segunda-feira, 30 de agosto de 2010

A Palha das Flores

Com a falta de chuvas, tive de começar a regar minha grama quase todas as noites para que ela não morra. Esse novo hábito me fez prestar atenção ao meu jardim como nunca antes. Quando isso aconteceu, o mato começou a me incomodar e tive de cortá-lo com um aparador de grama. Percebi, também, a existência de formigueiros e passei a combatê-los. As folhas secas das árvores caídas por todo o terreno se tornaram cada vez mais insuportáveis de ver, a ponto de me levar a recolhê-las. No processo de juntá-las, descobri algo que me deixou pensativo.

Tenho duas árvores que, uma após a outra, dão as flores arbóreas mais bonitas que já vi, depois do ipê-amarelo e da cerejeira. Uma delas dá uma flor com um tom rosa-claro muito delicada e a outra, uma flor um pouco mais escura e vívida. As duas são lindas! Duram cerca de dez dias e depois caem. Enquanto eu varria as folhas, percebi uma palha estranha e difícil de varrer embrenhada no meio da grama. Ao reparar mais com mais atenção, reconheci as flores que eu tanto admirei duas semanas antes. O que antes era belo e inspirador, agora se apresentava em forma de uma sujeira muito difícil de remover. De certo modo, perceber isso foi chocante para mim.

Enquanto o trabalho continuava, refleti sobre como as pessoas, às vezes, são como aquelas flores. Lembrei-me de alguns irmãos que tinham vidas belas ao lado do Senhor e do seu povo e que, agora, vivem como incrédulos, sem se importar com a Igreja, com o Evangelho e com o Salvador. Percebi que, apesar da condição perpétua que possuímos por causa da fidelidade de Deus, devido à transitoriedade da nossa fidelidade, o que é comunhão em um dia, pode se tornar indiferença e rebeldia no outro.

Isso é muito triste! Mais triste ainda foi lembrar de um irmão a quem exortei pelo abandono da santidade. Diante da minha reprimenda, ele se valeu de tudo que já tinha feito no passado. Era como se o presente não importasse. Ele exibia seus feitos gloriosos como se valessem alguma coisa no sentido de amenizar o pecado do presente. Foi como ver aquelas flores que, semanas atrás, estavam lindas, mas que, agora, apodreciam e cheiravam mal.

O apóstolo Paulo não teve atitudes como essa. Ele fez o contrário. Mesmo tendo um passado glorioso do qual se orgulhar e diante da possibilidade de não sair vivo da prisão, sua atitude foi esta: “... uma coisa faço: esquecendo-me das coisas que para trás ficam e avançando para as que diante de mim estão, prossigo para o alvo, para o prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus” (Fp 3.13b-14). Para Paulo, o passado estava no passado e o que importava era o presente. Seu objetivo era viver cada dia para o Senhor.

A atualidade da vida cristã e o aspecto de urgência em se obedecer ao Senhor e nutrir comunhão com ele e com seu povo, foram objeto de minha reflexão enquanto varria toda aquela palha. Por incrível que pareça, meu corpo estava cansado ao final, mas meu espírito ardia de anseio por conhecer melhor a Deus e por servi-lo “hoje”. Afinal, quem vive apenas lembrando da aparência das flores, nem percebe quando elas viram palha.

Pr. Thomas Tronco


sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Deus Sabe quem Vai Ganhar as Eleições?

Algum tempo atrás, qualquer crente de conhecimento bíblico raso responderia a essa pergunta sem vacilar: “É claro que sabe!” Hoje, contudo, os cristãos não têm mais tanta certeza assim. É que um grupo relativamente recente de teólogos e pastores começou a dizer o seguinte: “Se Deus conhece o futuro, então o futuro está fixo e pronto e o homem não tem liberdade de escolha”. Opa! Veja o que entrou no debate: de um lado estava a presciência divina; de outro a liberdade do indivíduo. Não podendo conciliar as duas coisas pela via da razão, esses “doutores” decidiram descartar uma delas. E o que decidiram descartar? A presciência de Deus ou a liberdade do homem?

É fácil adivinhar. Numa época em que o ser humano é divinizado, num tempo em que as igrejas fazem do homem o centro de seus cultos e numa fase da história em que as pessoas recebem liberdade até para criar suas próprias verdades, não foi difícil escolher o que devia ir para o lixo. Então, jogaram fora a presciência; sacrificaram-na no altar sagrado do livre-arbítrio. Resultado: novos ensinos surgiram dizendo que Deus não conhece o futuro e que o homem é livre para construir seu destino sem nenhuma influência divina determinante dos rumos da história. É como se esse novo deus dissesse para cada indivíduo: “Filho meu que está na terra, construa o seu próprio reino, seja feita a sua vontade, assim na Terra como no céu!”

Esse império da vontade humana sobre a presciência e vários outros atributos divinos não encontra, porém, amparo nas Sagradas Escrituras. No tocante a quem deve governar um país, por exemplo, a Bíblia mostra que a decisão final acerca disso repousa no Deus verdadeiro. No livro de Daniel, pelo menos três vezes, aparece a frase “o Altíssimo domina sobre os reinos dos homens e os dá a quem quer” (Dn 4.17,25,32).

Vê-se assim que Deus conhece de antemão quem vai governar um país. E mais: ele não sabe disso porque deu uma espiadinha “no corredor da história” e viu quem chegaria ao “trono”, mas sim porque ele próprio escreveu a história e tem poder suficiente para investir de autoridade aquele que soberana, sábia e previamente decidiu que governaria. Foi por isso que Jesus disse a Pilatos: “Não terias nenhuma autoridade sobre mim, se esta não te fosse dada de cima..." (Jo 19.11).

Como conciliar isso com a liberdade humana? Como aceitar essa verdade e, ao mesmo tempo, ser responsável pelo meu voto no dia das eleições. No tocante à liberdade humana, já passou da hora de o povo evangélico entender que, acima do sonhado livre-arbítrio do homem está o real livre-arbítrio de Deus. Ele sim tem vontade livre e faz o que quer soberanamente sem que ninguém possa alterar seus planos (Is 43.13). Aliás, ele tem o direito e o poder até de mudar a vontade das pessoas para que elas cumpram seus santos desígnios (Pv 21.1). Sim, na Bíblia é a vontade humana que recua diante do querer irresistível de Deus. Decididamente, tomando emprestadas as palavras do velho Tertuliano de Cartago (m. 220), o deus desses novos filósofos não é o Deus de Abraão, Isaque e Jacó!
 

Mas, e a responsabilidade pessoal? De novo: posso ser considerado responsável pelo meu voto? Nesse ponto a Bíblia realmente nos deixa intrigados. Sua resposta é “Sim... Você é responsável!” Como? Se Deus planejou tudo de antemão e as coisas vão acontecer como ele quer, por que somos responsáveis? Lamento informar: a Bíblia afirma esse dilema, mas não o dissolve. Veja o que Jesus disse: “O Filho do homem vai, como foi determinado (aqui está a presciência e a soberania divina); mas ai daquele que o trair!” (aqui está a responsabilidade humana). Como conciliar as duas realidades? Não sabemos. Deus escondeu isso de nós. E é melhor dizer “não sei” e ser um burro aparente do que jogar fora a presciência e ser um herege de verdade.

É para esses últimos que dirijo as palavras pesadas do profeta Isaías: “Lembrem-se disto, gravem-no na mente, acolham no íntimo, ó rebeldes. Lembrem-se das coisas passadas, das coisas muito antigas! Eu sou Deus, e não há nenhum outro; eu sou Deus, e não há nenhum como eu. Desde o início faço conhecido o fim, desde tempos remotos, o que ainda virá. Digo: Meu propósito permanecerá em pé, e farei tudo o que me agrada” (Is 46.8-10).

Pr. Marcos Granconato
Soli Deo gloria

PS: Mesmo sem ser presciente, mas por meio de outros mecanismos, acho que até eu sei de antemão quem vai ganhar as eleições. Não será, porém, com o meu voto, pelo qual continuo absolutamente responsável, ainda que haja um Deus soberano no céu.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Agostinho e a Hermenêutica

No Encojovem 2010 (http://migre.me/17mrQ), o Pr. Franklin Ferreira nos falou sobre as nove regras hermenêuticas de Agostinho de Hipona.

São elas:

1. A fé é um pré-requisito fundamental para o intérprete da Palavra de Deus;

2. Deve-se considerar o sentido literal e histórico do texto;

3. O Antigo Testamento é um documento cristológico;

4. O propósito do expositor é descobrir o sentido do texto e não atribuir-lhe sentido;

5. A doutrina cristã deve controlar a interpretação das Escrituras;

6. O texto não deve ser estudado isoladamente, mas no seu contexto bíblíco geral;

7. Se o texto for obscuro, não se pode tornar matéria de fé. As passagens obscuras devem dar lugar às passagens claras;

8. O Espírito Santo não dispensa o aprendizado das línguas originais, geografia, história, ciências naturais, filosofia, etc;

9. As Escrituras não devem ser interpretadas de modo a se contradizerem. Para isso, deve-se considerar a progressividade da revelação.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

A Angústia do Cristão e o 'Salmo 4'

Ultimamente, algumas notícias têm me abalado. Não me refiro a catástrofes naturais, a crimes terríveis reportados nos jornais ou ao rumo das eleições do nosso país. Estou chocado com os rumos da igreja. Digo “igreja” de um modo genérico, pois muito do que se apresenta com tal nome nenhuma semelhança guarda com a igreja de Cristo descrita nas Escrituras. São, em vez disso, covis de malandros que, com linguagem marcada por termos extraídos da Bíblia e com promessas de fazer inveja aos políticos mais mentirosos, enganam pessoas desesperadas em busca de soluções para o seu dia a dia, sem buscarem soluções para o pecado que as separa de Deus.

Fora a tristeza de ver ladrões fazerem comércio das pessoas enquanto se dizem servos de Deus, cumprindo, assim, o que foi predito por Pedro (2Pe 2.1-3), os afazeres cotidianos que se acumulam uns sobre os outros e a falta de efeito de diversos investimentos também têm me cansado e me angustiado. Coisas de tirar o sono.

Nesses momentos, eu me lembro do Salmo 4. Nele, Davi se dirige ao Senhor chamando-o de “Deus da minha justiça” e lhe diz: “Na angústia, me tens aliviado; tem misericórdia de mim e ouve a minha oração” (v.1). Sabendo que o contexto do salmo nos leva a Davi em um momento de tristeza, preocupação e angústia, há três verdades nesse texto que sempre me alentam.

A primeira delas é que o Senhor trata os seus servos de modo especial (v.3). O texto diz que Deus “distingue para si o piedoso” (ARA) ou que ele o “escolheu” (NVI). A palavra hebraica palah, na forma em que se encontra, significa “separar” ou “tratar com preferência”. Assim, apesar de o mundo ser até mesmo inóspito para os cristãos, o Senhor nos trata da maneira característica que os pais tratam seus filhos.

A segunda é que o Senhor é o alvo da nossa confiança (vv.4-6). Nesses versículos, Davi diz que o servo de Deus não deve agir mal quando recebe o mal; antes, deve refrear seus impulsos devido ao louvor que rende ao seu Deus. Diante de uma instrução tão contrária aos impulsos humanos, ele imagina alguém se lamentando e perguntando quem, então, poderia estabelecer a justiça onde ela foi corrompida. A resposta vem na forma de uma oração em que o rei clama: “Senhor, levanta sobre nós a luz do teu rosto”. É um pedido munido de esperança na fidelidade, no poder e na capacidade de Deus de, um dia, trazer à luz a justiça que agora nos parece natimorta.

A terceira verdade é que o Senhor dá a alegria verdadeira (v.7). Davi relata, aqui, seu próprio relacionamento com Deus e sua experiência pessoal, lembrando ser ele alguém que passou por inúmeras tristezas e injustiças. Ele compara a alegria que o Senhor lhe deu à alegria dos homens quando o Senhor “lhes dá fartura de cereal e de vinho”. Uma tradução literal é: “Deste-me alegria mais do que o trigo e o vinho deles ao se multiplicar”. Em resumo, a alegria gerada pela prosperidade financeira não era superior à que Deus produzia em Davi ao se relacionar com ele.

O resultado da contemplação dessas verdades pelo salmista produzia nele o mesmo que produz em mim: paz e segurança. Isso é revelado no v.8, quando Davi diz: “Em paz me deito e logo pego no sono, porque, Senhor, só tu me fazes repousar seguro”. A insônia do rei – e a minha – são curadas ao lembrar do tratamento que recebemos do nosso Pai celestial e do relacionamento que nutrimos com ele por meio do Senhor Jesus Cristo.

Que tais verdades alentem e produzam esperança em cada um de nós, servos de Deus, e que, nas nossas horas de meditação noturna... zzzzzzzzzzzz...

Pr. Thomas Tronco
Soli Deo gloria