O cristão, genuíno membro da igreja de Deus, deve aprender a se comportar adequadamente diante da morte. O estilo de vida do crente verdadeiro não é mera representação teatral, que, em face dos mais profundos sofrimentos da vida, permite tirar a máscara de santidade e revelar desespero e ódio contra Deus. Ao contrário, a verdade é que no enfrentar das situações realmente difíceis, nas quais é impossível manter qualquer grau de hipocrisia ou falsa piedade, a magnitude do caráter cristão maduro desponta com brilho ainda maior.
Que situação mais difícil o homem pode enfrentar do que a morte? É ela o terrível legado que herdamos dos nossos primeiros pais, que desobedeceram ao Criador no Éden (Gn 2.15-17; 3.19; Rm 5.12). É o pagamento indesejado que recebemos por ter pecado (Rm 6.23). É o fim para o qual caminhamos a passos largos (Ec 12.1-7). Mais do que isso, é o inimigo inexorável que vem em nosso encalço para, no inevitável dia do encontro, nos deixar prostrados (Lc 12.20). Nós, coroa da criação, criados não para morrer, mas para viver eternamente!
Que é ensinado na igreja de Deus sobre o modo como o cristão deve comportar-se diante da morte? Conforme o entender dos mestres dessa igreja, qual deve ser a postura do crente quando um ente querido seu parte desta vida? Como ele pode ajudar de modo real e significativo os enlutados? E quando a morte, enfim, o vier chamar? Como deverá proceder?
As respostas dadas a todas essas perguntas devem ter como fundamento as palavras das Sagradas Escrituras. É na Bíblia que obtemos respostas claras e precisas para todas as questões relacionadas à morte, nosso cruel e último inimigo.
De modo prático, o Livro Sagrado mostra que, quando perdemos um ente querido, a tristeza e o choro diante de tão doloroso fato não são censuráveis. Davi, homem de Deus, pranteou amargamente a morte de seu filho Absalão (2Sm 18.32-33). Marta e Maria foram consumidas de tristeza pela morte de Lázaro, morte esta que levou o próprio Senhor Jesus, doador da vida, às lágrimas (Jo 11.33-35). O historiador Lucas nos conta que quando Estevão morreu apedrejado, homens piedosos o sepultaram e fizeram “grande pranto sobre ele“ (At 8.2). O mesmo Lucas narra o quanto os crentes de Jope choraram a morte de Dorcas, irmã amada por todos daquela igreja (At 9.36-39). Inúmeros são os exemplos de homens e mulheres de Deus que choraram quando viram seus queridos mortos.
O apóstolo Paulo ensina que quando o falecido é crente, o desespero por sua morte deve ser evitado. Entretanto, Paulo não ensina que é errado nos entristecermos nessas ocasiões. Diz que não devemos nos entristecer “como os demais que não têm esperança” (1Ts 4.13). Segundo ele, esse tipo de tristeza tão comum nos incrédulos só se aloja no coração de um crente quando ele esquece o fato de que os salvos ressuscitarão um dia. Para Paulo, a amarga tristeza dos incrédulos enlutados está associada à sua falta de esperança. Logo, segundo ele, os crentes não devem entristecer-se como eles uma vez que, cientes da ressurreição futura, têm real esperança.
Por isso, conforme o ensino do grande apóstolo, a postura do cristão diante da morte de outro crente querido seu deve ser de tristeza esperançosa, que é fruto da certeza da ressurreição futura dos salvos. É fato indiscutível que, de posse das verdades acerca da ressurreição dos santos (1Co 15; 1Ts 4.13-18), qualquer crente pode evitar o desespero quando a alma de um de seus queridos salvos parte para o céu. E, não bastasse essa bendita certeza, vem ainda em nosso auxílio nas horas de saudade a doce lembrança das promessas bíblicas acerca do lar celestial, presente morada das almas dos santos que partem deste mundo (Lc 16.22; 23.42,43; Fl 1.21-23; 2Tm 4.18).
É claro que esses consolos podem não nos valer na hipótese de o defunto ser incrédulo. Porém, mesmo nesses casos, não fica o crente desamparado, pois conta com a atividade sobrenatural do Consolador Divino, que lhe alivia as mais profundas dores (Jo 14.16-17; Rm 8.26-27), e pode descansar na soberania de Deus.
É fora de dúvida que uma prática que muito pode ajudar o coração enlutado é o isolamento temporário. Esse isolamento tem por propósito o dedicar-se à oração e não deve ser feito em prejuízo de nossos deveres e responsabilidades. Aprendemos isso com o próprio Mestre. Quando Jesus recebeu a notícia de que João Batista havia sido decapitado (Mt 14.1-12), procurou um lugar isolado (Mt 14.13). O grande assédio de uma multidão doente e faminta interrompeu seu retiro por algum tempo (Mt 14.13-21). Porém, depois de cumprir seu trabalho, buscou novamente o isolamento e orou só, sobre o monte (Mt 14.22,23). O evangelista Mateus diz que esse isolamento em razão do luto durou cerca de dez horas (Mt 14.25)!
Talvez os crentes entristecidos pela morte de alguém ficassem surpresos com o efeito restaurador e didático dessa prática. Infelizmente, o que vemos com frequência são cristãos enlutados derramando o coração ininterruptamente diante de amigos, psicólogos, pastores e conselheiros. É claro que isso tem seu lugar e valor, mas nada pode substituir a busca do consolo de Deus, diante de quem devemos derramar o coração todo o tempo (Sl 62.8; Mt 11.28-30; Fp 4.6,7) e em cuja Palavra sabemos poder encontrar alívio para a nossa alma (Sl 19.7; 119.50).
No episódio narrado por Mateus e analisado acima, é notável outro exemplo deixado pelo Mestre. O texto mostra que, mesmo entristecido pela morte tão cruel de João, o Senhor Jesus Cristo, ao invés de ser amparado, amparou os outros. Socorreu uma multidão necessitada, quando seu próprio coração sofria (Mt 14.14, 19-21). Nisso também os crentes devem imitar seu Salvador. Devem ser como o trigo, que esmagado, produz pão puro para alimentar os que estão ao redor.
Outra lição acerca do comportamento do crente enlutado está no livro de Jó. Todos conhecem a tocante história desse homem piedoso que perdeu bens, saúde e filhos em meio a uma tempestade de provas que o Senhor lhe enviou (Jó 42.11). Todos também conhecem aquelas que talvez sejam suas palavras mais marcantes, pronunciadas logo depois que recebeu a notícia da morte de seus filhos: “…o Senhor o deu, e o Senhor o tomou; bendito seja o nome do Senhor!”. O texto bíblico diz que Jó fez essa declaração após ter-se lançado em terra, em atitude de plena adoração a Deus (Jó 1.18-21).
Isso mostra que, quando está enlutado, o cristão deve fazer que de seus lábios flua o louvor decorrente do reconhecimento da soberania de Deus. Trata-se de um gesto chamado pelo autor da carta aos Hebreus de “sacrifício de louvor” (Hb 13.15), ou seja, um louvor associado à dor, que brota do coração de quem sofre e só se pode esperar do homem que confessa Jesus Cristo e descansa na certeza de que todas as coisas o Senhor realiza de conformidade com sua vontade soberana e sempre boa.
Por isso, quando morre um ente querido, não é correto o crente ficar perguntando inconformado: “Por quê? Por quê? Por quê?”. Na Bíblia aprendemos que é pecado discutir com Deus e questionar suas ações (Jó 38.1,2; 40.1,2; Is 45.9; Rm 9.20). Proceder desse modo é evidência de fé rasa, de má compreensão de quem é o Senhor e de disfarçada revolta contra sua vontade soberana.
(Continua)
Pr. Marcos Granconato
Em A prática da igreja de Deus, p. 90-93.
Soli Deo gloria