Conheço um rapaz com quem sair para jantar é, às vezes, divertido e, outras vezes, enervante. Isso se deve ao modo como ele faz seus pedidos ao garçom. Enquanto todos à mesa, depois de examinarem o cardápio, fazem seu pedido da maneira mais simples possível, essa pessoa a que me refiro pede, não somente pratos, mas detalhes que nenhum chef jamais imaginou.
Os outros pedem um “filé ao ponto”. Porém, o pedido do meu amigo é mais ou menos assim: “Quero um “filé ao ponto... desde que não haja diferença entre a quantidade de fritura entre os lados da carne... A cebola, em vez de frita com azeite, quero-a frita na manteiga... manteiga sem sal... sirva-a separada e não sobre a carne... A salada não deve tocar o filé e o molho deve vir à parte... por falar em salada, quero que ela seja rasgada com as mãos e não cortada com faca... assim está bom, gosto de uma comida simples”.
Esse é o gosto do meu amigo, mas – “cá para nós” – são exigências dispensáveis em um bom e gostoso pedaço de carne bem macia e temperada, frita com a experiência de um bom cozinheiro.
Bem, longe de fazer pedidos irrelevantes, o rei Davi, no Salmo 25, pediu a Deus bênçãos da maior importância para a vida dos seus servos. Pedidos que devem ser repetidos por tantos quantos andam ao lado daquele que, pela graça, os salvou.
Tais pedidos podem ser identificados, no salmo, pela forma dos verbos que o salmista utilizou. A forma imperativa do verbo serve para aplicar uma ordem que pode ser dirigida a uma pessoa, a um grupo e até a si mesmo. Quando a ordem é para outra pessoa – a segunda pessoa do singular ou do plural – chamamos tal forma, na gramática hebraica, de jussivo. Ela representa uma ordem a outrem, ou um pedido – este é o caso do salmista quando se dirige, desse modo, a Deus. Assim, identificando os jussivos no salmo, identificamos, também, alguns dos importantes pedidos pelos quais o rei Davi costumava clamar em suas orações. Há pelo menos cinco clamores feitos pelo salmista.
O primeiro clamor é por ensino. Nos vv.4,5, o salmista é insistente, ou enfático – utiliza quatro jussivos –, em sua oração a Deus a fim de ser ensinado por ele: “Faz-me conhecer os teus caminhos, ó Senhor; ensina-me os teus trajetos; instrua-me na tua verdade e me ensina” (derakeyka yehwâ hôdî‘enî ’orehôteyka lammedenî hadrîkenî ba’amitteka welammedenî). Quando o salmista usa os termos “caminhos” e “trajetos” é óbvio que não tem em mente a geografia. Esses são modos de se referir aos ensinos de Deus sobre como seus servos devem agir. O fato de estarem no plural demonstra que se trata de várias orientações, às quais o salmista deseja atender, pelo que também ora a Deus. Por sua vez, a ocorrência do termo “verdade” na forma singular, contrastando com os plurais precedentes, demonstra que o salmista almeja andar de conformidade com o caráter de Deus que é bem definido e imutável.
O segundo clamor do salmista é por relacionamento. Os três jussivos de Davi nos vv.6,7 apontam para a memória de Deus. Contudo, o salmista tem plena consciência de que não há nada que o Senhor não saiba. Não é possível lembrar Deus de algo que lhe tenha escapado ou vê-lo esquecer qualquer coisa (Sl 139). Assim, quando Davi pede que o Senhor se lembre de algumas coisas e não se lembre de outras, sua intenção não é a memória de Deus, mas o modo de o Senhor se relacionar com ele diante das realidades da misericórdia divina e do pecado do homem. Ele escreve: “Lembra-te da tua compaixão, ó Senhor, e da tua misericórdia, pois elas existem desde a eternidade; não te lembres dos pecados da minha juventude, nem das minhas transgressões; conforme a tua misericórdia, lembra-te de mim por causa da tua bondade, ó Senhor” (zekor-rahameyka yehwâ wahasadeyka kî me‘ôlam hemmâ hatto’ôt ne‘ûray ûpesha‘ay ’al-tizkor kehasdeka zekar-lî-’attâ lema‘an tubeka yehwâ). Davi pede que Deus, valorizando seus atributos de bondade e compaixão e perdoando o seu pecado, venha a agir com ele de modo favorável e paternal. O resultado final da aplicação da misericórdia do Senhor para com o servo falho é a manutenção de um bom relacionamento com ele.
O terceiro é por consolo. Nesse ponto (vv.16,17), Davi apresenta suas aflições a Deus e pede que o alivie delas. Contudo, ao fazer suas solicitações, parece que Davi tem menos em mente os problemas em si que o modo como elas o estão afetando. Por isso, ainda que deseje ver o fim das oposições e perseguições, seu pedido a Deus é ser consolado da tristeza, solidão e desânimo. O efeito de tais sofrimentos é descrito no início do v.17: “Eles alargaram a aflição do meu coração” (tsarôt levavî hirhîvû). Assim, a primeira cláusula desse pedido de Davi é (v.16): “Volta-te para mim e me tenha piedade, pois eu estou solitário e aflito” (peheh-’elay wehonnenî kî-yahîd we‘anî ’anî). Davi expressa o que vem sentindo devido às circunstâncias. Sente-se sozinho, lutando contra todos sem ter com quem contar. Mas, ele olha para Deus, em oração, com a esperança de não se achar desprovido de tal apoio. Por isso, completa seu pedido (v.17b): “Retira-me das minhas angústias” (mimmetsûqôtay hôtsî’enî).
O quarto é por perdão. De modo muito interessante, mas nada incomum, os sofrimentos de Davi o levam a refletir sobre seus atos. É possível que perguntasse a si mesmo durante as noites: “Será isso tudo uma disciplina de Deus para me corrigir? Que tenho feito de errado para que Deus me alerte com tais tribulações?”. Tal dedução vem da conexão que Davi faz, no v.18, entre o sofrimento e seu próprio pecado. Davi não diz a Deus algo do tipo “veja o meu pecado e perdoa-o”. Ele diz: “veja o meu sofrimento e o meu cansaço e leva todos os meus pecados” (re’eh ‘onyî wa‘amalî wesa’ lecol-hatto’wtay). Ao dizer “leva meus pecados”, a ideia do salmista é ser perdoado deles, além de ser liberto de seu domínio. Ele pede um auxílio amplo de Deus no tocante às suas faltas. Seus pecados realmente o preocupam. Nenhuma turbulência serve de motivo para Davi descuidar da sua vida espiritual ou para dar desculpas do tipo: “não estou com cabeça para pensar em pecados ou para me arrepender... você não vê como estou sofrendo?”.
O último clamor de Davi nesse salmo é por socorro. Ele inicia seu pedido, assim como o anterior, dizendo “veja” (re’eh). Entretanto, seu desejo é que os olhos de Deus repousem, dessa vez, sobre seus inimigos e sobre o mal que lhe têm feito. Ele escreve (v.19): “Veja os meus inimigos, pois são numerosos e me odeiam com um ódio cruel” (re’eh-’ôyevay kî-rabû wesin’at hamas sene’ûnî). Eis o motivo da aflição de Davi: inimigos que, sem limites, o perseguem e querem sua destruição. Assim, depois de o salmista abrir seu coração a Deus dizendo-lhe o que o aflige, faz-lhe o pedido natural diante de uma situação como essa (v.20): “Guarda a minha alma e me proteja” (shomrâ nafshî wehattsîlenî). A expressão “minha alma”, nesse texto, tem a intenção de apontar para todo o salmista. Ele não quer apenas proteção espiritual, mas livramento das mãos dos que o odeiam. Assim, como Davi quer se ver livre dos maus, quer ver, também, Israel desfrutando as bênçãos de Deus longe das tribulações. Para tanto, completa (v.22): “resgata Israel, ó Deus, de todas as suas aflições” (pedeh ’elohîm ’et-yisra’el mikol tsarôtayw).
Esses são os pedidos fundamentais que faziam parte das orações de Davi: ensino, relacionamento, consolo, perdão e socorro. São clamores de um homem falho que serve a um Deus magnífico, santo e soberano. Não há ordens; não há orgulho; não há bravatas. Há apenas humildade, submissão, dependência, confiança e desejo de andar com o Senhor. Tais motivações também devem guiar as nossas orações, além das nossas atitudes e escolhas durante toda a vida. Que outras preocupações deveríamos ter? Que outros anseios? O que seria mais importante que tais coisas para a nossa vida? Acaso, seria o modo de servir o molho da nossa salada?
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