seu lugar, ofereceu-lhe a maçã envenenada do total subjetivismo moral, filosófico e religioso.

E as pessoas do nosso tempo comeram essa maçã. Comeram e morreram! Morreram para qualquer interesse pela verdade, para qualquer conceito de certo e errado. Morreram também para as noções de dignidade. Que triste constatação: nosso tempo produziu pessoas que são sepulcros dentro dos quais jazem apodrecidas as mais elementares reminiscências da moral, da integridade e da honra! E provas disso estão nos jornais: nossos líderes políticos, por exemplo, sem se importar em distinguir o certo do errado, proíbem a correção de crianças, acolhem assassinos internacionais e apoiam horrendas perversões sexuais, inclusive com recursos do Estado. O homem de bem que se insurge contra essas coisas corre o risco de ser punido como criminoso e o povo ao redor contempla a ruína de tudo que é decente e justo sem sequer franzir a testa. Aliás, muitas vezes até faz piadinhas!

A história do homem nos últimos duzentos anos é, pois, a história da construção satânica de uma mentalidade vil, hoje reinante no mundo inteiro. É triste, mas pelo menos esse quadro desalentador fornece uma compreensão mais clara do que Jesus, a Verdade em pessoa, quis dizer quando questionou: “Contudo, quando o Filho do homem vier, encontrará fé na terra?” (Lc 18.8). E não somente isso. O tempo em que vivemos, dada a sua maligna forma de pensar, serve para encorajar os crentes a ouvir com um sentimento de urgência maior as palavras do apóstolo: “Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente...” (Rm 12.2). Maranata!

Pr. Marcos Granconato
Soli Deo gloria

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Como Deve o Justo Andar

Na minha adolescência, meu esporte favorito era o voleibol. Durante oito anos me dediquei ao máximo a fim de defender minha cidade nas quadras da região. Ainda tenho em casa algumas medalhas que, para mim, foram muito significativas e que, por isso, guardo-as com muito carinho. Guardo também as recordações de vitórias e derrotas que me ensinaram e me prepararam para as lutas da vida, onde também venço e perco constantemente.

Olhando para trás, lembro-me de quão dedicado eu era e quão decidido no meio dos jogos. Nos momentos mais complicados, eu me enchia de coragem e de um brio de guerreiro e pedia – às vezes “ordenava” – que passassem a bola para mim para eu decidir o ponto. Em uma dessas ocasiões, meu time jogava uma partida amistosa de cinco sets corridos contra o campeão paulista daquele ano. Já tínhamos perdido três sets por placares ridículos. Estávamos “tomando uma surra”. No quarto set, quando faltava apenas um ponto para perdermos, fui para o saque e comecei a forçá-lo até ao limite. Era arriscado, mas eu não queria perder todos os sets da partida. O risco era grande, mas minha confiança vinha de saber o quanto eu treinava aquele saque e como ele me ajudou em outras ocasiões importantes. Vencemos aquele set e, ao perder o próximo, já não me senti derrotado, mas como quem conseguiu algo impossível.

Davi também foi confiante em algumas ocasiões muito complicadas. O Salmo 26 não apenas demonstra a confiança do seu escritor, mas os motivos pelo qual ele confiava que podia recorrer a Deus quando homens injustos queriam fazer-lhe mal. Não que imaginasse que ele mesmo fosse perfeito ou que nunca cometesse erros. Davi conhecia bem suas fraquezas (Sl 51). Mas também conhecia seu amor pelo Senhor e seu esforço por obedecê-lo e viver de modo agradável a Deus. Baseado no seu modo de proceder, o salmista tem a confiança de pedir a Deus que compare sua vida com a de seus inimigos e, assim, lhe faça justiça. Enquanto vemos por aí homens corruptos e culpados nunca denunciarem crimes de outros para não serem, também, acusados, Davi apresenta a Deus sua vida para ser analisada. É possível, a partir de então, notar como deve andar um homem de procedimento justo. Por isso, assim começa o salmo (v.1): “Faze-me justiça, Senhor, pois eu procedi honradamente” (shoftenî yehwâ kî-’anî betummî halaktî). A confiança de Davi na obediência que tem a Deus lhe possibilita oferecer seu “coração” e seus “pensamentos” para ser escrutinado pelo Senhor (v.2).

Sabendo que Deus bem conhece seu interior, Davi passa a apresentar a manifestação externa do seu íntimo, atos de um homem justo. Em primeiro lugar, Davi afirma ser um homem munido de lealdade. A palavra hebraica hesed tem muitas traduções que vão de misericórdia e benignidade até amor e fidelidade. Normalmente, o contexto oferece indícios do que o escritor tinha em mente quando utilizou a palavra. Nesse caso, Davi a associa à “verdade” (’emet). Desse modo, uma tradução coerente do v.3 é: “Pois a tua fidelidade está diante dos meus olhos e procedi na tua verdade” (kî-hesedka leneged ‘eynay wehithallaktî ba’amiteka). Dizer “tua fidelidade está diante dos meus olhos” significa que Davi tem em mente o tempo todo o caráter leal de Deus e, assim, o imita. Ele não é alguém em quem não se pode confiar. Não é uma pessoa de duas palavras. O que ele diz é verdade. O que ele promete, também cumpre.

Davi apresenta mais uma qualidade justa do seu procedimento: a integridade. Segundo o que ele conta, não se deixou corromper pelas más companhias, nem pelos seus hábitos vergonhosos (v.4): “Não me assento com homens mentirosos, nem me acerco daqueles que agem às ocultas” (lo’-yashavtî ‘im-metey-shawe’ we‘im-na‘alamîm lo’ ’abô’). Nenhum homem de princípios questionáveis faz parte do grupo dos amigos de Davi. Ainda que sejam homens divertidos e poderosos, sua amizade não é mais importante para o rei que a comunhão que tem com Deus. Quando uma companhia exclui a outra e o salmista tem de escolher, ele não tem dúvidas em rejeitar os homens mundanos e permanecer na presença de Deus. E isso não se deve apenas à lógica de que não é possível andar com Deus e com os pecadores ao mesmo tempo. A própria integridade de Davi rejeita os hábitos e gostos dos ímpios. Ele não tem qualquer prazer na sua presença. Seus hábitos pecaminosos o incomodam, pelo que afirma (v.5): “Eu detesto a reunião dos perversos e não permaneço com os iníquos” (sane’tî qehal mere‘îm we‘im-resha‘îm lo’ ’eshev).

A próxima característica de Davi a seu favor, diante do escrutínio divino, é a pureza. Ele usa uma figura de linguagem que quer dizer que tem “mãos limpas” (v.6): “Eu lavo minhas mãos na inocência” (’erhats beniqqayôn kapay). Podemos pensar em diversas aplicações para a expressão “mãos limpas”. Entretanto, o próprio escritor descreve o motivo e o resultado dessa realidade: “Portanto, que eu me acerque do teu altar, ó Senhor” (wa’asoveba’ ’et-mitsbahaka yehwâ). O altar de Deus representa, aqui, sua própria presença. Os sacerdotes, a fim de oficiar os sacrifícios no altar de Deus, tinham de se purificar por meio da lavagem das mãos e pés na água que havia em uma bacia de bronze (Ex 30.18-21). Só então podiam se aproximar do altar. Davi se utiliza dessa figura para afirmar que também havia se purificado, certamente não com água, mas por meio do arrependimento que produz perdão, bem diferente daqueles orgulhosos que já se acham justos sem terem de recorrer a Deus (Pv 30.12,13). Por meio da purificação que vem da confissão de pecados a Deus (1Jo 1.9), Davi se sente preparado para se acercar de Deus e do seu santo culto.

A última característica justa que confere confiança a Davi de que será beneficiado pela justiça divina é a devoção. Solenemente, Davi proclama (v.8): “Eu amo o Senhor, a habitação da tua casa e o local onde habita a tua glória” (yehwâ ’ahavtî me‘ôn betêka ûmeqôm mishkan kebodeka). O amor de Davi aponta para Deus e para o culto ao seu nome. Ele mostra que não é possível amar a Deus sem desejar prestar-lhe todas as homenagens que merece no local e do modo determinado pelo próprio Deus para esse fim. Se Davi vivesse hoje, certamente não seria daqueles que dizem amar a Deus em suas casas, longe da adoração prestada a Deus pelo seu povo, todos reunidos.

Em posse desses procedimentos justos, Davi clama pela justiça de Deus. Ele se coloca sob sua avaliação e pede que ele o livre dos homens maus que não procedem assim. Ele tem confiança de orar a Deus; tem confiança de apresentar a ele a sua vida; tem confiança de pedir-lhe socorro. Por outro lado, quem age com malícia, com desregramento, com irreverência, com rancor e com desdém em relação a Deus e ao seu culto, vive sempre se escondendo: tem medo de orar a Deus e não ser atendido, de pedir justiça e ser ele mesmo disciplinado, de rogar por auxílio e ter de fazer mudanças profundas no seu modo de viver. Qual desses dois é você? Aquele que no jogo da vida cristã pede a bola para que possa definir o resultado ou aquele que se esconde com medo de falhar?

Pr. Thomas Tronco

Pedidos a Serem Feitos ao Senhor

Conheço um rapaz com quem sair para jantar é, às vezes, divertido e, outras vezes, enervante. Isso se deve ao modo como ele faz seus pedidos ao garçom. Enquanto todos à mesa, depois de examinarem o cardápio, fazem seu pedido da maneira mais simples possível, essa pessoa a que me refiro pede, não somente pratos, mas detalhes que nenhum chef jamais imaginou.

Os outros pedem um “filé ao ponto”. Porém, o pedido do meu amigo é mais ou menos assim: “Quero um “filé ao ponto... desde que não haja diferença entre a quantidade de fritura entre os lados da carne... A cebola, em vez de frita com azeite, quero-a frita na manteiga... manteiga sem sal... sirva-a separada e não sobre a carne... A salada não deve tocar o filé e o molho deve vir à parte... por falar em salada, quero que ela seja rasgada com as mãos e não cortada com faca... assim está bom, gosto de uma comida simples”.

Esse é o gosto do meu amigo, mas – “cá para nós” – são exigências dispensáveis em um bom e gostoso pedaço de carne bem macia e temperada, frita com a experiência de um bom cozinheiro.

Bem, longe de fazer pedidos irrelevantes, o rei Davi, no Salmo 25, pediu a Deus bênçãos da maior importância para a vida dos seus servos. Pedidos que devem ser repetidos por tantos quantos andam ao lado daquele que, pela graça, os salvou.

Tais pedidos podem ser identificados, no salmo, pela forma dos verbos que o salmista utilizou. A forma imperativa do verbo serve para aplicar uma ordem que pode ser dirigida a uma pessoa, a um grupo e até a si mesmo. Quando a ordem é para outra pessoa – a segunda pessoa do singular ou do plural – chamamos tal forma, na gramática hebraica, de jussivo. Ela representa uma ordem a outrem, ou um pedido – este é o caso do salmista quando se dirige, desse modo, a Deus. Assim, identificando os jussivos no salmo, identificamos, também, alguns dos importantes pedidos pelos quais o rei Davi costumava clamar em suas orações. Há pelo menos cinco clamores feitos pelo salmista.

O primeiro clamor é por ensino. Nos vv.4,5, o salmista é insistente, ou enfático – utiliza quatro jussivos –, em sua oração a Deus a fim de ser ensinado por ele: “Faz-me conhecer os teus caminhos, ó Senhor; ensina-me os teus trajetos; instrua-me na tua verdade e me ensina” (derakeyka yehwâ hôdî‘enî ’orehôteyka lammedenî hadrîkenî ba’amitteka welammedenî). Quando o salmista usa os termos “caminhos” e “trajetos” é óbvio que não tem em mente a geografia. Esses são modos de se referir aos ensinos de Deus sobre como seus servos devem agir. O fato de estarem no plural demonstra que se trata de várias orientações, às quais o salmista deseja atender, pelo que também ora a Deus. Por sua vez, a ocorrência do termo “verdade” na forma singular, contrastando com os plurais precedentes, demonstra que o salmista almeja andar de conformidade com o caráter de Deus que é bem definido e imutável.

O segundo clamor do salmista é por relacionamento. Os três jussivos de Davi nos vv.6,7 apontam para a memória de Deus. Contudo, o salmista tem plena consciência de que não há nada que o Senhor não saiba. Não é possível lembrar Deus de algo que lhe tenha escapado ou vê-lo esquecer qualquer coisa (Sl 139). Assim, quando Davi pede que o Senhor se lembre de algumas coisas e não se lembre de outras, sua intenção não é a memória de Deus, mas o modo de o Senhor se relacionar com ele diante das realidades da misericórdia divina e do pecado do homem. Ele escreve: “Lembra-te da tua compaixão, ó Senhor, e da tua misericórdia, pois elas existem desde a eternidade; não te lembres dos pecados da minha juventude, nem das minhas transgressões; conforme a tua misericórdia, lembra-te de mim por causa da tua bondade, ó Senhor” (zekor-rahameyka yehwâ wahasadeyka kî me‘ôlam hemmâ hatto’ôt ne‘ûray ûpesha‘ay ’al-tizkor kehasdeka zekar-lî-’attâ lema‘an tubeka yehwâ). Davi pede que Deus, valorizando seus atributos de bondade e compaixão e perdoando o seu pecado, venha a agir com ele de modo favorável e paternal. O resultado final da aplicação da misericórdia do Senhor para com o servo falho é a manutenção de um bom relacionamento com ele.

O terceiro é por consolo. Nesse ponto (vv.16,17), Davi apresenta suas aflições a Deus e pede que o alivie delas. Contudo, ao fazer suas solicitações, parece que Davi tem menos em mente os problemas em si que o modo como elas o estão afetando. Por isso, ainda que deseje ver o fim das oposições e perseguições, seu pedido a Deus é ser consolado da tristeza, solidão e desânimo. O efeito de tais sofrimentos é descrito no início do v.17: “Eles alargaram a aflição do meu coração” (tsarôt levavî hirhîvû). Assim, a primeira cláusula desse pedido de Davi é (v.16): “Volta-te para mim e me tenha piedade, pois eu estou solitário e aflito” (peheh-’elay wehonnenî kî-yahîd we‘anî ’anî). Davi expressa o que vem sentindo devido às circunstâncias. Sente-se sozinho, lutando contra todos sem ter com quem contar. Mas, ele olha para Deus, em oração, com a esperança de não se achar desprovido de tal apoio. Por isso, completa seu pedido (v.17b): “Retira-me das minhas angústias” (mimmetsûqôtay hôtsî’enî).

O quarto é por perdão. De modo muito interessante, mas nada incomum, os sofrimentos de Davi o levam a refletir sobre seus atos. É possível que perguntasse a si mesmo durante as noites: “Será isso tudo uma disciplina de Deus para me corrigir? Que tenho feito de errado para que Deus me alerte com tais tribulações?”. Tal dedução vem da conexão que Davi faz, no v.18, entre o sofrimento e seu próprio pecado. Davi não diz a Deus algo do tipo “veja o meu pecado e perdoa-o”. Ele diz: “veja o meu sofrimento e o meu cansaço e leva todos os meus pecados” (re’eh ‘onyî wa‘amalî wesa’ lecol-hatto’wtay). Ao dizer “leva meus pecados”, a ideia do salmista é ser perdoado deles, além de ser liberto de seu domínio. Ele pede um auxílio amplo de Deus no tocante às suas faltas. Seus pecados realmente o preocupam. Nenhuma turbulência serve de motivo para Davi descuidar da sua vida espiritual ou para dar desculpas do tipo: “não estou com cabeça para pensar em pecados ou para me arrepender... você não vê como estou sofrendo?”.

O último clamor de Davi nesse salmo é por socorro. Ele inicia seu pedido, assim como o anterior, dizendo “veja” (re’eh). Entretanto, seu desejo é que os olhos de Deus repousem, dessa vez, sobre seus inimigos e sobre o mal que lhe têm feito. Ele escreve (v.19): “Veja os meus inimigos, pois são numerosos e me odeiam com um ódio cruel” (re’eh-’ôyevay kî-rabû wesin’at hamas sene’ûnî). Eis o motivo da aflição de Davi: inimigos que, sem limites, o perseguem e querem sua destruição. Assim, depois de o salmista abrir seu coração a Deus dizendo-lhe o que o aflige, faz-lhe o pedido natural diante de uma situação como essa (v.20): “Guarda a minha alma e me proteja” (shomrâ nafshî wehattsîlenî). A expressão “minha alma”, nesse texto, tem a intenção de apontar para todo o salmista. Ele não quer apenas proteção espiritual, mas livramento das mãos dos que o odeiam. Assim, como Davi quer se ver livre dos maus, quer ver, também, Israel desfrutando as bênçãos de Deus longe das tribulações. Para tanto, completa (v.22): “resgata Israel, ó Deus, de todas as suas aflições” (pedeh ’elohîm ’et-yisra’el mikol tsarôtayw).

Esses são os pedidos fundamentais que faziam parte das orações de Davi: ensino, relacionamento, consolo, perdão e socorro. São clamores de um homem falho que serve a um Deus magnífico, santo e soberano. Não há ordens; não há orgulho; não há bravatas. Há apenas humildade, submissão, dependência, confiança e desejo de andar com o Senhor. Tais motivações também devem guiar as nossas orações, além das nossas atitudes e escolhas durante toda a vida. Que outras preocupações deveríamos ter? Que outros anseios? O que seria mais importante que tais coisas para a nossa vida? Acaso, seria o modo de servir o molho da nossa salada?

Pr. Thomas Tronco

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Os Sons da Enchente

O início de 2011 marcou o município de Atibaia, entre outros, com enchentes que atingiram bairros como nunca se viu antes. Parecia que os noticiários não sabiam o que mostrar primeiro, já que muitos lugares enfrentaram momentos de terror que ainda exibem suas marcas.

Entre tantas histórias tristes, conheci uma pessoa que perdeu tudo que tinha com a enchente que atingiu sua casa. Entre as realidades tristes que ela enfrentou, um relato me intrigou. Ouvi que a água, ao subir e invadir a casa, não faz qualquer barulho. Como a inundação aconteceu durante a noite, qual foi a surpresa dos atingidos quando acordaram com água sobre suas camas? Segundo o que me contaram, a água, que não anuncia sua chegada, sobe rápido e mal dá para reunir os familiares e fugir da casa. Somente dois barulhos se fazem no meio dessa tragédia: o trovão que anuncia o perigo e o desabamento da residência que decreta a destruição.

Há um paralelo muito grande entre essa triste história – história de muita gente – e a realidade do pecado. Esse também surge sem fazer barulho. Vai inundando a vida dos filhos de Deus aos pouquinhos, sem deixá-los tomar conta do perigo que correm. E destrói tudo assim que tem oportunidade.

A Bíblia nos alerta sobre vários pecados que, encontrando guarida e crescendo aos poucos, deixam marcas terríveis. Entre tais perigos estão:

1. A cobiça. Essa tentação toma lugar aos poucos, fazendo o homem se sentir cada vez mais insatisfeito com o que tem e valorizar cada vez mais o que não tem. Um sem-número de pecados surge a partir dessa brecha.

“Ao contrário, cada um é tentado pela sua própria cobiça, quando esta o atrai e seduz. Então, a cobiça, depois de haver concebido, dá à luz o pecado; e o pecado, uma vez consumado, gera a morte” (Tg 1.14,15).

2. A mágoa. Pequenos problemas de relacionamento, quando não resolvidos no coração, vão crescendo aos poucos e tornando duras e secas as pessoas que os acolhem até ao ponto de não poderem mais perdoar as ofensas. Isso causa divisão e danos sérios ao corpo de Cristo.

“[...] nem haja alguma raiz de amargura que, brotando, vos perturbe, e, por meio dela, muitos sejam contaminados” (Hb 12.15).

3. A apostasia. Muita gente começa bem no meio daqueles que servem ao Senhor. Mas, sem se precaverem contra as ciladas do inimigo e, talvez, munidos de uma confiança irresponsável que os faz crer que não há necessidade de cautelas contra o pecado, acabam por abandonar o que receberam com alegria (Mc 4.16,17), pelo menos a princípio.

“Portanto, se, depois de terem escapado das contaminações do mundo mediante o conhecimento do Senhor e Salvador Jesus Cristo, se deixam enredar de novo e são vencidos, tornou-se o seu último estado pior que o primeiro” (2Pe 2.20).

Tais são os perigos que surgem sem fazer alarde e acabam causando destruições que são, às vezes, irreparáveis. Diante disso, qual será sua postura? Quando você tomará consciência dos riscos do pecado? Diante do som do “alerta” ou do barulho da “destruição”?

Pr. Thomas Tronco

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Quem Tem Direito de Estar com Deus?

Há muito tempo não existem bons programas humorísticos na televisão como havia em meus tempos de criança. Hoje, os programas são apelativos e imorais, além de deixarem o humor completamente de fora. Para sanar esse vácuo, gosto de assistir àqueles concursos musicais em sua fase inicial. Diferente das fases seguintes, qualquer pessoa pode participar, tendo ela muita, pouca ou absolutamente nenhuma noção de música. Nesse aspecto, o programa passa a ser muito engraçado devido a apresentações emblemáticas de participantes que nunca serão cantores na vida.

O interessante é que muita gente vai lá, munida de extremo bom humor, somente para fazer apresentações estranhas e rir depois com os amigos. É aquela história dos “quinze minutos de fama”. Contudo, o que me deixa espantado são as reações de alguns candidatos que, após apresentações “horríveis”, ficam surpresos ao serem rejeitados pelos jurados. Alguns reclamam, choram, dizem não saber o motivo da reprovação e atacam os jurados como se fossem pessoas injustas ou como se desconhecessem a boa música. Nisso, o que me choca é o fato de tais candidatos realmente se acharem no direito de serem aprovados, apesar da total ausência de senso e de talento musical.

Infelizmente, esse não é o único campo em que falta noção aos homens. Muita gente, longe dos palcos musicais, se acha no direito de ter acesso a Deus sem antes ser tratada pela sua graça e pela sua Palavra. Quase todos já ouviram pessoas defendendo seu direito ao céu por serem pessoas boas – as obras são as bases desse tipo de defesa e não a graça de Deus. Para esses, o fato de nunca terem matado ou roubado ninguém lhes dá livre acesso à presença de Deus. Outros defendem o mesmo direito com base na suposta disposição de Deus de dar um “jeitinho” para que ninguém seja rejeitado. Alguns até dizem que “Deus é brasileiro”.

Nenhuma afirmação está mais distante da verdade. O Salmo 24, escrito por Davi, oferece alguns parâmetros para reconhecer aqueles que terão acesso a Deus enquanto outros serão rejeitados. Uma pergunta chave levantada pelo salmo é (v.3): “Quem subirá ao monte do Senhor e quem permanecerá no seu lugar santo?” (mî-ya‘aleh behar-yehwâ ûmî-yaqûm bimqôm qadshô). A pergunta vislumbra a cidade de Jerusalém – onde está o Monte Sião – (“monte do Senhor”) e o tabernáculo construído por Davi (“seu lugar santo”) ao trazer de volta a arca do seu exílio, primeiro entre os filisteus e, depois, em Quiriate-Jearim (2Sm 6 cf. 1Sm 6.21). Entretanto, é bem provável que o salmista tivesse em mente menos a geografia que o contato do adorador com seu Senhor. Desse modo, a pergunta não é sobre quem pode chegar a Jerusalém, mas sobre quem pode permanecer na presença de Deus. Segundo se depreende do salmo, aqueles que se relacionam com Deus e estarão para sempre com ele têm pelo menos três características inegociáveis.

A primeira é que são conscientes da supremacia divina (vv.1,2). O salmista inicia seu cântico dizendo (v.1): “Do Senhor é a terra e tudo o que existe nela” (layhwâ ha’arets ûmelô’ah). O Senhor, como Criador do universo, é também o proprietário da criação. Isso lhe confere um posto singular, não apenas como Deus no sentido religioso, mas também como o Senhor de tudo que envolve o dia a dia da criação, pois tudo é dele. Antes que alguém pense que isso tem a ver apenas com a natureza e não com a humanidade, Davi completa: “O mundo e seus habitantes” (tebel weyoshe). Assim, não há quem não esteja sob o domínio e a soberania do Senhor, de modo que possa, Deus, dispor de tudo e de todos como bem lhe parecer (Rm 9.20,21, Ef 1.5). O verdadeiro adorador do Senhor sabe dessa supremacia sobre tudo e se submete, não compulsoriamente, mas de coração como fazem os servos. Ele se deixa guiar por aquele que, por direito, o possui. Trata-se de alguém que é, em tudo, influenciado por Deus e que lhe tem como Senhor, de fato, nos mínimos detalhes da sua vida.

A segunda é serem santificados pelo Senhor (vv.3-6). A santificação – separação gradual e progressiva dos pecados e da mentalidade mundana – é um fator presente na vida dos que permanecerão diante do Senhor (Hb 12.14). Apesar de a Bíblia demonstrar que as obras não podem salvar o homem (Rm 3.20; Ef 2.9) e que a purificação do crente vem mediante a atuação de Deus (Jo 17.17), o salmista olha para a demonstração externa da santificação como uma evidência da efetiva preparação para levar o servo ao seu Senhor. Diz ele (v.4), respondendo à pergunta do v.3: “O de mãos puras e de coração limpo” (̃neqî caffayim ûbar-levav). Isso significa que a santificação daqueles que são alvo dessa graça divina muda suas ações – “mãos puras” – e, também, suas intenções – “coração limpo”. Além disso, o que Deus inicia na justificação completará na glorificação (Rm 8.30), pois, conforme declara o salmista (v.5), “esse levará consigo a bênção do Senhor e a justiça do Deus da sua salvação” (yissa’ berakâ me’et yehwâ ûtsedaqâ me’elohê yishô‘). Portanto, o que Deus iniciou nesta vida será também realidade no futuro dos servos santificados pelo seu Senhor.

A terceira característica é que eles são súditos do Rei da glória (vv.7-10). O v.7 anuncia, de um modo peculiar que transmite a ideia de um acontecimento glorioso, a vinda de quem ele chama de “o Rei da glória” (melek hakkavôd). Trata-se de uma menção ao Messias que vem para reinar; aquele que, segundo o v.8, é “o Senhor valoroso e poderoso; o Senhor poderoso de guerra” (yehwâ ‘izzûz wegibôr yehwâ gibôr milhamâ). O Deus dos exércitos (Sl 59.5) é aquele que irá reinar, a quem Davi aguarda. O salmista e todos aqueles que são servos desse supremo Senhor agem, portanto, como seus súditos. Isso significa honrá-lo como governante máximo, respeitando e reverenciando seu nome, e, também, dando a ele o melhor de tudo. Não dá para ser súdito desse rei honrando-o apenas com o que sobra. Ele tem prioridade na vida dos seus vassalos. O melhor do seu tempo, da sua força, dos seus esforços e do seu amor deve ser empregado a serviço do Rei dos reis.

Tais são as características daqueles que, respondendo à pergunta do v.3, “subirão ao monte do Senhor e permanecerão no seu lugar santo”. A presença de Deus não está aberta a qualquer um que queira, mas àqueles que sabem quem Deus é – e creem nele assim como se revelou –, que são santificados pela fé nele e que são súditos fiéis do maravilhoso Rei. Por isso, decreta o escritor do salmo (v.6): “Este é o que o busca, aquele que procura a presença do Deus de Jacó” (zeh dôr dôreshô mebaqshê paneyka [’elohê] ya‘aqov).

O Salmo 24 é muito bom para avaliarmos o tipo de relacionamento que temos com Deus e, principalmente, se estamos entre aqueles que comparecerão e permanecerão na presença de Deus com todos os benefícios de se estar lá. Aqueles que podem responder positivamente ao questionamento do salmista devem, cada vez mais, aprimorar as características descritas no salmo. Contudo, aqueles de cuja resposta se tem um “não”, devem, imediatamente, se submeter pela fé ao “Rei da glória” pedindo perdão por seus pecados e entregando a ele suas vidas. Caso contrário, serão como aqueles “cantores de chuveiro” que, achando que merecem ser ídolos, reclamarão pelo resto da sua existência que foram injustiçados por alguém que não entende de música.

Pr. Thomas Tronco

domingo, 9 de janeiro de 2011

A Teologia da Pipoca

Os antigos índios norte-americanos não iam o cinema, mas já comiam pipoca. As evidências mais antigas dessa espécie de milho são datadas de 3600 a.C. e foram encontradas no Novo México (Estados Unidos). Os colonizadores ingleses, ao chegarem à América nos séculos 16 e 17, aprenderam com os índios como fazer o popcorn (pipoca). Depois disso, só faltava inventar alguma coisa para acompanhar a pipoca: o cinema.

Desconheço crianças que não se entusiasmem com o fenômeno do estouro da pipoca. Elas, geralmente, ficam empolgadas com o fato de aqueles pequenos grãos duros explodirem se tornando flocos brancos e macios. Desde criança, sempre apreciei mais o fenômeno do estouro da pipoca do que comê-la. Minha frustração era que eu não conseguia enxergar o processo todo, pois as panelas e respectivas tampas da minha mãe eram de alumínio e, portanto, impediam a visibilidade do processo.

Um dia, porém, utilizando as mini-panelas de brinquedo de minha irmã, sequestrei os utensílios de cozinha necessários para o fenômeno e repliquei todo o “experimento” culinário com uns cinco grãos, um pouco de óleo, a mini-panela, uma vela e dois pedaços de tijolo. Todavia, o que eu fiz questão de esquecer foi a tampa! Protegi os meus olhos com óculos de brinquedo e, assim, esperava descobrir quão longe uma pipoca conseguiria chegar no seu vôo explosivo. Consegui replicar o experimento mais uma vez apenas, para um vizinho, até que minha mãe “interditasse” o meu “laboratório pipoqueiro” de uma vez por todas.

Apesar disso, meu paladar pelas pipocas nunca foi despertado, ainda que houvesse inúmeros condimentos que se pode colocar sobre elas. Nem mesmo a famosa manteiga líquida despejada nos cinemas conseguiu me cativar. Pelo contrário, enojei-me até dos assentos do cinema, pois ficava imaginando as pessoas colocando a pipoca na boca e depois limpando a mão engordurada neles. Multiplicando-se o número de pipocas por pacote pelo número de sessões em uma sala de projeção durante um mês, o resultado será uma boa compra de detergente!

Mas o interesse pela “pipocalogia” permaneceu. Hoje, com mais respostas em relação àquilo que tanto me impressionava, continuo interessado na produção desse alimento.

Para tornar-se uma pipoca a semente do milho precisa ser aquecida. Nem todas as sementes de outros vegetais estouram, mas a semente do milho tem essa propriedade, pois o angiosperma (material que servirá de nutrição para o embrião do milho) é envolto por uma rígida camada. Assim, quando submetido ao aquecimento, o pouco de água existente no angiosperma se torna vapor d´água ao mesmo tempo em que o restante do material fica mais “líquido”, mais “derretido”. Quando a temperatura no interior da semente chega a 180ºC, a pressão atinge aproximadamente 135 psi (libras por polegada quadrada), quase a pressão atingida pelas locomotivas a vapor que movimentaram, por décadas, toda a economia da Inglaterra. Isso é o suficiente para que sua casca seja rompida e ejete o endosperma derretido. Esse material sofrerá resfriamento imediato levando à polimerização de proteínas e à aparência de floco branco. 



Ao explodirem, as pipocas podem adotar duas conformações: “cogumelo” ou “borboleta”. As espigas de milho contêm as sementes que gerarão as duas formas, mas, hoje, já existem espigas híbridas que geram pipocas apenas do tipo escolhido. A forma “borboleta” é a mais comercial, pois provoca uma boa sensação na boca. É mais macia e não se sente tanto a casca ao mordê-la. A forma “cogumelo” é mais dura e comumente utilizada para confeitaria como pipocas caramelizadas.


É interessante notar que não há nada na semente que a faça explodir em pipoca espontaneamente. É necessária uma atuação externa: a alta temperatura. Se alguém não expuser o milho à alta temperatura, as sementes continuarão assim como são: duras e amareladas.

A salvação da alma pode ser comparada ao estouro da pipoca. Não há nada em nós, “duros e amarelados”, que faça com que estouremos em uma “nova criatura macia e branca”. Houve, um dia, uma atuação externa. O “calor” da pregação do evangelho fez “borbulhar” nosso coração fazendo-o estourar a “casca do pecado e rebeldia” contra Deus. O “calor” da pregação do evangelho genuíno “esquenta” sobremaneira o coração e é impossível conter o “estouro” da conversão.

Por outro lado, recordo-me dos “piruás”. Sementes de milho que foram colocados no intenso calor, mas não se tornaram pipocas. Simplesmente, não estouraram como as outras. Pelo contrário, o intenso calor fez com que se tornassem mais duras e secas. Não são raras as fraturas dentárias e danos a aparelhos ortodônticos naqueles que se atrevem a mordê-las.

Comparativamente, também existem os “piruás espirituais”. São pessoas que foram expostas ao “calor” da Palavra de Deus, mas, ao invés de irromperem-se numa nova forma “macia, branca e nutritiva”, tornaram-se mais “duros e secos”.

Na “espiga da humanidade”, surgiram e surgirão várias “sementes” desde Adão. Todavia, até que elas sejam colocadas sob o forte “calor” do evangelho, essas “sementes” são idênticas. O forte calor faz com que as sementes, ao estourarem, adotem formas diferentes! Agora, macias e nutritivas, revelam uma aparência diferente de quando comparadas. Como sabemos, existem dois tipos de pipoca (“cogumelo” e “borboleta”), mas, mesmo entre as de mesmo tipo, não há duas que sejam idênticas. Da mesma forma, existem dois tipos de cristãos, os “quentes” e os “frios”. E entre os cristãos frios não há dois iguais. Igualmente, entre os cristãos quentes não há dois iguais.

O estouro da conversão faz com que sejamos cada vez mais parecidos com Cristo, mas, surpreendentemente, respeitando as nossas diferenças, nossas características humanas. Aliás, é justamente o “estouro” da conversão que evidencia quão únicos nós somos e quão formosos. Até que isso tivesse acontecido, éramos mais um “grão enterrado nas sacas do mundo”.

Também é notável como uma semente que se tornou pipoca não é tão chamativa como quando ela está acompanhada de outras pipocas num mesmo saco. A aparência vistosa apenas existe quando as pipocas estão todas juntinhas. Suas diferenças no formato, ao invés de as manterem desunidas, fazem com que elas se engarranchem umas às outras. Quando a mão do consumidor vai ao pote, ele sempre traz vários flocos à boca.

Semelhantemente, assim são os cristãos na formação da Igreja. Nossa beleza não está em nossa singularidade, mesmo sabendo que a temos. Nossa real beleza está no “pacote” todo, ou seja, na Igreja de Jesus, o dono de todo o “pacote”. Todos nós, diferentes como somos, “enchemos a boca” de Jesus Cristo com a sensação de satisfação única.

Todos nós somos “sementes”, mas nem todos virarão “pipocas espirituais”. A mesma “espiga de Adão” continua gerando “sementes” que virarão “pipocas” e “piruás” sob o “calor” da Palavra de Deus. Essa é uma decisão do Criador da “espiga” e ela é justa e perfeita em sua mente, por mais que não consigamos entendê-la.

Se você já é uma “pipoca celestial”, cabe a pergunta: você está no “pacote” juntamente com o restante das “pipocas”? Lembre-se, se você é uma “pipoca”, mas não está no “pacote”, você deve estar no “chão” e, em breve, será “pisoteada” e “varrida”.

Se você não é uma “pipoca celestial”, ao sentir o “calor” da pregação do evangelho, permita, pela fé em Cristo, que a nova criatura irrompa-se da “casca de pecado” em que vive. Você finalmente enxergará sua verdadeira personalidade, sua verdadeira beleza, pois será dada pelo Espírito Santo.

Agora, se você já escutou a Palavra de Deus, foi “aquecido” intensamente por ela, mas uma nova criatura não se irrompeu, provavelmente você se tornou um “piruá espiritual”. E, assim como nas bacias de pipoca, sabemos qual é o destino dos “piruás”...

Leandro Boer

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

O Pastor e Suas Ovelhas

Lembro-me, em meio a risos, de certa vez que fui a uma pizzaria de uma cidade pequena. Olhei o cardápio enquanto a atendente me observava. Decidi, finalmente, e pedi uma pizza portuguesa. A atendente me respondeu que seria impossível atender ao meu pedido porque eles não tinham ovo. Então, pedi sem ovo. Mas, segundo ela, também não tinham presunto. Corri, novamente, os olhos pelo cardápio e escolhi uma pizza de calabresa, a qual, a ouvi dizer, estava em falta. Sem olhar o cardápio, daí para frente, fui pedindo outros sabores: pedi frango com Catupiry – não tinha frango –, champignon – também não – e muzarela – só tinham queijo prato.

Numa iniciativa pra lá de prática, perguntei, então, que tipo de pizza eles poderiam fazer, disposto a pedir qualquer uma cujo pedido pudesse ser atendido. A surpreendente resposta foi: “Nenhuma! Hoje não temos massa”. Fiquei olhando para a moça, calado, sem saber como reagir a essa informação. As perguntas que corriam por minha mente eram, em primeiro lugar, “por que ela não me disse isso logo no início, em vez de me deixar pedir sabor após sabor?”; e: “Como pode uma pizzaria que está aberta não ter nenhum ingrediente para fazer pizzas?”. Bem, não comi pizza naquela noite, mas ganhei uma história curiosa para contar.

Em contraposição a essa incabível falta de ingredientes, o rei Davi falou sobre uma fonte onde nada falta. O Salmo 23 é uma declaração da confiança irrestrita do salmista no Deus eterno a quem nada pode limitar. Trata-se de um Senhor que nunca age com infidelidade ou indiferença para com os que lhe pertencem.

Se o salmo inteiro não é conhecido de todos, o trecho “o Senhor é meu pastor e nada me faltará” é um dos versículos mais conhecidos do Antigo Testamento e de toda a Bíblia. Mesmo muito conhecido, o salmo nem sempre é corretamente compreendido. Para tanto, é preciso entender o seu contexto, ou seja, o momento pelo qual Davi estava passando. Se o início do salmo é um tipo de metáfora na qual Deus é descrito como um pastor e o salmista como uma ovelha, o v.5 deixa escapar um pedacinho da realidade do escritor: “Tu preparas uma mesa diante da minha face à vista dos meus inimigos; unges com perfume a minha cabeça; minha taça está cheia” (ta‘arok lefanay shulhan neged tsoreray disshanta basshemen ro’shî kôsî rewayâ). Dois fatores nos são acessíveis diante desses dizeres. Em primeiro lugar, Davi sofria com a perseguição dos inimigos e com os riscos advindos dela. Depois, ele confiava plenamente no fato de que o Senhor o livraria dos inimigos e tornaria pública sua atuação favorável ao servo. Deus, a seu tempo, também o honraria como rei diante do povo com todos os privilégios que acompanham o cargo.

Compreendendo o contexto, é possível, então, perceber a confiança de Davi por meio da comparação do cuidado de Deus em relação ao seu povo com o cuidado de um pastor em relação às suas ovelhas. Nesse sentido, cinco ações de um pastor representam as próprias bondade e proteção divinas que Davi esperava receber, motivo pelo qual declara (v.1): “O Senhor é meu pastor, não terei necessidades” (yehwâ ro‘î lo’ ’ehsar).

A primeira ação é alimentar as ovelhas. Falando de Deus como pastor (v.2), diz o salmista que “ele me faz deitar em pastagens de erva verde” (bin’ôt deshe’ yarbîtsenî). Essa é uma figura muito representativa do trato de ovelhas. Elas se alimentando de ervas nutritivas e gostosas, fáceis de serem arrancadas e deglutidas. Podemos até brincar dizendo que é o sonho de toda ovelha. Representa muito bem o alimento dado por Deus aos crentes por meio da sua Palavra (Hb 5.12-14), a qual nos fortalece para a jornada cristã e nos dá o prazer de conhecer melhor nosso redentor e sua vontade para seu povo.

A segunda ação é conduzir com segurança. Ainda no v.2, Davi escreve: “Ele me leva a fontes tranquilas” (‘al-mê menûhot yenahalenî). Considerando que algumas regiões de Israel são montanhosas, onde há rios cujas águas correm mais rápido que as águas de rios de planície, uma das responsabilidades do bom pastor era levar suas ovelhas aonde as águas não fossem do tipo “corredeiras”. Essa necessidade vem do fato de as ovelhas terem uma pelagem densa e farta que, quando molhada, aumenta o seu peso até ao ponto em que ela não possa se sustentar na correnteza e afunde para a morte. Assim, essa tarefa pastoril é relativa ao cuidado do Senhor com suas ovelhas ao lhes alertar sobre o pecado e suas consequências (Tg 1.15) a fim de que fujam daquilo que certamente lhes causará mal.

A terceira é produzir descanso. O v.3, em uma das duas possíveis traduções, diz: “Ele devolve as forças à minha alma” (nafshî yeshôvev). Uma segunda tradução possível, cujo sentido é também verdadeiro, é: “Ele reconduz minha alma” – no sentido de produzir arrependimento no pecador. Essa tradução se encaixaria na figura do pastor buscando a ovelha desgarrada, mas, dada a sequência natural do texto, o sentido mais provável parece recair sobre o descanso, ou o refrigério. De qualquer modo, as duas possibilidades são verdadeiras. Deus tanto dá descanso ao filho cansado, sobrecarregado e oprimido (Mt 11.28), como corrige o filho que se desviou (Hb 12.5-11).

A quarta é guiar por caminhos corretos. Ainda no v.3, o salmista declara: “Ele me guia no trilho da justiça por causa do seu nome” (yanhenî bema‘gelê-tsedeq lema‘an she). Fica claro que o sentido figurado do pastor e das ovelhas começa a perder um pouco seu enfoque para dar lugar às ações, de fato, de Deus para com seus filhos. Os servos de Deus, como suas ovelhas, têm, diante de si, um caminho moralmente justo e compatível com o santo nome de Deus. Sua preocupação, diferente da das ovelhas, não é apenas ir para onde haja comida e água, mas fazer o que é moralmente correto. E nesse sentido, Deus, o bom pastor dos que creem, não apenas aponta o caminho da justiça, mas guia o seu rebanho para lá (Mt 2.6). 

A quinta ação é dar verdadeiro consolo. Diz o v.4, texto também muito conhecido e citado: “Até mesmo quando eu andar no vale da escuridão, não temerei mal algum, pois tu estás junto a mim” (gam kî-’elek begê’ tsalmawet lo’-’îra’ ra‘ kî-’attâ ‘immadî). Essa é uma declaração muito encorajadora. Entretanto, podemos nos perguntar o porquê de ele não ter medo. Será que a presença de Deus o livraria de todo mal? Bem, essa esperança, por parte do salmista, está presente no Salmo 23, mas não no v.4. Nesse caso, o motivo dado pelo escritor para sua ausência de temor é baseada em mais algumas figuras pastoris: “O teu bordão e o teu cajado, ambos, me consolam” (shivteka ûmish‘anteka hemmâ yenahamunî). Deus, em lugar de livrar total e imediatamente, trabalha com seus servos “tranqüilizando-os”, enquanto os guia e protege. É uma ação maravilhosa e surpreendente que não se aplica na situação, mas acima dela (Jo 14.27; 16.33). Não é de surpreender que Davi termine o salmo dizendo: “Bondade e misericórdia me seguirão todos os dias da minha vida” (’k tov wahesed yirdefûnî kol-yemê hayyay).

Se o Senhor era o pastor de Davi, é também o pastor de todos aqueles que creem em Jesus. Nosso salvador disse certa vez: “Eu sou o bom pastor” (Jo 10.11). Como tal, disse que deu sua vida pelas ovelhas. É um pastor verdadeiro que ama como ninguém as suas ovelhas. Foi esse pastor que nos redimiu e nos libertou do pecado por sua morte. A partir de então, ele promove todo bem, proteção e direção que precisamos. Ele não se esquece de nada, nem fica ocupado demais para cuidar de nós. Assim, podemos repetir, com toda certeza, a famosa frase que até criancinhas sabem de cor: “O Senhor é meu pastor e nada me faltará”.

Pr. Thomas Tronco

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Propaganda Terrorista

Recentemente, recebi, por e-mail, o link de um vídeo sobre bactérias presentes na boca, parte de uma campanha publicitária de um enxaguante bucal muito conhecido. Como, além de pastor, sou também cirurgião-dentista, pude avaliar com olhos diferentes aquilo que as pessoas veem diariamente a título de “informação científica”.

Tratava-se de um vídeo “assustador” sobre a ação bacteriana no meio bucal. O vídeo, que, corretamente observado por alguém, continha uma trilha sonora “fantasmagórica”, fazia a placa bacteriana e a gengivite se parecerem com um câncer ou com alguma outra doença mortal. Apesar de dizerem que as bactérias “poderiam” agir de certo modo, ou que era “possível” que um dano tal ocorresse, o vídeo foi feito de um modo eficaz no intento de aterrorizar os consumidores e fazê-los pensar que, caso não comprem o tal enxaguante, a saúde e até a vida deles correm um grande risco. E o pior de tudo isso é que essas propagandas funcionam. As pessoas correm para os mercados e compram montes desses produtos.

Em nenhum momento a propaganda disse que as bactérias bucais, assim como a flora intestinal, fazem parte da nossa saúde e que precisamos delas. Também não contaram o produto, se utilizado indiscriminadamente por um longo período, pode reduzir o número de bactérias até um nível em que oportunistas, como fungos, se instalem e causem problemas como uma candidíase oral.

Esse tipo de “propaganda terrorista” não é exclusividade do mercado odontológico. No meio eclesiástico também há propagandas assustadoras sobre o hábito de estudar e obedecer as Escrituras. Ataques ao povo de Deus têm acontecido por meio de um estereótipo de igreja que, apesar de não se parecer com o corpo de Cristo descrito na Bíblia, tem um apelo muito grande em termos de modernidade e “mente aberta”.

Cria-se um terrorismo sobre valores que deviam ser caros para a cristandade. Faz-se parecer que estudar a Palavra de Deus é investir em algo antigo e irrelevante. Obedecer a Palavra de Deus, então, faz parecer algo muito pior. Seria viver um modelo legalista que tolhe toda a liberdade, criatividade, espontaneidade e alegria das pessoas. Para reforçar essa imagem terrível, aqueles que defendem a obediência a Deus são comparados a homens bomba, normalmente identificados como “fundamentalistas islâmicos”.

Existem muitas outras propagandas que servem para amedrontar os crentes. Se exerce a disciplina bíblica (Mt 18.15-20; 1Co 5), dizem que tal igreja não tem amor. Se cobra dos jovens um procedimento santo (1Co 6.12-20), é porque ignora a graça de Deus. Se defende a pureza do casamento entre homem e mulher (Gn 2.24; Ef 5.21 cf. Rm 1.26,27), é porque é homofóbica e preconceituosa. Se promove culto ordeiro e centrado na pregação da Palavra (1Co 14.40; 2Tm 4.1,2), é porque é uma igreja fria e não tem o Espírito Santo. Se busca o sentido correto das palavras dos apóstolos e profetas (2Pe 3.16), está “engessando o Espírito”. Se defende a verdade e não aceita corrompê-la (1Tm 3.15), é porque ama mais a religião do que a Cristo. E, se tomam decisões ouvindo os conselhos e a sabedoria contida nas Escrituras (Rm 15.4; 2Tm 3.16,17), é porque são pessoas simples e não conhecem os recursos modernos de administração e marketing, nem as novas tendências.

Irmãos, tudo isso é mentira! A propaganda de origem diabólica que visa a destruir os fundamentos da Igreja (Ef 2.20) e a fonte de alimento espiritual dos crentes (Hb 5.12-14), apesar de sua capa de pretensa sabedoria e atualidade, é, na verdade, um veneno que se está injetando no corpo de Cristo. E o pior é que tem atingido, de fato, muitos crentes que acabam se desviando do que é correto por acharem que estão fora de moda ou na contramão da igreja do século 21.

O que a Igreja de Cristo pode e deve fazer para se proteger dessas propagandas mentirosas e terroristas? É simples: precisamos conhecer mais a vontade de Deus revelada. Assim como eu, dentista que sou, pude notar as mentiras contidas na propaganda do enxaguante bucal, os crentes, munidos do conhecimento compartilhado por Deus, devem estar atentos a todos os tipos de cilada de Satanás, principalmente aqueles mascarados de sabedoria. E quando o diabo nos oferecer um caminho alternativo, como um “enxaguante da alma”, que nos sentemos todos na cadeira daquele Doutor que quer tratar todos os problemas da nossa boca – e do nosso coração.

Pr. Thomas Tronco