Na minha adolescência, meu esporte favorito era o voleibol. Durante oito anos me dediquei ao máximo a fim de defender minha cidade nas quadras da região. Ainda tenho em casa algumas medalhas que, para mim, foram muito significativas e que, por isso, guardo-as com muito carinho. Guardo também as recordações de vitórias e derrotas que me ensinaram e me prepararam para as lutas da vida, onde também venço e perco constantemente.
Olhando para trás, lembro-me de quão dedicado eu era e quão decidido no meio dos jogos. Nos momentos mais complicados, eu me enchia de coragem e de um brio de guerreiro e pedia – às vezes “ordenava” – que passassem a bola para mim para eu decidir o ponto. Em uma dessas ocasiões, meu time jogava uma partida amistosa de cinco sets corridos contra o campeão paulista daquele ano. Já tínhamos perdido três sets por placares ridículos. Estávamos “tomando uma surra”. No quarto set, quando faltava apenas um ponto para perdermos, fui para o saque e comecei a forçá-lo até ao limite. Era arriscado, mas eu não queria perder todos os sets da partida. O risco era grande, mas minha confiança vinha de saber o quanto eu treinava aquele saque e como ele me ajudou em outras ocasiões importantes. Vencemos aquele set e, ao perder o próximo, já não me senti derrotado, mas como quem conseguiu algo impossível.
Davi também foi confiante em algumas ocasiões muito complicadas. O Salmo 26 não apenas demonstra a confiança do seu escritor, mas os motivos pelo qual ele confiava que podia recorrer a Deus quando homens injustos queriam fazer-lhe mal. Não que imaginasse que ele mesmo fosse perfeito ou que nunca cometesse erros. Davi conhecia bem suas fraquezas (Sl 51). Mas também conhecia seu amor pelo Senhor e seu esforço por obedecê-lo e viver de modo agradável a Deus. Baseado no seu modo de proceder, o salmista tem a confiança de pedir a Deus que compare sua vida com a de seus inimigos e, assim, lhe faça justiça. Enquanto vemos por aí homens corruptos e culpados nunca denunciarem crimes de outros para não serem, também, acusados, Davi apresenta a Deus sua vida para ser analisada. É possível, a partir de então, notar como deve andar um homem de procedimento justo. Por isso, assim começa o salmo (v.1): “Faze-me justiça, Senhor, pois eu procedi honradamente” (shoftenî yehwâ kî-’anî betummî halaktî). A confiança de Davi na obediência que tem a Deus lhe possibilita oferecer seu “coração” e seus “pensamentos” para ser escrutinado pelo Senhor (v.2).
Sabendo que Deus bem conhece seu interior, Davi passa a apresentar a manifestação externa do seu íntimo, atos de um homem justo. Em primeiro lugar, Davi afirma ser um homem munido de lealdade. A palavra hebraica hesed tem muitas traduções que vão de misericórdia e benignidade até amor e fidelidade. Normalmente, o contexto oferece indícios do que o escritor tinha em mente quando utilizou a palavra. Nesse caso, Davi a associa à “verdade” (’emet). Desse modo, uma tradução coerente do v.3 é: “Pois a tua fidelidade está diante dos meus olhos e procedi na tua verdade” (kî-hesedka leneged ‘eynay wehithallaktî ba’amiteka). Dizer “tua fidelidade está diante dos meus olhos” significa que Davi tem em mente o tempo todo o caráter leal de Deus e, assim, o imita. Ele não é alguém em quem não se pode confiar. Não é uma pessoa de duas palavras. O que ele diz é verdade. O que ele promete, também cumpre.
Davi apresenta mais uma qualidade justa do seu procedimento: a integridade. Segundo o que ele conta, não se deixou corromper pelas más companhias, nem pelos seus hábitos vergonhosos (v.4): “Não me assento com homens mentirosos, nem me acerco daqueles que agem às ocultas” (lo’-yashavtî ‘im-metey-shawe’ we‘im-na‘alamîm lo’ ’abô’). Nenhum homem de princípios questionáveis faz parte do grupo dos amigos de Davi. Ainda que sejam homens divertidos e poderosos, sua amizade não é mais importante para o rei que a comunhão que tem com Deus. Quando uma companhia exclui a outra e o salmista tem de escolher, ele não tem dúvidas em rejeitar os homens mundanos e permanecer na presença de Deus. E isso não se deve apenas à lógica de que não é possível andar com Deus e com os pecadores ao mesmo tempo. A própria integridade de Davi rejeita os hábitos e gostos dos ímpios. Ele não tem qualquer prazer na sua presença. Seus hábitos pecaminosos o incomodam, pelo que afirma (v.5): “Eu detesto a reunião dos perversos e não permaneço com os iníquos” (sane’tî qehal mere‘îm we‘im-resha‘îm lo’ ’eshev).
A próxima característica de Davi a seu favor, diante do escrutínio divino, é a pureza. Ele usa uma figura de linguagem que quer dizer que tem “mãos limpas” (v.6): “Eu lavo minhas mãos na inocência” (’erhats beniqqayôn kapay). Podemos pensar em diversas aplicações para a expressão “mãos limpas”. Entretanto, o próprio escritor descreve o motivo e o resultado dessa realidade: “Portanto, que eu me acerque do teu altar, ó Senhor” (wa’asoveba’ ’et-mitsbahaka yehwâ). O altar de Deus representa, aqui, sua própria presença. Os sacerdotes, a fim de oficiar os sacrifícios no altar de Deus, tinham de se purificar por meio da lavagem das mãos e pés na água que havia em uma bacia de bronze (Ex 30.18-21). Só então podiam se aproximar do altar. Davi se utiliza dessa figura para afirmar que também havia se purificado, certamente não com água, mas por meio do arrependimento que produz perdão, bem diferente daqueles orgulhosos que já se acham justos sem terem de recorrer a Deus (Pv 30.12,13). Por meio da purificação que vem da confissão de pecados a Deus (1Jo 1.9), Davi se sente preparado para se acercar de Deus e do seu santo culto.
A última característica justa que confere confiança a Davi de que será beneficiado pela justiça divina é a devoção. Solenemente, Davi proclama (v.8): “Eu amo o Senhor, a habitação da tua casa e o local onde habita a tua glória” (yehwâ ’ahavtî me‘ôn betêka ûmeqôm mishkan kebodeka). O amor de Davi aponta para Deus e para o culto ao seu nome. Ele mostra que não é possível amar a Deus sem desejar prestar-lhe todas as homenagens que merece no local e do modo determinado pelo próprio Deus para esse fim. Se Davi vivesse hoje, certamente não seria daqueles que dizem amar a Deus em suas casas, longe da adoração prestada a Deus pelo seu povo, todos reunidos.
Em posse desses procedimentos justos, Davi clama pela justiça de Deus. Ele se coloca sob sua avaliação e pede que ele o livre dos homens maus que não procedem assim. Ele tem confiança de orar a Deus; tem confiança de apresentar a ele a sua vida; tem confiança de pedir-lhe socorro. Por outro lado, quem age com malícia, com desregramento, com irreverência, com rancor e com desdém em relação a Deus e ao seu culto, vive sempre se escondendo: tem medo de orar a Deus e não ser atendido, de pedir justiça e ser ele mesmo disciplinado, de rogar por auxílio e ter de fazer mudanças profundas no seu modo de viver. Qual desses dois é você? Aquele que no jogo da vida cristã pede a bola para que possa definir o resultado ou aquele que se esconde com medo de falhar?
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